segunda-feira, 31 de maio de 2010
ESCREVER À VISTA, DESENHAR SOBRE LETRAS, 1
Carla Maia de Almeida (CMA): É difícil trabalhar com escritores?
Danuta Wojciechowska (DW): Não posso generalizar. É uma experiência que muda de livro para livro, até com o mesmo escritor. Uma pessoa cria expectativas e depois acontece uma coisa diferente. Mas isso é o mais fascinante, quando se faz um livro a meias.
CMA: E exigente. Não sei é possível fazer um bom picture book se a relação entre escritor e ilustrador não for minimamente… fluente. Não digo que precisem de ser amigos, mas será possível fazer um bom livro se houver um mau relacionamento?
DW: Talvez só com um escritor morto…
CMA: Sim, pelo menos esses não levantam cabelo.
DW: Mas olha, eu já ilustrei contos do Hans Christian Andersen e foi como se ele voltasse a viver. Quando estava a trabalhar sobre o texto, era como se ele ganhasse vida própria. Isto pode parecer uma coisa um bocado maluca.
CMA: Nem por isso. E alguma vez recusaste ilustrar um livro?
DW: Já. (...)
("Escrever à vista, desenhar sobre letras". Na próxima quarta-feira sairá no Blogtailors a segunda parte desta conversa/crónica. Ler aqui o início.)
sexta-feira, 28 de maio de 2010
THE KILLING MOON REVISITED
Filme animado com versão atmosférica de uma grande canção dos Echo & The Bunnymen: "The Killing Moon", pelos Nouvelle Vague. Terno, enigmático e poético. Ou apenas muito bonito.
quinta-feira, 27 de maio de 2010
A LITERATURA INFANTIL DEVE SER SUBSIDIADA?, 2
Suponho que Miguel Sousa Tavares (MST) estivesse a falar em sentido figurado quando afirmou, na entrevista de ontem ao Diário de Notícias, que “a literatura infantil é que deve ser subsidiada”. Seria um mau princípio (e um mau exemplo) se os escritores de livros para crianças recebessem algum incentivo – oficial e directo – de tipo monetário para produzir obra literária, não se prevendo que tal caucionasse a qualidade dos resultados. O pagamento atempado dos direitos de autor, a dotação de meios financeiros para a aquisição de livros em escolas e bibliotecas, e um empenho sério na sua promoção por parte das editoras já fariam maravilhas. Julgo que a ideia de “subsidiar” passa por aqui.
É claro que MST tem razão quando diz que “nunca foi tão importante haver boa literatura infantil”, que “com boa literatura infantil, defende-se o livro” e que “a crítica literária liga muito pouco à literatura infantil”. Sendo MST um opinion maker, é bom que estas palavras encontrem eco, porque têm valor. Cabe perguntar, já agora, quem é que liga à pouca crítica literária existente. Apesar de um vasto e potencial público composto por pais, educadores, professores, bibliotecários, livreiros, editores, ilustradores, designers gráficos, promotores da leitura e outros, incluindo os próprios escritores, a experiência diz-me que são poucos os que fazem um esforço para sair do seu ramerrame e adquirir informação nessa matéria. Revistas como a Ler, Os Meus Livros e Malasartes, suportes em que o livro infanto-juvenil tem, neste momento, a visibilidade que merece (e desculpem-me o elogio em boca própria), ainda são lidas por uma ínfima minoria, passe o pleonasmo.
Não subscrevo essa ideia de literatura infantil em estreita comunhão com a sua função social, pelos motivos que MST acaba por deixar claros: “Ao escrever este [Ismael e Chopin] tive isso em consideração [a teatralização nas escolas], acrescentando personagens que não fariam falta mas permitem teatralizações.” Se não fazem falta, por que razão estão lá? Os condicionalismos e ambiguidades fazem parte deste campo específico (e ainda muito menorizado) do sistema literário, mas quando um escritor tem deles consciência e permite que ganhem terreno ao que é pertença da literatura, estranha-se.
