quinta-feira, 3 de março de 2016

NOSTALGIA



A história de O Regresso começou por um pequeno filme animado de Natalia Chernysheva, autora russa que se estreia na Bruaá em resposta ao desafio de passar as imagens para o papel. Não é primeira nem a segunda vez que a editora de Miguel Gouveia convida escritores e/ou ilustradores estrangeiros a produzirem trabalhos originais para o seu catálogo: aconteceu com Lara Hawthorne (Herberto) e Davide Cali (Arturo, A Rainha das Rãs Não Pode Molhar os Pés), por exemplo. Outras vezes, tratou-se de recuperar textos esquecidos e marginais, para depois os reinventar pela mão de ilustradores portugueses: casos de André da Loba (O Arenque Fumado) ou Gonçalo Viana (Esqueci-me Como se Chama).

Esta opção editorial não contradiz a presença de autores consagrados (Shel Silverstein, Bruno Munari, Wolf Erlbruch), nem tão pouco transformou o catálogo da Bruaá numa manta de retalhos, desde a sua promissora estreia em 2008. É antes uma declaração de princípios – de qualidade e de originalidade – que faz jus ao estatuto de «editora independente» e que valoriza a obra do autor (o autor e não o seu invólucro), independentemente da sua nacionalidade e outras baias. É por isso que uma boa parte dos livros da Bruaá revertem para a categoria do «destinatário incerto», arriscando a comunicação possível entre adultos e crianças no território das emoções e razões partilhadas.

O Regresso inscreve-se coerentemente nesta linha e explora um dos temas mais incomunicáveis: a nostalgia da infância. É um longo travelling que parte do espaço caótico da cidade em direção ao campo e ao lugar da casa mítica, a datcha onde a avó espera a neta, ao lado de uma árvore carregada maçãs vermelhas. Explorando a alteração de formas e perspectivas, planos picados e contra-picados, pormenores sinestésicos de cor aplicados na depuração das linhas a preto e branco, a autora coloca-nos diante da inequívoca felicidade do reencontro. O Regresso conduz-nos a casa, a essa mesma «casinfância» do poema de Herberto Helder: «Eu metia as mãos na água: adormecia, relembrava.» É isso mesmo.

O Regresso
Natalia Chernysheva
Bruaá

Sem comentários: