quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

O COMEÇO DE UM LIVRO É PRECIOSO, 27


   «Arminda era alta, esbelta, tinha cabelos ondeados e gordurosos de cigana e uma expressão sensual nos lábios feridos do cieiro que se entreabriam num sorriso doce e púdico, de virgem. Isabel Montalvão nunca fora muito bonita mas, ao ir perdendo a frescura, os traços tinham-se-lhe depurado e ganhara em distinção a tal ponto que a sua fotografia preferida, a que devia representá-la para a posteridade, havia de ser tirada por um fotógrafo profissional, contratado para ir a casa no dia em que fez cinquenta anos. No dia a dia, sobretudo se não tencionava sair, arranjada com simplicidade e de cara lavada, podia passar por criada de uma casa rica, mas bastava-lhe calçar as luvas, prender o cabelo no chapéu e empoar-se, para ficar o nec plus ultra da elegância. Havia ainda Leni, morena e espalhafatosa, que usava boina, fazia caretas de palhaço e tinha sempre um cigarro suspenso entre dois dedos ou provocadoramente entalado nos lábios.
   O meu pai gostava das três e toda a sua infelicidade estava em que nenhuma o consolava da ausência das outras.»

Teresa Veiga, A Paz Doméstica, ed. Cotovia, 1999.

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