domingo, 31 de julho de 2011
EM POUSIO
O Jardim Assombrado vai recolher-se por uns dias. Ou umas semanas. (Ilustração de Joana Rêgo para a Kalandraka.)
terça-feira, 26 de julho de 2011
O CÉREBRO E A FLOR SELVAGEM
Calpurnia Tate é uma menina de onze anos, nascida no Texas e filha de boas famílias, a quem a tradição e a moral do século XIX predestinam o recato da vida doméstica, sem outros entretenimentos que não a gestão da copa e da cozinha – e a procura de um bom partido para casar. O tédio feito existência, dito de outra maneira. Porque Calpurnia Tate é também uma menina curiosa e inteligente, fascinada pelas descobertas científicas do século de Darwin, cuja natureza instintiva quer mais do que crescer entre barrelas de roupa e tartes de nozes pecã, por muito doces que estas sejam. Um avô naturalista, homem de poucas falas e nenhuma inclinação por crianças, vai ajudá-la a entender o vasto mundo que cabe entre o céu estrelado e um olhar microscópico, o mundo a que Calpurnia Tate escolheu pertencer. Não é líquido que o consiga, mas, chegados à última página, outra coisa não podemos desejar.
A Evolução de Calpurnia Tate é um belíssimo primeiro livro de Jaqueline Kelly, autora neozelandesa que se estreou a ganhar o Prémio Newbery, em edição da Contraponto. Para todas as idades.
domingo, 24 de julho de 2011
A TABUADA PORTUGAL
Longe de ser tão popular como a tabuada Ratinho, a tabuada Portugal não traz data nem chancela do editor, mas apresenta inequívocos sinais de antiguidade. Não é só pela esfera armilar da capa e pelo menino de cabelo aparado à escovinha; nem pelos conteúdos (como hoje se diz) que nos falam da velha moeda portuguesa e das medidas de lenha… São já as noções básicas de aritmética que temos dificuldade em compreender. Por exemplo, frases como esta: «São quatro as operações de que nos servimos para resolvermos os problemas que se nos deparam: adição, subtracção, multiplicação e divisão.» Ora, se as coisas fossem assim tão simples, os nossos problemas estariam resolvidos. Mas a tabuada é um sistema de valores do tempo em que acreditávamos que 3x2 maçãs era igual a seis maçãs, e repetíamos aquela lengalenga com a convicção e a humildade dos crentes. Não comprávamos maçãs a crédito, nem pedíamos mais crédito para pagar os juros do crédito sobre as maçãs. Agora, 3x2 maçãs pode ser igual a seis mil maçãs ou a zero maçãs, dependendo do lado para que acorda a bolsa de Nova Iorque. A aritmética real foi substituída pela aritmética virtual, e nunca os números foram tão manipulados como hoje. Entretanto, esquecemo-nos da tabuada, essa coisa tão repetitiva e remediada. Deixámos de ser os «bons alunos» da Europa e perdemos as graças dos professores, que passaram a tratar-nos como delinquentes. Que fazer? Há que voltar atrás e reaprender a fazer contas. Vai uma maçã?
(Texto publicado na edição de 24 de Julho da Notícias Magazine, revista de domingo do DN e JN, na secção "Nostalgia".)
quinta-feira, 14 de julho de 2011
CITY-BREAKS: ALTO MINHO
IRMÃOS GRIMM EM TESE DE DOUTORAMENTO
Os Contos de Grimm em Portugal - A Recepção dos Kinder-und Hausmärchen entre 1837 e 1910, de Maria Teresa Cortez, professora da Universidade de Aveiro, é uma edição Minervacoimbra, do Centro Interuniversitário de Estudos Germanísticos e da Universidade de Aveiro, e foi publicado em 2001. Creio que esta é (ou era, até há pouco tempo) a única tese de doutoramento em Portugal versando a literatura para crianças. Se estou a dizer “inverdades”, por favor corrijam-me. Naturalmente, este post vem na sequência do anterior, sobre o simpósio internacional dos Irmãos Grimm que está a ser preparado pelo IELT – Instituto de Estudos de Literatura Tradicional.
