domingo, 31 de janeiro de 2016
FLORESTAS DE SÍMBOLOS
Também para mim foi surpreendente - e gratificante - encontrar «ecos» do Onde Moram as Casas (ed. Caminho) numa passagem de Dom Casmurro, de Machado de Assis. Guiada pelo instinto único que existe em cada bicho-leitor, a Andreia Brites detectou-os e explicou porquê no seu blogue. Há pouco tempo, ao ler um poema de Sophia de Mello Breyner Andresen, o «eco» ressoou na direcção de um dos meus livros favoritos de Shaun Tan: A Árvore Vermelha (ed. Kalandraka). A ligação entre o universo opressivo e o alento providenciado por um elemento natural de cor vermelha também se pode ler no poema de Sophia:
Como uma flor vermelha
À sua passagem a noite é vermelha,
E a vida que temos parece
Exausta, inútil, alheia.
Ninguém sabe onde vai nem donde vem,
Mas o eco dos seus passos
Enche o ar de caminhos e de espaços
E acorda as ruas mortas.
Então o mistério das coisas estremece
E o desconhecido cresce
Como uma flor vermelha.
(Poesia, Sophia de Mello Breyner Andresen, ed. Assírio& Alvim, 2013)
quarta-feira, 27 de janeiro de 2016
LIVROS PARA LER POR DENTRO, 2
«Sentimentos de tristeza podem ser dolorosos, e alguns doem tanto que são difíceis de suportar. Foi assim que a Madalena, uma amiga da Catarina, se sentiu quando os pais lhe disseram que já não podiam continuar a viver juntos. A Madalena precisava que as pessoas que lhe eram mais próximas percebessem o quanto estava magoada e que a amassem mesmo quando ela as afastava.»
A Catarina, o Simão, o Pai e a Mãe (e ainda o cão Feijão Peludo) são uma família funcional, na qual os sentimentos se manifestam com autenticidade, mesmo tratando-se de «uma sensação de rabiscos a enrolarem-se todos na barriga». Com um fio narrativo condutor, mostrando situações e contextos que fazem parte do quotidiano, este livro apresenta-se como «um lugar seguro onde [as crianças] podem pensar sobre os sentimentos, os seus e os das outras pessoas. Da nota autoral: «Algumas crianças podem querer falar sobre os seus sentimentos quando lerem este livro consigo. Outras talvez prefiram falar sobre os sentimentos das personagens - ou talvez pensem sem falar, pelo menos por agora.»
Um Livro de Sentimentos (ed. Livros Horizonte) é assinado por Amanda McCardie (texto) e Salvatore Rubinno (ilustrações). Neste último, é impossível não detectar a influência do «mestre» Quentin Blake. Demasiada influência, até.
(Ver mais «Livros para ler por dentro» aqui.)
segunda-feira, 25 de janeiro de 2016
A MALA DO ESCRITOR
Um escritor viaja sempre com os seus tesouros. Uma bússola, uma lupa antiga, uma fotografia em tons de sépia, umas lunetas, uma estatueta africana, um jogo de dominó de casas tradicionais, um livro de pensamentos de Ralph Waldo Emerson, um lobo, uma nota de 50 escudos... Eis algumas das preciosidades que transportei na malinha encarnada que a minha mãe me ofereceu, em Angola, quando teria uns dois anos (era quase do meu tamanho...). Partilhei-a nas 15 oficinas de escrita criativa que fiz a semana passada no município de Nelas, a convite da Fundação Lapa do Lobo, e incitei os miúdos (cerca de 250. ao todo) a fazerem o mesmo, para que um dia possam sentir o amor das coisas suas. A julgar pelo silêncio e pela atenção, creio que a malinha deu origem à maior surpresa e aos momentos mais mágicos. Fizemos também jogos de palavras, de atenção, de imaginação... e, claro, escrevemos pequenos contos. O tema era a família e todos tinham lido o Amores de Família nas semanas anteriores. Gostaram do tema e do livro, «porque era diferente», disseram-me. Surgiram textos com muita graça, outros ainda muito presos ao concreto e ao banal, mas todos participaram, sem quaisquer embirrações. É espantosa a diferença que fazem os professores: afectuosos e entusiastas, nos melhores casos; rígidos e desinteressados, nos piores. Encontrei crianças num estado de apatia total, como se tudo fosse uma grande maçada. Triste. Como alguém dizia, «alguns professores não se dão conta do poder que têm na formação da consciência e da autoestima das crianças». Totalmente de acordo.
