Mas ganhava-se bem
nos jornais nessa época.
Não, não se ganhava nada bem. Há um período nos anos 90
em que se ganhava melhor mas eu complementava com a televisão. Só nos jornais
propriamente ditos não. Nunca ninguém ficou rico a escrever num jornal. Claro
que hoje há uma chacina das pessoas e na altura não havia esta austeridade. Mas
hoje também há muita gente a escrever, muita oferta, muitos estagiários, muita
mão de obra barata que na altura não havia. Havia mais triagem. A vida que
levávamos implicava ter dinheiro, havia um desejo primordial de ganhar
dinheiro, que também era importante. É que o jornalismo dava dinheiro e a
literatura não dava. Os primeiros anos do Saramago dificilmente se pode dizer
que tenham sido anos de prosperidade. O Zé Cardoso Pires vivia
ultramodestamente. Tive essa conversa com ele várias vezes. Eu perguntava-lhe
como é que ele conseguia viver só a escrever livros, e ainda por cima era muito
lento... Foram 10 anos para escrever o Alexandra
Alpha, era um escritor bissexto. Ele aguentava-se no limite da pobreza. A
Edite, a mulher, trabalhava, e tinham uma vida ultrafrugal. Ele não viajava,
não jantava fora todas as noites. O Alexandre O’Neill ganhava dinheiro na
publicidade. O Fernando Assis Pacheco, que era um extraordinário escritor e
poeta, estava na redação a fechar o jornal, outros davam aulas, tinham que
trabalhar. Hoje é mais fácil um autor viver dos livros do que na altura. A
Agustina uma vez disse-me isso no Frágil (o que é que a Agustina estava a fazer
no Frágil, não sei, alguém a levou para lá), estava numa esquininha, com aquela
curiosidade dela e eu perguntei-lhe o que é que era preciso para escrever um
romance, para me tornar escritora a tempo inteiro, e ela disse a frase da minha
vida: «Arranje um marido rico.» Lapidar.
Não tinha medo de
falhar?
Não. Tinha medo de ficar sem dinheiro. Coisa que ainda
tenho. Nunca tive medo de falhar. Vou-lhe dizer uma coisa muito sinceramente: o
medo de falhar é aquilo com que vive todo o jornalista. Quando já tem a
reportagem toda feita na cabeça, com as notinhas todas, uma reportagem de
guerra, por exemplo, que é muito intensa e é sob pressão, e você já tem tudo,
as 10 histórias incríveis que lhe contaram, e tem a deadline, e todo o jornalista que tem a pressão da escrita, desde
os tempos da tarimba de que lhe falei, em que me incutiram o terror da prosa
mal feita ·– nessa altura tem o medo de falhar. E é o medo que alimenta o
jornalista, o medo de no fim, depois daquele trabalho todo, aquilo seja uma
merda.
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