quarta-feira, 9 de março de 2016

AUGÚRIOS


«Jacinto era um bom contador de histórias. A sua voz equilibrava-se entre a serenidade e a fúria.» As primeiras três linhas de O Último Conto fazem jus a um dos títulos de Maria Gabriela Llansol, segundo a qual «o começo de um livro é precioso». Assim é também para o contador de histórias, cuja voz ressoa nas paredes míticas da casa do mundo. O seu trabalho consiste em amalgamar memórias, explicações, augúrios, sonhos e rituais. É um nómada da palavra dita. Onde quer que pare, a viagem começa.

No caso, Jacinto «gostava de contar histórias debaixo de uma árvore, apoiando a perna sobre um caixote». Os habitantes do bairro convergiam para aquele lugar, as casas inclinavam-se para o ouvir melhor. «Não conseguíamos resistir à tentação de viver, por alguns minutos, o tempo infinito da fantasia.» Ninguém acreditava que o encantamento se quebrasse, mas chegou um dia em que a voz de Jacinto deixou de se ouvir. Tinha desaparecido no olhar de alguém que escutava, e todos o viram «dar um passo em direção àquele mistério». O ar encheu-se de presságios perante o que estava para acontecer. «Permanecemos em silêncio até que o estrondo de um avião nos dispersou.»

Lançado em edição simultânea no México, Brasil e Portugal, O Último Conto é o segundo livro de Rodolfo Castro (Argentina, 1963) publicado na Gatafunho, depois de A Intenção Leitora, a Intenção Narrativa, sobre a sua experiência de contador de histórias, a viver há três anos e meio em Portugal. É um picture book com marcas de novela gráfica, em que o trabalho do ilustrador Enrique Torralba (México, 1969), com nítidas influências de Shaun Tan, nos remete para um universo onírico mas inquietantemente próximo. Um pequeno tesouro.

O Último Conto
Rodolfo Castro
Enrique Torralba (ilustr.)
Gatafunho

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