Mais estranha é a ideia de que escrever para crianças funcione, para MST, como uma “reciclagem”, uma espécie de duche Vichy exfoliante capaz de limpar as células mortas da pele do escritor calejado pela dureza do romance, proporcionando-lhe o encontro com “uma certa humildade inicial da escrita”. Em nome deste equívoco publicam-se coisas absolutamente sofríveis, apenas justificadas pelo nome do “escritor sério” que decidiu ter a sua aventura no campo-de-morangos-para-sempre da literatura infantil. Não é o caso de MST, de quem conheço apenas o primeiro livro para crianças, O Segredo do Rio. O correio trouxe-me hoje o recém-publicado Ismael e Chopin (Oficina do Livro). Estou curiosa.
quarta-feira, 26 de maio de 2010
A LITERATURA INFANTIL DEVE SER SUBSIDIADA?, 1
É o que sugere Miguel Sousa Tavares, numa entrevista ao Diário de Notícias que pode ser lida aqui. Neste momento não há tempo para comentar.
DAVID MACHADO LÊ O TUBARÃO
David Machado lê em voz alta a história d'O Tubarão na Banheira, com os peixes do Oceanário de Lisboa ao fundo. Em cima, o video da primeira parte. A segunda pode ser vista e ouvida no blog do livro. Aqui.
terça-feira, 25 de maio de 2010
DA BONDADE DOS AVÓS
A livraria de um centro comercial, ontem à tarde. A miúda terá entre três e quatro anos e corre pelo meio dos livros como um diabrete, vigiada de perto pelo avô, um senhor bem posto e de modos suaves. “Olha este, avô! Tão giro!”. Pega nos livros, folheia-os, carrega nos botões que emitem sons, abre pop-ups, demora-se nos mais coloridos e sofisticados. Revela bom gosto. O avô, conformado com a ideia de que lá terá de abrir os cordões à bolsa, vai atrasando o momento como pode: “Esse não, é mais para o teu irmão.” “Esse é muito caro.” “Esse não é para a tua idade.” “Esse não, que tem muitas letras.” A avó, entretanto chegada, dá uma ajuda: “E tu ainda não sabes ler, pois não?”. A cada "não" escutado dos beneméritos avós, a miúda vai esmorecendo no seu entusiasmo e curiosidade. Até que o avô descobre, exultante, a resolução do problema: “Pronto! Já sei o que é que vamos levar! E logo dois de uma vez, já viste?” “Que luxo!”, rejubila a avó. A criança agarra nos livros sem sequer olhar para eles e, como um animalzinho domesticado, agradece a generosidade alheia com voz sumida: “Obrigada…”
Para não levantar mais suspeitas da avó, que já me olha de lado e estranha a observação descarada, espero que deixem a livraria e só depois vou ao escaparate onde o avô teve a sua epifania. Unidos por um elástico, descubro um molho de livros de capa de papel e pequeno formato, de uma editora que nunca ouvi falar. Lá estão A História da Carochinha, O Gato das Botas, O Capuchinho Vermelho e outros contos tradicionais, com uma chamada na capa a prometer um “vocabulário adaptado a crianças a partir dos quatro anos”. O texto é indigente, as ilustrações uma desgraça, a edição paupérrima. Dá para perceber por que é que o avô não hesitou em levar “logo dois de uma vez”. Custam 1.95 € cada. Um luxo, de facto.
CURSO INTENSIVO DE JARDINAGEM
Mais cedo do que o jardim mencionado no post anterior, aguarda-se o primeiro livro de poemas de Margarida Ferra, com uma belíssima capa ilustrada por Luís Henriques, habitué dos livros de Rita Taborda Duarte e não só. O título é um achado. Via Bibliotecário de Babel.
UM JARDIM ILUSTRADO
Ainda falta muito tempo, mas não resistimos a divulgar já dois dos trabalhos que Leonor Feijó vai mostrar na Quasiloja Galeria (Rua Ribeiro Sousa, 225-229). A exposição tem por título “Memories” e decorre entre 26 de Junho e 14 de Julho. Leonor Feijó é licenciada em fotografia pela London College of Communication e também se dedica à ilustração. Com um toque very british, indeed.
segunda-feira, 24 de maio de 2010
A ARTE DE MORRER LONGE
"A cada dia que passava, as coisas tendiam a agravar-se e o próprio esforço de memória, revolvendo e trazendo ao de cima escórias e impurezas, algumas há muito soterradas e, até, anteriores ao casamento, era um factor de desconforto e afastamento. Como em tudo na vida, a recordação dos bons momentos era abafada pela dos maus, porque o escuro é mais forte do que a claridade, e a treva é o estado natural de repouso que não exige esforço nem energia."
sábado, 22 de maio de 2010
JORNADAS DE TRADUÇÃO LIJ, 1
A fechar o primeiro dia das Jornadas Internacionais de Tradução de Literatura Infanto-Juvenil, a professora Maria da Graça Bigote Chorão (Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto, Universidade de Vigo) apresentou os resultados preliminares da tese de doutoramento em que investiga o impacto da dobragem no público infanto-juvenil. Os gráficos de barras em que sintetizou a evolução da programação televisiva destinada às crianças - nas últimas décadas e nos quatro canais principais - permitem concluir que a exibição de desenhos animados e séries de televisão nas suas versões originais são hoje uma verdadeira raridade (e não vamos aqui incluir "Os Simpsons"), como acontece há mais tempo em países como Espanha, França, Itália ou Brasil. Confesso que não me tinha dado conta deste primado do português falado às horas preferidas da miudagem, por razões que facilmente depreenderão. Sim, continuo a lembrar-me do Sandokan em italiano e do Michel Strogoff em francês – e gosto disso. Não sei bem se as gerações habituadas à dobragem vão continuar a ter aquela "facilidade" em falar e aprender línguas estrangeiras de que às vezes gostamos de nos gabar. Vamos esperar para ver. O estudo e a realidade.
(Em cima, com música de Bach, o genérico da série “Era Uma Vez… o Homem” e um excerto do primeiro episódio, tal como passou por cá no final dos anos 1970 – em francês. Também já escrevi um post sobre este tema.)
quinta-feira, 20 de maio de 2010
CITY-BREAKS: COIMBRA
Durante os próximos dias vamos estar em Coimbra, para assistir às primeiras Jornadas Internacionais de Tradução de Literatura Infanto-Juvenil. Assunto sério e que faz falta debater. Já as Clarissinhas, uma reinvenção conventual do chef Albano Lourenço, conspirador-mor do restaurante da Quinta das Lágrimas, são outro assunto ainda mais sério. Também podem dizer que só está aí essa fotografia porque é difícil ilustrar uma coisa que ainda não aconteceu e porque já gastámos a imagem do cartaz no post anterior.
UM NOVO BLOGUE
De uma senhora editora. A partir de hoje, Maria do Rosário Pedreira faz aqui Horas Extraordinárias. O Jardim Assombrado ficou contente por fazer parte da lista de Amigos do Livro. E oferece um ramo de flores que durem muito, muito tempo.
COMENTÁRIOS IDIOTAS NÃO SERÃO PUBLICADOS
Este jardim quer ser um local sossegado. Onde livros, bichos e pessoas (não necessariamente por esta ordem) se sintam em paz. Este jardim não tem pachorra para gente que não sabe ler, que não tem sentido de humor e que confunde a opinião com o insulto. Posto isto, tenho a dizer que comentadores malcriados e anónimos farão melhor em mudar de paragens ou em criar o seu próprio blogue. Daqui não levam nada. E se chatearem muito lanço-lhes o crocodilo.
quarta-feira, 19 de maio de 2010
CÃO SEM-ABRIGO
Um cão vadio partilha os caixotes do lixo e vãos de escada com os sem-abrigo que percorrem as ruas de uma grande cidade. Estranhamente, ou não, acaba por ter mais sorte do que estes. Um belo picture book cheio de emoções contraditórias, assinado por Stephen Michael King, escritor e ilustrador australiano que se apresenta aqui (o cão também). Já saiu em Fevereiro, mas só agora o lemos. Na colecção Borboletras, da Caminho.
FESTA DO LIVRO DA AMBAR
Alice no País das Maravilhas – primorosamente ilustrada por Lisbeth Zwerger – é um dos títulos com 40 por cento de desconto na Festa do Livro da Ambar, à disposição dos interessados na loja do Porto ou no site www.ambar.pt. Livros entre 20 a 50 por cento mais baratos, para combater a crise (medida não incluída no PEC).
terça-feira, 18 de maio de 2010
LIVROS DE ARTE PARA PEQUENOS ARTISTAS
A História da Pintura
Abigail Wheatley
Ilustrações de Uwe Mayer e Ian McNee
Tradução de Pedro Garcia Rosado
Texto
Uma colecção de médio formato e capa flexível que alia a estimulante concepção gráfica de Zöe Wray a conteúdos irresistíveis para leitores enciclopedistas. O primeiro título, A História da Pintura, segue o percurso dos bisontes rupestres de Lascaux até à arte moderna de Jackson Pollock ou Andy Warhol; e só é pena não haver exemplos mais recentes. A evolução da pintura explica-se a partir do seu contexto social, com pormenores curiosos (como as cenas de mau génio de Caravaggio), uma extensa cronologia, glossário e índice remissivo. A seguir, A História das Invenções.
Arte Para Crianças
Tradução de Bárbara Maia
Civilização
A complexidade de alguns livros informativos torna impossível a identificação de um só autor. É o caso deste álbum de grande formato, editado originalmente pela prestigiada Dorling Kindersley. Dotado de uma extensa ficha técnica e um título algo enganador (“para crianças”, sim, ma non troppo), opta por uma paginação que muda consoante se trata de perfis de artistas, explicação de técnicas, evolução de estilos ou galerias virtuais temáticas. Pode parecer confuso, no início, mas vale a pena. A fechar, o controverso Damien Hirst e a sua caveira cravejada de brilhantes. Esperemos que não choque alguns pais ou educadores “mais sensíveis”.
(Textos publicados na LER nº 91)
Abigail Wheatley
Ilustrações de Uwe Mayer e Ian McNee
Tradução de Pedro Garcia Rosado
Texto
Uma colecção de médio formato e capa flexível que alia a estimulante concepção gráfica de Zöe Wray a conteúdos irresistíveis para leitores enciclopedistas. O primeiro título, A História da Pintura, segue o percurso dos bisontes rupestres de Lascaux até à arte moderna de Jackson Pollock ou Andy Warhol; e só é pena não haver exemplos mais recentes. A evolução da pintura explica-se a partir do seu contexto social, com pormenores curiosos (como as cenas de mau génio de Caravaggio), uma extensa cronologia, glossário e índice remissivo. A seguir, A História das Invenções.
Arte Para Crianças
Tradução de Bárbara Maia
Civilização
A complexidade de alguns livros informativos torna impossível a identificação de um só autor. É o caso deste álbum de grande formato, editado originalmente pela prestigiada Dorling Kindersley. Dotado de uma extensa ficha técnica e um título algo enganador (“para crianças”, sim, ma non troppo), opta por uma paginação que muda consoante se trata de perfis de artistas, explicação de técnicas, evolução de estilos ou galerias virtuais temáticas. Pode parecer confuso, no início, mas vale a pena. A fechar, o controverso Damien Hirst e a sua caveira cravejada de brilhantes. Esperemos que não choque alguns pais ou educadores “mais sensíveis”.
(Textos publicados na LER nº 91)
segunda-feira, 17 de maio de 2010
TRADUZIR LIVROS PARA CRIANÇAS
Quase, quase a caminho de Coimbra. Espera-se que o vulcão islandês não perturbe a ordem de trabalhos das primeiras Jornadas Internacionais de Tradução de Literatura Infanto-Juvenil, a decorrer na Faculdade de Letras da Universidade esta quinta e sexta-feira (garantiram-nos que, havendo lugares, se aceitam inscrições de última hora).
Aguarda-se a chegada de Riitta Oittinem (Finlândia) para a conferência de abertura, marcada para as 10h15 de dia 21. Tema: “Revoicing Picturebooks: Translating the Verbal, the Visual and the Aural”. A partir daí, a escolha pode tornar-se mais difícil, uma vez que se preparam sessões paralelas em três salas (felizmente, todas no mesmo piso). Falar-se-á de temas tão particulares como “a tradução dos nomes próprios nas edições portuguesas de Astérix” (Raquel Mouta) ou “a tradução das intertextualidades bíblicas em O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa, de C.S. Lewis (Elaine Sant’Anna). Na quinta à tarde haverá um painel dedicado à tradução audiovisual e, na sexta de manhã, à tradução para crianças com necessidades especiais. À tarde, também na sexta, duas mesas-redondas convocarão tradutores (Margarida Vale de Gato e Elisabete Ramos estarão lá) e editores (Kalandraka, Bruaá e Cuckoo também são presenças confirmadas), mas a esta hora já teremos de estar de regresso à Estação do Oriente. Snif.
O programa completo pode ser consultado aqui (se tiver dificuldade em chegar ao link, faça “guardar” e abra com o programa Adobe).
Aguarda-se a chegada de Riitta Oittinem (Finlândia) para a conferência de abertura, marcada para as 10h15 de dia 21. Tema: “Revoicing Picturebooks: Translating the Verbal, the Visual and the Aural”. A partir daí, a escolha pode tornar-se mais difícil, uma vez que se preparam sessões paralelas em três salas (felizmente, todas no mesmo piso). Falar-se-á de temas tão particulares como “a tradução dos nomes próprios nas edições portuguesas de Astérix” (Raquel Mouta) ou “a tradução das intertextualidades bíblicas em O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa, de C.S. Lewis (Elaine Sant’Anna). Na quinta à tarde haverá um painel dedicado à tradução audiovisual e, na sexta de manhã, à tradução para crianças com necessidades especiais. À tarde, também na sexta, duas mesas-redondas convocarão tradutores (Margarida Vale de Gato e Elisabete Ramos estarão lá) e editores (Kalandraka, Bruaá e Cuckoo também são presenças confirmadas), mas a esta hora já teremos de estar de regresso à Estação do Oriente. Snif.
O programa completo pode ser consultado aqui (se tiver dificuldade em chegar ao link, faça “guardar” e abra com o programa Adobe).
II SALÃO INFANTO-JUVENIL DE V.N. DE GAIA
Começa hoje e prolonga-se até dia 5 de Junho, com um programa cheio de actividades de promoção da leitura e da literatura que pode ser consultado na íntegra aqui. Em vésperas do encerramento, atenção à apresentação pública do Prémio Maria Alberta Menéres – Conto Ilustrado. Para começar, hoje mesmo, às 18h00, inaugura-se a exposição de homenagem ao pintor, ilustrador e designer António Modesto (autor do desenho acima reproduzido), seguida de conversa moderada por José António Gomes. No Auditório da Biblioteca Municipal de Vila Nova de Gaia, às 18h30.
sábado, 15 de maio de 2010
O PAÍS DOS TERMINATORS
Felizmente, não faço parte das gerações que cresceram a ouvir mentiras sobre a grandeza de Portugal, as suas glórias passadas e os seus heróis tão convenientes. Tive um derriço por Portugal quando tinha 20 anos e lia as crónicas do MEC no Expresso, mas a verdade é que nem o saudosismo de Teixeira de Pascoaes nem o pitoresco da manteiga Primor chegam para fazer esquecer o resto. E o resto é isto: um país pobre e claustrofóbico, amesquinhado pela eterna pequenez dos seus políticos e ensandecido por rasgos pontuais de histerismo mediático à volta do futebol, do clima ou do escândalo. Não é só isto, mas é cada vez mais disto.
E nesta estreiteza que começa na geografia e se estende por todos os planos da vida nacional, acentuando-se no plano inclinado, é sempre doloroso quando desaparece mais um “dos bons”. A morte de Saldanha Sanches alimenta o sentimento de orfandade cívica e moral de quem não vive protegido por berços ou conluios; ou seja, quase todos nós, os sobreviventes.
Se a morte é absoluta, dói ainda mais quando a perda parece insubstituível. Por cada Mário Viegas e cada Agostinho da Silva que desaparece, multiplicam-se os lugares vazios, as sombras e as subserviências. Raro, cada vez mais raro encontrar o “riso admirável de quem sabe e gosta/ ter lavados e muitos dentes brancos à mostra”, como nos versos de Cesariny. Também eu estou cansada de ver “os melhores espíritos da minha geração” destruídos pelo desgosto quotidiano que é viver neste país; gente para quem emigrar, hoje, é uma decisão tão saudável como combater o mau colesterol. Quem fica, seja por que razão seja, sabe que tem de ser feito de uma liga especial para resistir à corrosão e ao desgaste permanentes. Uma têmpera de aço, ferro, carbono, fósforo, titânio, tungsténio e o diabo a sete, como o raio do Terminator.
Acontece que a maior parte das pessoas não quer ser o Terminator, com todo o direito que lhes assiste. Não quer ser herói nem vilão, porque cada uma dessas escolhas dá trabalho. Só quer ter um emprego, uma casa, uma família, um ordenado decente ao fim do mês, escola e hospital, e caracóis com cerveja ao fim-de-semana. Ao que parece, é pedir muito. Dêem-lhes mais tungsténio.
