domingo, 14 de junho de 2009

UM CONTO MUITO INADEQUADO



El Contador de Cuentos, de Saki, pseudónimo do escritor de origem anglo-birmanesa Hector Hugh Munro (1870-1916), tem pouquíssimas hipóteses de alguma vez ser conhecido em português (nem sequer o encontro na Amazon). Publicado pela editora venezuelana Ekaré, foi o livro vencedor na categoria New Horizons – distinção reservada a obras de qualidade vindas dos países árabes, América Latina, Ásia e África – da última Feira do Livro Infantil de Bolonha. Não era suposto estar à venda ao público no stand da feira, mas cada um faz pela vida; e se as grandes editoras europeias ou norte-americanas se podem dar ao luxo de recusar compradores ocasionais, outras não farão o mesmo. Por mim, encantada.

Com ilustrações de Alba Marina Rivera, El Contador de Cuentos narra um episódio passado durante uma viagem de comboio, sendo desde logo admirável o book jacket que envolve o livro, reproduzindo a carruagem. A história começa a ser contada desde aí. Se na capa interior é a imagem do contador de contos que surge destacada – é a única figura colorida –, no book jacket vê-se uma família bem composta mas em estranho sobressalto. A tia, de feições duras e obviamente zangada, repreende as crianças, que por sua vez parecem alheadas da influência que esta lhes pretende impor. Dir-se-ia que estão no mundo delas, um reflexo salutar, como se percebe no fim…

Será assim tão difícil “contar contos que as crianças possam entender e apreciar ao mesmo tempo”, como pretende a tia? O homem que viaja sozinho e partilha a mesma cabine de comboio não está de acordo. Perante a inabilidade da senhora em acalmar as crianças, decide contar ele mesmo uma história cuja protagonista é uma menina “horrivelmente boa”, expressão que cativa de imediato a atenção dos miúdos. Era uma menina tão boazinha, mas tão boazinha, que as medalhas de boa conduta, obediência e pontualidade que sempre trazia pregadas ao vestido – e que chocalhavam tanto, as horríveis medalhas – acabaram por denunciá-la quando tentava escapar de um lobo, escondida num arbusto, tremendo de medo. Não se aguentava o ruído de tanta bondade junta, estão a ver... O seu último pensamento foi: “Se não tivesse sido tão extraordinariamente boa, a esta hora estaria a salvo.” Depois veio o lobo e comeu-a. Eis o que disse a tia, no fim da história:

– “É um conto do mais inadequado que há para crianças pequenas. Acaba de deitar a perder o trabalho de anos de esmerada educação.”
– “Em qualquer caso – disse o homem, enquanto recolhia a bagagem e se dispunha a abandonar o vagão – mantive-os calados durante dez minutos, o que é mais do que a senhora conseguiu.”
– “Pobre mulher! – disse para si próprio enquanto chegava à plataforma da estação de Templecombe –; durante os próximos seis meses, mais ou menos, as crianças não deixarão de a perseguir diante de toda a gente, pedindo-lhe um conto inadequado.”

1 comentário:

Anónimo disse...

Li "The Storyteller" no 1º ano da Faculdade e nunca mais esqueci esse conto do excelente Saki!
Fiquei com muita vontade de conhecer essas ilustrações!
Até amanhã,
Paula