quarta-feira, 13 de julho de 2011
OS IRMÃOS GRIMM EM PORTUGAL
Como muitas das personagens dos seus contos, os Irmãos Grimm também passaram fome e toda a sorte de privações, a partir do momento em que Philipp Grimm morreu subitamente, com apenas 44 anos, deixando mulher e seis filhos na pobreza. Jacob e Wilhelm Grimm enfrentaram a vida árdua dos colégios internos, mas a possibilidade de estudarem – graças à ajuda de uma tia – permitiu-lhes tornarem-se alunos brilhantes e, mais tarde, especialistas em literatura medieval. A maior parte das cerca das duas centenas de contos recolhidos da tradição oral, na região alemã do Hesse, de onde eram originários, provêm da Idade Média e destinavam-se a ser contadas entre adultos, o que explica a sua violência e crueldade intrínsecas, bem como a explicitação de uma série de interditos sexuais – caso do incesto, presente em muitíssimos contos. Na primeira recolha, dada à estampa em 1812, os Irmãos Grimm mantiveram-se fiéis a estas versões mais cruas, que foram sendo progressivamente suavizadas nas colectâneas seguintes, incorporando os valores da sociedade burguesa e cristã da Alemanha do século XIX, quando a literatura de tradição oral conheceu um público mais amplo: as crianças.
Ouviremos falar muito dos Irmãos Grimm em Junho de 2012, quando Lisboa for palco de um grande simpósio internacional que está a ser preparado pelo IELT – Instituto de Estudos de Literatura Tradicional, com a coordenação de Francisco Vaz da Silva, de quem já falámos aqui. O deadline para o envio de propostas de comunicação é o dia 4 de Setembro. Mais informação e uma amostra do apetitoso programa pode ser encontrada no site do IELT.
terça-feira, 12 de julho de 2011
QUE FAZER COM ESTES LIVROS?
O que está num esconderijo secreto? Como são os monstros escondidos debaixo da cama? Como se desenha e pinta uma trovoada? O que cresce nos feijoeiros mágicos? Estes são alguns dos 200 desafios lançados por Nikalas Catlow, ilustrador e designer de livros infantis e autor de E Tu, Rabiscas?, um livro para usar com lápis de cor (ou de cera, ou guaches, ou aguarelas, ou…) e imaginação ilimitada. Além desta edição recente da Gailivro, vale a pena lembrar também dois livros de actividades da colecção Orfeu Mini, ambos de origem francesa: Dias Felizes e Caderno de Pintura para Aprender as Cores – na imagem, ainda na edição original, porque o grande formato não se presta ao scanner. Três bons livros de actividades para levar na bagagem de férias e manter miúdos (e graúdos) entretidos fora das PS3.
segunda-feira, 11 de julho de 2011
O COPO MEIO CHEIO
O leitor pode pensar que ainda ontem viu esta garrafa, e é quase verdade. Ainda «ontem», isto é, há cinco anos, as garrafas de vidro de um quarto de Vigor faziam parte do cenário habitual dos cafés e pastelarias; tão habitual que há quem não tenha notado o seu desaparecimento. É sempre assim: uma pessoa distrai-se e acaba a fazer fintas à memória, a teimar que ainda «ontem» viu coisas que já se perderam de vista. Para todos os efeitos, as garrafas de um quarto de Vigor desapareceram em 2006, e com elas a esperança irrealista de que não nos obriguem a ser cada vez mais sofisticados. Que não nos obriguem a escolher entre leite sem lactose, vitaminado, com cálcio, ómega 3, magnésio ou outro ingrediente «essencial», porque tantas escolhas deixam-nos cansados e, pior, só são válidas até ao próximo estudo científico que vem negar o anterior. Uma das alegrias do leite Vigor, para além de um nome que não engana ninguém (do latim vigore, força vital), é o facto de valer por si mesmo, dentro daquela garrafa de vidro tosca e robusta que surgiu há 60 anos, no contexto do pós-guerra. Em 1951, o leite fresco Vigor começou por querer agradar aos ingleses residentes no eixo Sintra-Cascais-Estoril, habituados a certas mordomias. Foi aí que alguém se lembrou de criar um sistema de distribuição porta a porta, com o leiteiro ao volante da carrinha branca, um ícone dos anos 1950. Desde então, pedir «um quarto de Vigor» tornou-se sinónimo de leite, por metonímia – e pedir «um quarto de Vigor e meia torrada» é algo que só se entende em Portugal. Quem o faz é um ser praticamente completo, faltando-lhe apenas mais um quarto de qualquer coisa para lá chegar.
