segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

MATERNIDADE


Há pouco tempo, tive uma visão do mal. Foi num desses parques comerciais dos arredores de Lisboa onde as famílias vão passear aos fins-de-semana, andando de loja em loja enquanto chamam alto pelo nome dos filhos. Justamente: era uma criança, um miúdo aí dos seus seis anos, e não parecia pobre nem rico. Aqui já estou a mentir: era pobre, sim, de uma pobreza angustiante, ali exposta no meio da multidão, reflectida nos vidros das montras; uma coisa gigantesca, um monstro disforme de pobreza moral. Ia agora dizer que o miúdo seguia acompanhado pela mãe, mas estaria a mentir outra vez. Não é preciso ter lido Elisabeth Badinter para desconstruir o mito do «instinto maternal». Conheço mulheres que não são mães e que são mais mães do que aquela criatura, cuja indiferença pelo filho era de uma evidência ofensiva. Percebi que o miúdo não estava a ter uma birra ocasional. Aquilo era ele, a vida dele, um dia como os outros. O miúdo gritava, atirava-se ao chão, rebolava-se como um cabrito, fazia caretas, puxava pelas roupas da mulher, e a única reacção que conseguia obter era a mais total e abjecta indiferença. Segui-os durante algum tempo, para ver até onde iria aquele teatro da crueldade, e só parei quando entraram numa loja cara. Fiquei do lado de fora, ainda a observá-los, vendo a mulher a mexer nas malas e nas carteiras com uma atenção dedicada, enquanto o miúdo vagueava pelo meio dos escaparates, atirado ao seu íntimo naufrágio. Apeteceu-me ir ter com a mulher, bater-lhe, esmurrar-lhe a cara contra uma parede. Sei que isto não é bonito nem cristão, mas foi exactamente o que senti. Depois desviei o olhar e segui em frente, em direcção ao presépio de cartão e lantejoulas.

Imagem: Our Lady of Czestochowa (The Black Madonna).

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