domingo, 17 de janeiro de 2016
FAMÍLIAS, LOBOS, ALCATEIAS
Para onde quer que olhe, os lobos estão sempre lá. Durante a próxima semana, a convite da Fundação Lapa do Lobo, vou estar em várias escolas do concelho de Nelas para conduzir oficinas de escrita criativa e de microcontos, junto de mais de 260 crianças do 3º e 4º anos de escolaridade. Partiremos do Amores de Família, o livro que fiz com a ilustradora Marta Monteiro (ed. Caminho) e que está recomendado pelo PNL na área de Apoio a Projectos - Educação para a Cidadania (3º. 4º. 5º e 6º anos). Não sei que famílias vão surgir daqui, mas espero que sejam autênticas e amorosas, acima de tudo. Depois conto como foi.
PRÓXIMA FORMAÇÃO
No próximo dia 13 de Fevereiro, a convite da Biblioteca Municipal Manuel de Boaventura, em Esposende, farei uma formação de 6 horas especialmente dirigida a professores, bibliotecários, educadores e outros mediadores de leitura. A inscrição é gratuita.
sábado, 16 de janeiro de 2016
ONDE MORAM AS IDEIAS
Quando disse neste post que as ideias surgiam daquilo que acontece na minha vida interior, queria dizer precisamente isto. O corpo como uma casa em permanente (des)arrumação.
(cortesia Filipa Teles Carvalho)
LIVROS PARA LER POR DENTRO, 1
«Todas as actividades que tenham, como objectivo, trazer a calma e a tranquilidade para dentro de nós, são importantíssimas e, a meu ver, imprescindíveis nos dias de hoje, em que a satisfação é imediata, a resiliência decresce, e em que se ignoram os valores que nos permitem viver melhor neste mundo partilhado com outros. O impacto que têm os exercícios de atenção, de relaxamento e de mudança de estado emocional, é de tal forma grande que não pode ser descurado. E as histórias são uma ferramenta fundamental e muito simples de aplicar. Ora, tudo isto se encontra neste livro: explicações, exercícios e várias histórias metafóricas.»
[Com este livro de Margarida Fonseca Santos (texto) e de Joana Jesus (ilustrações), concebido com a qualidade habitual da Edicare, inaugura-se no Jardim Assombrado uma nova etiqueta: «Livros para ler por dentro». Não é grande literatura nem pequena literatura. É outra coisa. Livros bem feitos, sérios, honestos, informados, cuja principal motivação é o desenvolvimento integrado da identidade e da consciência. Livros para uma nova política da educação, talvez. Livros para um novo mundo... Chegaremos lá? Acreditar é preciso.]
sexta-feira, 15 de janeiro de 2016
LET'S GET LOST
Tenho a certeza de que haverá livrarias especializadas em livros para crianças muito mais bonitas do que estas, mas vale a pena ver a amostra. Aqui.
quinta-feira, 14 de janeiro de 2016
PROFESSOR ASTROGATO
Depois de trabalhar anos numa livraria, e farto de ver álbuns sobre o espaço com as mesmas fotografias e as mesmas legendas de sempre, Ben Newman, ilustrador inglês, decidiu desenhar um universo à sua medida. Convidou Dominic Walliman, cientista doutorado em física quântica e autor de livros para crianças nas horas vagas, e o resultado foi surpreendente: um álbum esteticamente cuidado e pleno de charme retro, com uma linguagem transversal para crianças e adultos, factual e afectivo ao mesmo tempo. Uma edição da Orfeu Negro.
