Há
algum livro, entre os doze que já editou, pelo qual sinta uma predileção
especial? Parece-me que estou a perguntar à mãe qual o filho de que mais gosta,
mas pronto… Fale-nos de três.
Mas há, claro que há. O livro do qual
ainda não me desvinculei é o Irmão Lobo.
Continua a viver em mim, tanto que me pede uma continuação. E vai acontecer. Eu
nunca forço nada na escrita; não ando à procura de ideias mas mantenho-me
atenta e disponível. E se as ideias ficam lá, durante algum tempo, dou-lhes
atenção. Se elas se evaporam, deixo de pensar nisso. O Irmão Lobo foi importante porque me fez sair de uma zona de
conforto; pode ser uma banalidade dizer isto, mas foi assim. Ao escrever, pela
primeira vez, um livro para adolescentes e adultos, desviei-me do meu registo habitual,
o álbum para crianças. O Irmão Lobo
está dentro de mim e continuará a correr ao meu lado.
E
sente esse retorno?
Um dos maiores retornos é saber que o
livro foi traduzido na Colômbia, no México, na Alemanha, na Sérvia, em Itália.
Este circular de um livro pelo mundo é muito bom, muito gratificante. Tal como
dar conta de que a sua autenticidade atingiu o leitor.
E
o segundo?
Também gosto muito do Onde Moram as Casas. Dos meus álbuns, é
um dos mais arriscados. Apesar de a ilustração ser bastante figurativa, entendo
ser uma proposta diferente.
Por
não ter personagens?
Sim. As casas são as personagens e
isso, só por si, torna-o original, creio eu. Mas recordo sempre o momento em
que o terminei e o entreguei ao meu antigo editor na Caminho – o José Oliveira,
uma pessoa marcante no meu percurso inicial – e notei que a primeira reação dele
ao texto foi de estranheza. Eu estava segura da minha originalidade e, quando o
ouvi dizer que talvez não fosse para crianças, fiquei desolada! Porque ao lado
do escritor caminha sempre esta sombra do fracasso, da dúvida, da possibilidade
concreta de morrer na pobreza… (risos) Não se ria, é verdade…
É
um riso incongruente, por entender que é uma possibilidade bem real…
É o nosso medo mais atávico. Temos
muitos exemplos ao longo da história. Herman Melville morreu sem ser
reconhecido, e, noutro extremo, Truman Capote foi esmagado pelo sucesso de A Sangue Frio. Escrever exige-nos uma
grande exposição, um abrir de entranhas, um caminhar numa linha muito ténue
entre o poder e a extrema vulnerabilidade. O poder de tocar os outros e a
vulnerabilidade de nos derrotarmos. Esta profissão é de uma tremenda
imprevisibilidade. E precisamos de lidar com isso todos os dias.
(Excerto da entrevista à revista Focus Social, conduzida por Marta Vaz. Fotografia de Egídio Santos, na praia de Matosinhos. Pode ser lida na íntegra aqui.)
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