No livro é muito
crítica das elites.
Sou.
Dessas elites que
parecem não ter consciência dessas vidas de que falava.
Não têm consciência nenhuma. Já não tinham no tempo do
Eça de Queirós. N’O Primo Basílio,
quando faz o retrato daquela família, do Jorge, da Luísa e depois da Juliana
das botinas, a melhor parte é quando ele descreve a vida da Juliana. A explicar
um pouco o rancor, o ódio, a velhacaria, mostrando o que foi a vida da Juliana
que evidentemente as elites portuguesas ignoravam e sempre ignoraram e
continuam a ignorar. Só que nós agora temos uma nova elite que é a elite dos
grandes assalariados: vão esquiar, têm uma vida muito confortável nas grandes
empresas ou na banca, e muitos deles tomaram o aparelho de Estado, têm
negociatas... Essa nova elite, que não se parece com as antigas (que eram as do
nome de família, de nascimento, os aristocratas, mas que eram quase sempre
descendentes de um merceeiro que tinha feito fortuna), essa nova elite é a da
democracia – mas não é melhor, só leem as revistas do coração, lixo, e consomem
exatamente os mesmos produtos que o lumpen.
Consomem a mesma televisão, as mesmas revistas e os mesmos jornais. Já fui a
casa de pessoas com muito dinheiro, que têm uma casa maravilhosa, com arte –
agora toda a gente tem arte –, objetos de design
extraordinários e depois apercebemo-nos de que não há um livro.
Acha que esse défice
cultural resulta num défice de empatia? O que transparece do seu livro é que
essas elites não vivem preocupadas com o que se está a passar com os outros.
Não, estão preocupadas com os seus próprios bens. Tirando
os que têm uma consciência católica e sentem um dever moral da sua própria
religião (e há muita gente assim, é justo que se diga, que age por um
imperativo religioso ou familiar), tirando isso estão muito pouco preocupados
com a vida das pessoas. Não fazem ideia de como vive uma pessoa que tem a mãe
paralisada, ou o filho que não é bom aluno, que moram na periferia, que têm de
vir para a cidade, que têm muito pouco dinheiro. Acha que essas elites têm
alguma ideia do que é ir para a bicha com o cartão da segurança social às seis
da manhã, esperar que aquilo abra, tirar uma senha e esperar até às duas da
tarde para ser atendido? Uma vez escrevi uma crónica sobre isso. Nunca as
elites portuguesas foram tratar pessoalmente do cartão do cidadão. O cartão foi
ter com eles. Acha que um grande banqueiro português alguma vez foi tratar do
cartão do cidadão ou do passaporte? Claro que não. Não ajudam ninguém, não dão
dinheiro a ninguém, não dão dinheiro para uma ala do hospital, não patrocinam.
No outro dia estava no supermercado e ouvi qualquer coisa para ajudar o
Sequeira a ficar em Portugal. Até pensei que fosse um drama humano. Afinal era
o quadro do Domingos Sequeira. Mas não há um desgraçado de um milionário em
Portugal que permita que o quadro fique em Portugal? Acho isto incrível.
[Clara Ferreira Alves, in LER nº 141. Entrevista conduzida por Bruno Vieira Amaral. Fotografias de Pedro Loureiro.]
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