«O menino Andersen era um grande inventor e
não andava nada satisfeito com as definições de palavras que lia no dicionário.
Por isso decidiu começar a escrever um dicionário novo, um dicionário que
entusiasmasse os seus amigos.» Ao contrário do senhor Andersen, nascido há 210
anos na Dinamarca, o menino Andersen não sofre de melancolia nem parece
preocupado com a saúde. Por isso, é natural que tenha escolhido palavras que o
entusiasmem, palavras que façam lembrar jogo, movimento e tudo o que sirva para
brincar. Por exemplo, a cadeira: «É o sítio onde as crianças descansam depois
de desarrumar a casa toda. A cadeira também pode ser o sítio onde as crianças
ganham forças para, a seguir, desarrumar a casa toda.»
Há uma coisa que o menino Andersen tem em
comum com o senhor Andersen: a capacidade de se espantar com os objetos e de observá-los
como se fossem gente. Se a toalha é «um objecto que tem sede» (atenção, o
menino Andersen ignora o Novo Acordo Ortográfico), a banheira é «uma piscina
egoísta porque só dá para uma ou duas crianças». No seu tempo, o senhor
Andersen escreveu diálogos incríveis entre uma pena e um tinteiro, os vários
dias da semana ou as cinco ervilhas de uma vagem, o que causou algum espanto.
Pensava-se então que só os piratas, reis e princesas é que tinham direito à vida,
e nem sequer a uma especial vida interior.
Apesar de tímido, o senhor Andersen foi um viajante:
só na Europa, fez perto de trinta viagens, incluindo a Portugal. O menino
Andersen também é um grande viajante, mas não precisa de sair do sítio: basta
mudar de perspectiva ou tentar ver as coisas do avesso. Evita o comando da
televisão: «É uma máquina que impede que te levantes», explica ele. «Quando
carregas nos botões, ficas imobilizado.» O senhor Andersen não tinha esse
problema da televisão, mas era um adulto muito estranho. Talvez o menino
Andersen lhe quisesse contar a sua definição de rir: «Rir é dizer muito rápido
algumas palavras. Rir é uma língua como o português, o espanhol ou o chinês.»
Como seria rir em dinamarquês do século XIX?
O
Dicionário do Menino Andersen
Gonçalo M. Tavares
Madalena Matoso (ilust.)
Planeta Tangerina
(Texto publicado na revista LER nº 141)
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