E nesta estreiteza que começa na geografia e se estende por todos os planos da vida nacional, acentuando-se no plano inclinado, é sempre doloroso quando desaparece mais um “dos bons”. A morte de Saldanha Sanches alimenta o sentimento de orfandade cívica e moral de quem não vive protegido por berços ou conluios; ou seja, quase todos nós, os sobreviventes.
Se a morte é absoluta, dói ainda mais quando a perda parece insubstituível. Por cada Mário Viegas e cada Agostinho da Silva que desaparece, multiplicam-se os lugares vazios, as sombras e as subserviências. Raro, cada vez mais raro encontrar o “riso admirável de quem sabe e gosta/ ter lavados e muitos dentes brancos à mostra”, como nos versos de Cesariny. Também eu estou cansada de ver “os melhores espíritos da minha geração” destruídos pelo desgosto quotidiano que é viver neste país; gente para quem emigrar, hoje, é uma decisão tão saudável como combater o mau colesterol. Quem fica, seja por que razão seja, sabe que tem de ser feito de uma liga especial para resistir à corrosão e ao desgaste permanentes. Uma têmpera de aço, ferro, carbono, fósforo, titânio, tungsténio e o diabo a sete, como o raio do Terminator.
Acontece que a maior parte das pessoas não quer ser o Terminator, com todo o direito que lhes assiste. Não quer ser herói nem vilão, porque cada uma dessas escolhas dá trabalho. Só quer ter um emprego, uma casa, uma família, um ordenado decente ao fim do mês, escola e hospital, e caracóis com cerveja ao fim-de-semana. Ao que parece, é pedir muito. Dêem-lhes mais tungsténio.
sexta-feira, 14 de maio de 2010
A MONTANHA NÓMADA
Duna
Por andar sempre aos búzios na praia, foi-se formando uma montanha de areia no meu quarto. Trazia-a nos sapatos, pouco a pouco, sem dar conta.
– Chamo-me Duna – parecia dizer.
– As dunas são montanhas nómadas – disse-me a minha irmã.
– Eu tenho uma – respondi-lhe.
– Ah, sim? Onde?
– Vem comigo.
– Quando chegámos, o meu quarto estava cheio de búzios e vazio de montanhas.
– O que é que quer dizer nómada? – perguntei-lhe.
Desde então, ronda por minha casa uma montanha nómada, a Duna.
Como vive por aqui desde pequena, não foge, mesmo tendo sempre a porta aberta.
(Diógenes, uma edição Kalandraka com texto de Pablo Albo e ilustrações de Pablo Auladell, Prémio Lazarillo de Criação Literária 2008)
HOJE HÁ FESTA NO TEATRO DO BOLHÃO
Cristina Taquelim, Luís Carmelo, Thomas Bakk, Carlos Marques e Inácio Villariño são alguns dos contadores de histórias presentes no Contemfesta 2010, que hoje e amanhã vai animar o Teatro do Bolhão, no Porto. Sessões de contos, instalações vídeo, exposições, teatro, música e feira de livros de cordel fazem parte do programa (ver aqui). O Contemfesta 2010 é uma parceria do projecto Memoriamedia com a Academia Contemporânea do Espectáculo/Teatro do Bolhão e o Instituto de Estudos de Literatura Tradicional da Universidade Nova de Lisboa.
LITERATURAS INFANTIS IBÉRICAS
A Universidade de Santiago de Compostela vai ministrar mais uma edição do Curso de Formación Contínua: As Literaturas Infantís e Xuvenís Ibéricas, que este ano trata o tema das “reescrituras actuais do conto popular”. Dirigido por Blanca-Ana Roig Rechou, com uma parte presencial (Setembro) e outra à distância (Junho), o curso destina-se a professores, estudantes, bibliotecários e outros interessados nesta área. Mais informações aqui.
quinta-feira, 13 de maio de 2010
SINAIS DOS TEMPOS, 1
É certo e sabido que os livros para crianças reflectem os valores, as expectativas e as angústias sociais do seu tempo. Três títulos de não-ficção acabados de chegar às livrarias são disso sintomáticos: Dormir é Bom, Dormir Faz Bem à Saúde, de Teresa Paiva/Helena Rebelo Pinto e Danuta Wojciechowska (ilustrações), uma história em verso sobre os problemas de sono da Família Pardal; Os 7 Hábitos das Crianças Felizes, de Sean Covey, filho de Stephen R. Covey, autor do best-seller Os 7 Hábitos das Pessoas Altamente Eficazes; e ainda Faz Crescer o Teu Dinheiro, de Gerry Bailey e Felicia Law, uma introdução à história do dinheiro e dos bancos, que explica o que é o Psi-20 e termina com publicidade à entidade bancária que patrocinou a edição. Assim vai o mundo em 2010.
quarta-feira, 12 de maio de 2010
SEMPRE QUIS FAZER ESTA PERGUNTA
Alice: O seu nome parece tirado de uma fábula. O que é preciso para ter o apelido Gato?