segunda-feira, 11 de janeiro de 2016
HISTÓRIA DA LEBRE DE CHUMBO
«Onde vai buscar as ideias para os seus livros?» Apesar de mil vezes repetida, esta pergunta contém uma curiosidade genuína, porque participa do mesmo mistério: o leitor questiona o escritor para que o escritor se questione. Já lhe respondi de várias maneiras, consoante as idades a que me dirijo, mas creio que a resposta mais simples e mais verdadeira será: vou buscar as ideias àquilo que me acontece. Ou, para ser exacta: vou buscar as ideias àquilo que acontece na minha vida interior; sempre nas entrelinhas das circunstâncias, dos eventos, dos factos, dos enunciados externos. Se não preservar a possibilidade desse espaço aberto e ilimitado, posso dar a volta ao mundo e regressar sem nada para contar. Consigo localizar de forma bastante precisa as ideias prévias a cada livro, a memória sensorial que as acompanha (onde estava, com quem estava, o que fazia...), mas ter um objecto na mão e poder partilhá-lo com os leitores é algo especial.
A Lebre de Chumbo, o conto de fadas que escrevi para a colecção da APCC (Associação para a Promoção Cultural da Criança) começou com a réplica homónima que se pode ver nesta imagem: uma pequenina lebre de chumbo encontrada numa loja de velharias de Lisboa, na zona do Rato. Nunca lá tinha entrado. Foi o único objecto que me chamou a atenção e, mal olhei para ela, exposta dentro de uma cristaleira, soube imediatamente que era para mim. Custou-me dez euros.
A lebre, animal associado à lua e ao feminino, simboliza em vários contos o valor do sacrifício, no sentido de «sacro ofício»: acto sagrado para a pessoa que o realiza em nome de algo ou de alguém. Há quem goste muito desse conto, há quem não goste e há quem não o entenda. Está tudo certo. Escrever para agradar ao leitor é a morte do artista.
E, por falar nisso, eis como a lebre de chumbo foi vista pelo Alex Gozblau:
sábado, 9 de janeiro de 2016
NOVIDADES DA ORFEU MINI
Vêm aí coisas muito boas com a chancela da Orfeu Mini, colecção da Orfeu Negro que abarca a produção literária para os mais novos. Ainda sem capa em português, destacamos, para Fevereiro, O Sr. Tigre Torna-se Selvagem (Mr. Tiger Goes Wild), de Peter Brown, autor do divertidíssimo A Minha Professora é um Monstro! (Não Sou, Não) e de O Jardim Curioso (ed. Caminho). Também em Fevereiro, chega O Que Aconteceu à Minha Irmã?, um novo álbum de Simona Ciraolo, de quem já conhecemos (e adorámos) o anterior Quero um Abraço. Janeiro marca a estreia de um novo autor, Benji Davies, ilustrador britânico que recebeu o prémio Oscar (a pensar nas crianças do pré-escolar) com The Storm Whale (A Baleia, em português), história de um menino que encontra uma baleia encalhada na praia e a tenta salvar. Há mais novidades anunciadas para 2016, mas, para começar, estas já nos fazem crescer água na boca.
quinta-feira, 7 de janeiro de 2016
O GRITO DO TROVÃO
Retrato agridoce da sociedade em convulsão na América dos anos 30, Trovão, Ouve o Meu Grito foi publicado há 40 anos, sendo agora pretexto para uma nova e melhorada edição. Seria óptimo se alguma editora portuguesa arriscasse o mesmo, já que a primeira tradução, editada na colecção Caminho Jovens, em 1986, já é muito difícil de encontrar (ver aqui). O romance de Mildred D. Taylor, recorde-se, foi distinguido em 1977 com o Prémio Newberry, o mais importante galardão da literatura infantojuvenil dos Estados Unidos, cujo júri é constituído por membros de bibliotecas públicas e escolares. Continua actualíssimo.
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