«Gosto de viajar. Mas sou um miúdo pequeno, e
os meus pais dizem que os gaiatos não se fizeram para andar por aí a
passarinhar de terra em terra como se fossem andorinhas; ou saltimbancos, ou
acrobatas, ou arlequins, polichinelos.»
Começa assim a história deste rapaz, e mal o conhecemos já calculamos que fará tudo ao contrário. A subversão é
uma das forças condutoras da escrita de Rita Taborda Duarte (Lisboa, 1973), o
que a coloca num lugar à parte na literatura para os mais novos, livre de
fórmulas, modismos e beneplácitos geracionais.
O Rapaz
Que Não se Tinha Quieto (Caminho) vem juntar-se ao
percurso iniciado com A Verdadeira
História da Alice, Prémio Branquinho da Fonseca/Expresso/Gulbenkian 2003.
Construindo uma história com vários níveis de leitura, a escritora responde à
sua poeticidade imanente, ao humor lúdico e paródico (e mesmo auto-paródico), à
vocação de experimentar a linguagem como um jogo.
À medida que progredimos na
narrativa, irrompe uma arquitectura feita da simbólica dos quatro elementos
(ar, terra, fogo e água), bem como das formas geométricas da matéria; que as
ilustrações delicadas de Ana Ventura (Lisboa, 1972) vêm configurar. Ressalta também
a musicalidade das frases, como um texto cantado em que as rimas não parecem nem
procuradas nem evitadas: «Conheço uma torre italiana, com nome de comida, que,
em vez de crescer para cima a direito, vai subindo lentamente na diagonal. Mas
essa é uma torre especial, feita de pedregulhos mágicos, com saudades da terra
de onde foram arrancados. Esses pedregulhos, saudosos pedregulhos, não desistem
nunca de a mirar, desejando a ela um dia retornar.»
Também o rapaz deste conto ambiciona construir
uma torre para se evadir do mundo onde as pessoas «passam a ver tudo aos
quadradinhos e muitas vezes, quase sempre, ficam também elas quadradas». O
devaneio não lhe chega, há que deitar mãos à obra: «Dá trabalho, é preciso um
dia atrás de outro dia. É preciso trabalhar com afinco, mas, na verdade, não
tem muito que saber.» Juntando pedras e estrelas, a torre fica pronta e
iluminada.
Mas porque «o homem é o único animal que constrói desejos sobre os
desejos», também este rapaz, que entretanto deixa de o ser, se cansa da torre
de granito e inventa outra coisa. E nesse contínuo movimento leva-nos a nós,
leitores, por caminhos singulares. «Um verdadeiro viandante, um genuíno
calcorreador de estradas, deve ser imprudente. Tal como eu.»
O Rapaz que Não se Tinha Quieto
Rita Taborda Duarte
Ana Ventura (ilust.)
Caminho
(Texto publicado na revista LER Nº 134.)
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