Margarida Vale de Gato: É preciso ser trineta de um alentejano que só tinha primeiro nome e recebeu o apelido da terra que trabalhava. É uma história com raízes de que gosto.
(A entrevista completa à tradutora Margarida Vale de Gato pode ser lida na nova revista on-line editada por Maria João Freitas, também conhecida como A Namorada de Wittgenstein. Renasce com a herança da sua anterior versão em papel e espera-se que tenha uma vida longa. Há muita coisa boa para ler e olhar. Bem-vindos ao Clubalice.
IRMÃO LÚCIA MUDA DE RETIRO
Quiçá influenciado pela deslocação papal, o Irmão Lúcia convida todos os fiéis a visitar o seu novo santuário, agora aqui.
HANS CHRISTIAN ANDERSEN EM EXPOSIÇÃO
Continua até dia 2 de Junho na Biblioteca Municipal de Campo Maior. Uma visão intrgrada e multidisciplinar do universo de Andersen, com passagem pelas artes visuais, literatura, cerâmica, joalharia, teatro e dança. Também aos sábados de manhã. Mais informações aqui.
terça-feira, 11 de maio de 2010
MUSEUS E CEMITÉRIOS
Não fomos ao MOMA ver a exposição retrospectiva de Tim Burton, mas (fraco consolo) encontrámos o catálogo, provavelmente na sua versão mais reduzida, à venda na Fnac. Reproduções de trabalhos inéditos, alguns textos, uma cronologia essencial e, a abrir, um “artist’s statement” em que Tim Burton explica por que razão os museus têm tudo a ver com cemitérios. O que não é necessariamente mau:
“Growing up in Burbank, there wasn’t much of a museum culture. I never visited one until I was a teenager (unless you count the Hollywood Wax Museum). I occupied my time going to see monster movies, watching television, drawing, and playing in the local cemetery. Later, when I did start frequenting museums, I was struck by how similar the vibe was to the cemetery. Not in a morbid way, but both have a quiet, introspective, yet electrifying atmosphere. Excitement, mystery, discovery, life, and death all in one place.”
domingo, 9 de maio de 2010
WISH I WAS THERE
A partir de amanhã e até 19 de Maio, a Nova Zelândia está em festa com a 14ª edição do New Zealand Post Children's Book Festival, que atribui "os prémios literários mais prestigiados do país". Não somos nós que o dizemos.
sexta-feira, 7 de maio de 2010
UM TUBARÃO NA FEIRA DO LIVRO
Este domingo e nos dias seguintes há teatro de marionetas à volta do último livro de David Machado, Um Tubarão na Banheira (ilustrações de Paulo Galindro). Datas e horários aqui.
quinta-feira, 6 de maio de 2010
LIVRO DOS MEDOS
quarta-feira, 5 de maio de 2010
CINDERELAS LITERÁRIAS
Porque é que há tanta gente a querer escrever livros para crianças e adolescentes? Uma das razões tem a ver com a “síndrome de Cinderela”. From rags to riches é um dos enredos mais velhos da Humanidade. Agora foi uma australiana, mãe de quatro filhos, que salvou a família da bancarrota ao escrever um romance juvenil que já foi descrito como “Stephenie Meyer sem vampiros”. O Wall Street Journal pergunta se Rebecca James será a nova J.K. Rowling (surge uma nova J.K. Rowling a cada três meses, como é sabido). O livro chama-se Beautiful Malice e vai ser publicado este mês na Austrália, depois de ter sido bastas vezes rejeitado por agentes literários. Entretanto, foi vendido para 20 países e traduzido para 13 línguas, pelo menos. Uma delas será o português?
