Quando eles chegaram às portas da Biblioteca Internacional da Juventude, na manhã de quinta-feira, último dia do Festival White Ravens, houve quem pensasse: «Oxalá não sejam estes.» Mas eram. Miúdos de 13 anos vindos de uma das escolas problemáticas de Munique, situada na base da pirâmide do sistema escolar alemão. Alguns descendentes de emigrantes; refugiados, talvez, mas não tínhamos como confirmá-lo. Entraram na sala sem alegria nem espalhafato e sentaram-se nas cadeiras dispostas em círculo; rapazes de um lado, raparigas do outro. A professora deu-me um aperto de mão frouxo, sorriu ligeiramente e não disse nada. Começámos. Durante uma hora e meia, virei-me do avesso para lhes provocar um sorriso, um comentário, um olhar vivaz. Ao meu lado, o Jochen Weber fazia a tradução do inglês para alemão e a actriz Sandra Schwittau lia em voz alta os capítulos escolhidos do Bruder Wolf. Três ou quatro rapazes fizeram perguntas; as raparigas mantiveram-se em silêncio, fechadas naquela amálgama de timidez, enfado e desconfiança. Tentaram perceber o título do livro: Irmão Lobo. Um deles disse que o lobo era um animal forte e selvagem («e um irmão é alguém que nos protege», acrescentei). Também lhes fiz perguntas: quem eram os heróis deles, quem os inspirava, quem lhes dava forças? Um dos miúdos, a escorregar de sono na cadeira, falou em Cristiano Ronaldo. Contei-lhe tudo o que sabia sobre Cristiano Ronaldo e disse-lhes que para mim também ele era um herói (não menti). Outro miúdo disse que não tinha heróis, que não precisava, que se bastava a ele próprio. Perguntei-lhe se se sentia sozinho no mundo, mas não respondeu. Não quis ou não soube. Nós, os adultos da geração Christiane F. e do «nuclear, não obrigado», ficámos ali a digerir aquele vazio. No dia seguinte, pelas seis da tarde, no centro de Munique, um rapaz pouco mais velho matava nove pessoas, sete das quais adolescentes. Apesar das suspeitas iniciais de ligação a grupos terroristas, soube-se depois que também se bastou a ele próprio. «Um lobo solitário», chamaram-lhe.
domingo, 24 de julho de 2016
FESTIVAL WHITE RAVENS: DEPOIS DE MUNIQUE, 1
Quando eles chegaram às portas da Biblioteca Internacional da Juventude, na manhã de quinta-feira, último dia do Festival White Ravens, houve quem pensasse: «Oxalá não sejam estes.» Mas eram. Miúdos de 13 anos vindos de uma das escolas problemáticas de Munique, situada na base da pirâmide do sistema escolar alemão. Alguns descendentes de emigrantes; refugiados, talvez, mas não tínhamos como confirmá-lo. Entraram na sala sem alegria nem espalhafato e sentaram-se nas cadeiras dispostas em círculo; rapazes de um lado, raparigas do outro. A professora deu-me um aperto de mão frouxo, sorriu ligeiramente e não disse nada. Começámos. Durante uma hora e meia, virei-me do avesso para lhes provocar um sorriso, um comentário, um olhar vivaz. Ao meu lado, o Jochen Weber fazia a tradução do inglês para alemão e a actriz Sandra Schwittau lia em voz alta os capítulos escolhidos do Bruder Wolf. Três ou quatro rapazes fizeram perguntas; as raparigas mantiveram-se em silêncio, fechadas naquela amálgama de timidez, enfado e desconfiança. Tentaram perceber o título do livro: Irmão Lobo. Um deles disse que o lobo era um animal forte e selvagem («e um irmão é alguém que nos protege», acrescentei). Também lhes fiz perguntas: quem eram os heróis deles, quem os inspirava, quem lhes dava forças? Um dos miúdos, a escorregar de sono na cadeira, falou em Cristiano Ronaldo. Contei-lhe tudo o que sabia sobre Cristiano Ronaldo e disse-lhes que para mim também ele era um herói (não menti). Outro miúdo disse que não tinha heróis, que não precisava, que se bastava a ele próprio. Perguntei-lhe se se sentia sozinho no mundo, mas não respondeu. Não quis ou não soube. Nós, os adultos da geração Christiane F. e do «nuclear, não obrigado», ficámos ali a digerir aquele vazio. No dia seguinte, pelas seis da tarde, no centro de Munique, um rapaz pouco mais velho matava nove pessoas, sete das quais adolescentes. Apesar das suspeitas iniciais de ligação a grupos terroristas, soube-se depois que também se bastou a ele próprio. «Um lobo solitário», chamaram-lhe.
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