segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

MATERNIDADE


Há pouco tempo, tive uma visão do mal. Foi num desses parques comerciais dos arredores de Lisboa onde as famílias vão passear aos fins-de-semana, andando de loja em loja enquanto chamam alto pelo nome dos filhos. Justamente: era uma criança, um miúdo aí dos seus seis anos, e não parecia pobre nem rico. Aqui já estou a mentir: era pobre, sim, de uma pobreza angustiante, ali exposta no meio da multidão, reflectida nos vidros das montras; uma coisa gigantesca, um monstro disforme de pobreza moral. Ia agora dizer que o miúdo seguia acompanhado pela mãe, mas estaria a mentir outra vez. Não é preciso ter lido Elisabeth Badinter para desconstruir o mito do «instinto maternal». Conheço mulheres que não são mães e que são mais mães do que aquela criatura, cuja indiferença pelo filho era de uma evidência ofensiva. Percebi que o miúdo não estava a ter uma birra ocasional. Aquilo era ele, a vida dele, um dia como os outros. O miúdo gritava, atirava-se ao chão, rebolava-se como um cabrito, fazia caretas, puxava pelas roupas da mulher, e a única reacção que conseguia obter era a mais total e abjecta indiferença. Segui-os durante algum tempo, para ver até onde iria aquele teatro da crueldade, e só parei quando entraram numa loja cara. Fiquei do lado de fora, ainda a observá-los, vendo a mulher a mexer nas malas e nas carteiras com uma atenção dedicada, enquanto o miúdo vagueava pelo meio dos escaparates, atirado ao seu íntimo naufrágio. Apeteceu-me ir ter com a mulher, bater-lhe, esmurrar-lhe a cara contra uma parede. Sei que isto não é bonito nem cristão, mas foi exactamente o que senti. Depois desviei o olhar e segui em frente, em direcção ao presépio de cartão e lantejoulas.

Imagem: Our Lady of Czestochowa (The Black Madonna).

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

FAMÍLIAS FORA DA CAIXA



(...) No Dicionário de Lugares Imaginários, Alberto Manguel nota que «a organização social dos Mumins centra-se em torno da família e não existem instituições governamentais formais.» Perturbada pela Segunda Guerra Mundial, em que a Finlândia tomou parte ativa, acabando do lado dos perdedores, Tove Jansson inspirou-se na sua própria família e no círculo de amigos, refletindo valores pessoais e também identitários da sociedade finlandesa. Tolerância, respeito pelo indivíduo, união familiar e cortesia enformam todas as histórias dos Mumins, editadas entre 1945 e 1970 e traduzidas em mais de 30 línguas. Em 1966, Jansson recebeu o Prémio Hans Christian Andersen pelo conjunto da sua obra literária, também extensiva ao público adulto. 

Publicados pela Caminho no início da década de 1990, com tradução de Mafalda Eliseu (agora revista), os dois volumes reeditados pela Relógio d’Água há muito que faziam falta nas livrarias. Por ordem cronológica, A Família dos Mumins é o terceiro título da série, originalmente publicado em 1948 (O Cometa na Terra dos Mumins é de 1946). A opção explica-se facilmente: foi o primeiro a ser traduzido para inglês, com grande êxito, trazendo visibilidade a uma obra demasiado universal para ficar restringida às fronteiras nórdicas. 

(in LER nº 140, secção «Leituras Miúdas»)

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

ESTE MÊS, NA LER


Já saiu a LER deste Inverno. É um trimestre em que há sempre demasiados livros para três páginas, em contraste com a escassez dos primeiros meses do ano, mas são os ossos do ofício. Nas «Leituras Miúdas» desta edição, destacam-se as reedições dos clássicos livros dos Mumins, da finlandesa Tove Jansson (Relógio d'Água); o magnífico livro de contos de David Almond (Uma Criatura Feita de Mar, Presença); e um livro informativo feito com rigor e muito charme retro (O Professor Astrogato nas Fronteiras do Espaço, Orfeu Negro). Os irmãos Hansel e Gretel foram ao divã de psicanálise das personagens, e Ana Margarida de Carvalho responde às três questões do Scrapbook sobre o seu primeiro álbum «para crianças e para adultos muito infantis» (A Arca do É, Teorema}. Ainda uma mão-cheia de sugestões na secção «Livros ao Microscópio»... e pronto, para o ano há mais.

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

IRMÃO LOBO EM FÁTIMA


Ontem à tarde estive no Centro de Estudos de Fátima para falar com alunos do 8º e 9º ano sobre o Irmão Lobo, livro seleccionado pela escola para o Concurso Nacional de Leitura (será esta a designação correcta?). Os adolescentes são sempre um público tramado, mas com sinceridade e as unhas do lobo não é impossível agarrá-los. Gostei muito! Grata a todos os alunos que lá estiveram - mais de 150 - e também à Livraria Arquivo (Leiria) e às professoras Marlene Frazão e Cristina Carvalho, pelo caloroso acolhimento num dia de muito frio e muita chuva, como se pode notar pelo figurino.

(foto: cortesia Fernando Pinho)

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

O IRMÃO ALEMÃO


Bruder Wolf, título da edição alemã do Irmão Lobo, com tradução de Claudia Stein e chancela da editora Fischer Verlage. Ver aqui

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

CINCO PAIS NATAIS E TUDO O MAIS


Um primeiro livro é sempre um acontecimento e, no caso da Maria Bouza, creio que ilustrar Cinco Pais Natais e tudo o mais (ed. Máquina de Voar) não terá sido obra única. No próximo domingo, ela contará (ou não). Manuela Castro Neves, com livros publicados na Caminho e na Planeta Tangerina, tem um talento nato para orquestrar as palavras e produzir textos de grande qualidade literária e musical. Depois vou explicar melhor o que quero dizer com isto. A apresentação acontece na Livraria Pó dos Livros, domingo, às 16h00. Apareçam!