Com O
Meu Avô, Catarina Sobral demarcou-se da linha conceptual explorada nas duas
obras anteriores (Greve e Achimpa), centradas na linguagem e nas
variantes linguísticas, e passou para um registo humanizado que adopta um
personagem de forte ligação afectiva às crianças. Quer o título do livro quer a
figura adulta e esguia desenhada na capa, de guarda-chuva e meias às riscas,
remetem de imediato para O Meu Tio,
de Jacques Tati; homenagem inequívoca de uma autora que concilia a ilustração
com a escrita e o cinema de animação.
Não há dúvida de que este avô, um flâneur atento e sabedor das pequenas
grandes coisas, pertence à mesma família de Monsieur Hulot, quer na sua relação
com o neto quer com a vida. Ficamos a conhecê-lo pelas descrições textuais («o
meu avô nunca se lembra de ler as notícias», «acorda todos os dias à 6 da
manhã», «tem aulas de alemão e aulas de Pilates»), mas sobretudo pelo contraste
com outro personagem paralelo na narrativa, o Dr. Sebastião, cujo dia-a-dia
também acompanhamos.
No esquema de página dupla, Catarina Sobral
estabelece raccords brilhantes entre
as ilustrações, criando efeitos de continuidade visual e, ao mesmo tempo, de
total divergência significante. Assim, enquanto o Dr. Sebastião faz equilíbrio
com pilhas de papéis e dossiês, o Avô exercita um movimento idêntico na aula de
Pilates. Enquanto um aquece o almoço no micro-ondas, o outro faz piqueniques
durante a semana, acompanhado pelo neto e por amigos. Esta imagem é uma
recriação da paz bucólica de Le déjeuner
sur l’herbre, de Manet, uma das referências artísticas que Catarina Sobral
gosta de trazer para os seus livros. Mas há outras: Chaplin, Almada, Pessoa.
Descobri-las faz parte do passeio.
Catarina Sobral
O Meu
Avô
Orfeu Negro
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