segunda-feira, 21 de março de 2016

OS QUATRO ELEMENTOS



Desde a publicação de O Gato de Uppsala (Sextante, 2009), Cristina Carvalho construiu um percurso literário pouco conforme às fronteiras etárias; ao mesmo tempo que conseguiu, por portas travessas, alcançar um público adolescente difícil de determinar e ainda mais de manter. Dizemos «por portas travessas» porque esse percurso se nos afigura livre de intenções e fórmulas já testadas, o que faz com que cada livro seu seja diferente dos anteriores, embora bebendo da mesma fonte. Emotiva, sinestésica, cantante, a escrita de Cristina Carvalho ganha quando sustentada por uma estrutura e coesão narrativas que dão forma a essa predisposição lírica imanente à sua originalidade enquanto autora.

Noblesse oblige, o tema da coincidência dos opostos, tão caro a Hans Christian Andersen e aos escritores românticos, sempre rondando este imaginário, manifesta-se uma vez mais em Quatro Cantos do Mundo. Se o anterior Lusco-Fusco (Porto Editora, 2011) se concentrava no mundo invisível dos seres elementais, agora o olhar surge ampliado à escala dos continentes e oceanos, tendo como protagonistas quatro verdadeiros heróis: Roald Amundsen, o conquistador dos Polos; David Livingstone, explorador da África central e austral; David Attenborough, o homem que tão bem nos comunicou a Natureza; e Jacques-Yves Cousteau, o descobridor das inquietantes paisagens submersas.

Assumindo em nota prévia a homenagem aos seus heróis, Cristina Carvalho inventou quatro contos que guardam em comum o sentido do transcendente, a exaltação da natureza, a demanda da sobrevivência e a partilha familiar e comunitária. «Vidas brancas», o primeiro, tem como personagem principal um pequeno esquimó, comedor de carne crua, que salva uma cria de foca durante a caçada. Do deserto de gelo para o sol incandescente, «A noite é o lugar mais tranquilo do mundo» é um conto enigmático e introspectivo, à semelhança do beduíno de vestes negras que o atravessa. Num registo mais documental do que os anteriores, «Casa verde» narra a vida na selva, escolhendo uma menina como protagonista. «Viajando sob o azul intenso das águas» regressa ao tom efabulatório inicial e ao diálogo entre as espécies, desta vez com um golfinho, símbolo da ligação do homem com o divino. Com as últimas palavras do conto, fecha-se o círculo da quadratura: «Agora eu estava, realmente, acordado.»

Quatro Cantos do Mundo
Cristina Carvalho
Ilustrações de Manuel San Payo
Planeta

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