Desde a publicação de O Gato de Uppsala (Sextante, 2009), Cristina Carvalho construiu um
percurso literário pouco conforme às fronteiras etárias; ao mesmo tempo que
conseguiu, por portas travessas, alcançar um público adolescente difícil de
determinar e ainda mais de manter. Dizemos «por portas travessas» porque esse
percurso se nos afigura livre de intenções e fórmulas já testadas, o que faz
com que cada livro seu seja diferente dos anteriores, embora bebendo da mesma
fonte. Emotiva, sinestésica, cantante, a escrita de Cristina Carvalho ganha
quando sustentada por uma estrutura e coesão narrativas que dão forma a essa
predisposição lírica imanente à sua originalidade enquanto autora.
Noblesse
oblige, o tema da coincidência dos opostos, tão caro a
Hans Christian Andersen e aos escritores românticos, sempre rondando este
imaginário, manifesta-se uma vez mais em Quatro
Cantos do Mundo. Se o anterior Lusco-Fusco
(Porto Editora, 2011) se concentrava no mundo invisível dos seres elementais, agora
o olhar surge ampliado à escala dos continentes e oceanos, tendo como
protagonistas quatro verdadeiros heróis: Roald Amundsen, o conquistador dos Polos;
David Livingstone, explorador da África central e austral; David Attenborough, o
homem que tão bem nos comunicou a Natureza; e Jacques-Yves Cousteau, o
descobridor das inquietantes paisagens submersas.
Assumindo em nota prévia a homenagem aos seus
heróis, Cristina Carvalho inventou quatro contos que guardam em comum o sentido
do transcendente, a exaltação da natureza, a demanda da sobrevivência e a
partilha familiar e comunitária. «Vidas brancas», o primeiro, tem como personagem
principal um pequeno esquimó, comedor de carne crua, que salva uma cria de foca
durante a caçada. Do deserto de gelo para o sol incandescente, «A noite é o
lugar mais tranquilo do mundo» é um conto enigmático e introspectivo, à
semelhança do beduíno de vestes negras que o atravessa. Num registo mais
documental do que os anteriores, «Casa verde» narra a vida na selva, escolhendo
uma menina como protagonista. «Viajando sob o azul intenso das águas» regressa
ao tom efabulatório inicial e ao diálogo entre as espécies, desta vez com um
golfinho, símbolo da ligação do homem com o divino. Com as últimas palavras do
conto, fecha-se o círculo da quadratura: «Agora eu estava, realmente,
acordado.»
Quatro
Cantos do Mundo
Cristina Carvalho
Ilustrações de Manuel San Payo
Planeta
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