Notícia completa sobre a "million-dollar mum" no The Sidney Morning Herald.
terça-feira, 4 de maio de 2010
O DIREITO DE NÃO LER
O que faz um leitor são também as suas circunstâncias. Há uma diferença intransponível entre ler de livre vontade e ler por imposição alheia. Este domingo, ao falar dos livros que marcaram a minha infância, citei o Romance da Raposa, de Aquilino Ribeiro, como o único livro que me obrigaram a ler, estragando o ritual das idas pontuais à Livraria Victor, em Braga, no final dos anos 1970. A dado ponto, vendo-me entretida com a leitura dos imprescindíveis “patinhos”, o meu pai fartou-se das delongas à volta de mestre Aquilino e preveniu-me: “Olha que eu não te compro mais livros até leres o Romance da Raposa.” Foi a via imediata para a embirração com a Salta-Pocinhas, o pai raposo, a mãe raposa e restante bicharada. De orelha murcha, abati-me sobre as páginas, cumprindo o mais depressa possível a minha via sacra e saltando tudo o que não percebia, incluindo “os arganazes roazes” e “a papalva que se esconde com a alva”. Bem gostaria de me ter revoltado e proclamado os direitos do leitor, de Daniel Pennac, mas na altura não havia cá essas modernices.
Curiosamente, o Romance da Raposa foi o livro mais marcante, de forma oposta à minha, da escritora e jornalista Alice Vieira, que também contou a sua experiência no debate. Não deixa de ser mais uma coisa que temos em comum.
A LITERATURA INFANTIL NUA, OCIOSA E VOADORA
“Não os deixeis ler, em vez dos clássicos, as desgraças disseminadas por todo o lado, num tempo em que a própria literatura infantil, que outrora apelava à responsabilidade e ao bom sentimento, está agora repleta de criaturas ociosas, mulheres quase nuas, homens que voam e de todo um cortejo patético de inverosimilhanças.”
Não, não é um excerto do Thesouro das Meninas, Diálogo entre uma Sábia Aia e as suas Discípulas de 1ª Distinção, publicado em 1760 por Mme. Leprince de Beaumont. Este livro existe no ano da graça de 2010, com a chancela de uma editora conhecida. Não, não estão a gozar. Mais pérolas do género no blogue da Pó dos Livros.
Não, não é um excerto do Thesouro das Meninas, Diálogo entre uma Sábia Aia e as suas Discípulas de 1ª Distinção, publicado em 1760 por Mme. Leprince de Beaumont. Este livro existe no ano da graça de 2010, com a chancela de uma editora conhecida. Não, não estão a gozar. Mais pérolas do género no blogue da Pó dos Livros.
segunda-feira, 3 de maio de 2010
PRÉMIO NACIONAL DE ILUSTRAÇÃO
Tal como aconteceu à Planeta Tangerina, a mudança de casa também tem afectado O Jardim Assombrado. Embora com muito atraso (escandaloso, mesmo), damos os parabéns a Bernardo Carvalho, vencedor do Prémio Nacional de Ilustração 2009 com o livro Depressa, Devagar; sem esquecer as menções especiais atribuídas a Madalena Matoso (Andar por Aí) e a Marta Madureira (O Livro dos Medos). Este ano, o júri seleccionou ainda mais 12 obras "pela criatividade e originalidade das ilustrações", entre as 117 a concurso. E também está lá o nosso Ainda Falta Muito?, com as ilustrações do Alex Gozblau. A notícia e a lista completa podem ser lidas no site da DGLB, aqui.
domingo, 2 de maio de 2010
PRÉMIO LITERÁRIO MARIA ROSA COLAÇO 2010
Já falámos aqui (e também aqui) do Prémio Literário Maria Rosa Colaço, instituído em 2006 pela Câmara Municipal de Almada e destinado a galardoar dois textos inéditos em língua portuguesa na área infanto-juvenil. O concurso de 2010 está aberto até 31 de Maio, recebendo originais de autores portugueses (sob pseudónimo) em duas áreas: literatura para crianças (mínimo de 10 páginas) e literatura juvenil (mínimo de 20 páginas). Cada vencedor receberá cinco mil euros e terá garantida a edição posterior. O júri é constituído por um representante a indicar para Associação Portuguesa de Escritores, outro pela secção portuguesa do IBBY (International Board on Books for Young People) e ainda por um elemento da Câmara Municipal de Almada. O regulamento pode ser consultado aqui.
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