(Texto publicado na edição de 10 de Julho da Notícias Magazine, revista de domingo do Diário de Notícias e Jornal de Notícias, na secção "Nostalgia".)
sexta-feira, 8 de julho de 2011
A GENEROSIDADE É SILENCIOSA
“Os caçadores que subiam aos montes atrás de lebres ou javalis aperceberam-se do alastramento de pequenas árvores, mas atribuíam-no aos caprichos da Natureza. Era esta a razão pela qual ninguém tocava na obra deste homem. Se alguém tivesse suspeitado, a sua acção teria sofrido interferências, teriam tentado demovê-lo, ou mesmo impedi-lo. Mas tudo isto era inimaginável! Quem poderia ter acreditado, nas aldeias e a nível administrativo, numa tal obstinação, em tão magnífico acto de generosidade?”
Do conto O Homem que Plantava Árvores, um relato de fundo humanista e ecológico escrito por Jean Giono (1895-1970), fez-se um filme de animação que pode ser visto aqui. A edição portuguesa é da Far Far Away Books.
quinta-feira, 7 de julho de 2011
NOVIDADES DA KALANDRAKA
Do escritor e ilustrador Arnold Lobel, “estranhamente” pouco amado pelo mercado português, a Kalandraka já tinha publicado Contos de Ratinhos e O Porquinho, livros em que a função securizante e agregadora de emoções se evidencia com a subtileza necessária. Poupar-se-iam toneladas de papel e tinta se muitos escritores ditos para crianças percebessem, de uma vez por todas, que as crianças querem emoções, não querem sermões… De Arnold Lobel (EUA, 1933-1987), falta chegar cá, sobretudo, a série Frog and Toad, já publicada em espanhol (Sapo y Sepo, Alfaguara), vencedora dos prémios Caldecott e Newbery. Outro “clássico contemporâneo” a bisar na Kalandraka é Janosch, pseudónimo de Horst Hecker (Alemanha, 1931). Correio Para o Tigre segue-se a Oh, que Lindo é o Panamá, numa tradução que nos deixou algo confusos, há que dizê-lo…
O Tio Elefante estará nas livrarias a partir de 15 de Agosto, Correio Para o Tigre chega esta semana.
quarta-feira, 6 de julho de 2011
LIKE TEARS IN THE RAIN
Em tempos de chumbo e cólera dos mercados, o Almanaque Silva lembra a época em que fomos prósperos, contemporâneos e criativos: ilustradores portugueses fotografados por João Francisco Vilhena, com a chancela da Bedeteca de Lisboa. “São imagens de um tempo e um lugar que celebraram o triunfo da ilustração editorial portuguesa e de um futuro otimista que o nosso inquietante presente remeteu para a gaveta da memória”, diz Jorge Silva.
É bem verdade. Mas, nem que seja em homenagem ao final de Blade Runner – filme glosado na imagem acima de Alice Geirinhas –, ainda não é hora de declinar o futuro que nos sobra. Sejamos criativos, o impossível cuidará do resto.
Ver aqui.
domingo, 3 de julho de 2011
GRANDE GALO
Os livros só com imagens tendem a gerar inseguranças entre pais e educadores, pela ausência de um guião escrito que os "obriga" a contar a história à sua maneira. O medo das ambiguidades, a necessidade de extrair uma moral e a dificuldade de fazer leituras partilhadas com as crianças levam a que sejam cautelosamente evitados, até porque não vale a pena gastar dinheiro com "livros de bonecos"… Quando isto acontece, ignoram-se as imensas potencialidades narrativas e interpretativas contidas nas imagens, de que O Ladrão de Galinhas é exemplo. Béatrice Rodriguez (n. 1961) não precisa de palavras para descrever a perseguição de três amigos – um coelho, um urso e um galo – à raposa que lhes rouba uma galinha à hora do pequeno-almoço. O formato rectangular, alongado, presta-se a um trabalho de composição que explora a distância física e emocional entre os personagens, subtilmente caracterizados pelas suas expressões e comportamentos, em cenários muito diversos. No volte-face final em que a galinha defende e escolhe ficar com o raptor, o leitor adulto poderá lembrar-se da famosa «síndrome de Estocolmo». É aí que se percebe como um livro aparentemente naïf tem o poder de nos questionar. Não há que ter medo.
O Ladrão de Galinhas
Ilustrações de Béatrice Rodriguez
Bags of Books
(Texto publicado na edição da LER nº 104, secção “Leituras Miúdas”. Seguindo o êxito de O Ladrão de Galinhas – e também as sugestões dos leitores – Béatrice Rodriguez publicou as sequelas Fox and Hen Together e Rooster’s Revenge, pela Enchanted Lion Books).
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