quarta-feira, 27 de julho de 2016

FESTIVAL WHITE RAVENS: DEPOIS DE MUNIQUE, 2


Porque «isto anda tudo ligado», a reportagem de Raquel Marinho que passou no Jornal da Noite do último domingo (SIC) transportou-me para a escola secundária E.T.A. Hoffmann, em Bamberg, na Baviera. As artes plásticas, a música e as línguas estão no centro dos interesses dos alunos que a frequentam. Por todo o lado, vêem-se pinturas e outros trabalhos artísticos feitos por eles. Lá fora, num dos relvados, há um espaço comum onde decorrem as «green classes», aulas dadas ao ar livre. A atmosfera é descontraída, os miúdos interessados, os professores também. É uma escola pública onde o estímulo à autodescoberta pela linguagem da arte (das várias artes) transparece imediatamente, o que só é possível quando se compreende que a arte e a cultura não são para uma elite endinheirada e/ou esclarecida. O sistema escolar actual, importado do século XIX e martirizado pela «papelada» e pelo vazio de ideias de longo prazo, vai continuar a alimentar escolas onde crianças e adolescentes não são convocados para algo que lhes diga respeito; algo que toque as suas vidas, a sua realidade, a sua urgência de expressão interior. É aí que os radicalismos começam a tomar forma, alimentados pela propaganda fácil via internet e pela ausência de uma rede que ampare o medo e a angústia.

Na extraordinária reportagem de Raquel Marinho, «Quando estou a cantar não estou preso», percebemos como «a arte pode ser veículo de mudança, e de que mudança». Ao longo de três anos, sob a orientação do maestro Paulo Lameiro e de cantores profissionais, 23 reclusos do Estabelecimento Prisional de Leiria aprenderam a cantar a ópera Don Giovanni, de Mozart. «É um projecto apoiado pela Fundação Calouste Gulbenkian, que faz parte do Programa Partis, cuja ideia é a integração através da arte», explica a Raquel na sua página do Facebook.

No início do projecto, foi o riso e a estranheza; depois, a entrega e uma mudança de olhar: quem dera que na rua tivessem aprendido a cantar. Para compreender, é preciso experimentar. A dado ponto, diz um deles: «É uma história da vida dos rapazes. Não é de todos os rapazes, mas é, basicamente, a nossa vida. É um bocado de... mulheres... e como ele [Don Giovanni] tem o seu empregado que tenta comer os restos.» E mais adiante: «Há muitos de nós que se dizem Don Juans, mas somos todos Leporellos.» É muito difícil conseguir um trabalho jornalístico tão equilibrado entre a emoção e a contenção. Parabéns à Raquel Marinho e a toda a equipa.

(A reportagem «Quando estou a cantar não estou preso» pode ser vista aqui. Na segunda-feira, foram tema dos Sinais, de Fernando Alves, na TSF.)

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