terça-feira, 29 de setembro de 2015

NOVO CURSO DE LIVRO INFANTOJUVENIL


Eu, em pesquisa para o próximo Curso de Livro Infantojuvenil, com início marcado para 27 de Outubro, em Lisboa (Booktailors, Tv. das Pedras Negras, nº 1 - 3º Dto.). Todas as informações aqui. Na fotografia, sou a terceira a contar do fim.

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

CASA, FAMÍLIA, IRMÃO


MR: Pensas que as crianças estão preparadas para ter dois pais ou duas mães?

CMA:
Para te responder a essa questão, sem ser superficial, tinha de estar implicada numa de duas formas: afectivamente, ou seja, estar eu própria nessa situação, ou ter alguém muito próximo que estivesse... Ou então de uma forma teórica, com uma visão mais fundamentada e científica. Não tenho nem uma nem outra. O que sei é que as crianças estão sempre preparadas para serem amadas e respeitadas. Isso é no que eu acredito. Por isso é que neste livro eu e a Marta mostramos famílias funcionais e em situações felizes. Sempre.


(...) 

MR: Nos títulos dos teus livros tu tens “casa”, “família”, “irmão” e a tua temática concentra-se muito na família. Porquê esse interesse?

CMA: Nós falamos daquilo que temos em abundância ou falamos daquilo que nos faz falta. A escrita é isso. Quando estás muito feliz queres viver. Não vais pensar em estar fechado a escrever. Eu falo daquilo que sinto falta – e a falta ocupa, às vezes, um lugar enorme. As minhas vivências familiares foram fortíssimas, cheias de coisas muito boas e outras muito más. E é aí que está o meu magma literário. Tenho uma memória emocional muito forte que se mobiliza quando escrevo. É a minha maior ferramenta. E as duas forças que me fazem ter vontade de escrever são sempre o amor e a revolta, disso tenho a certeza.


[Duas das muitas e boas perguntas de Mário Rufino - também autor das fotos - para a entrevista publicada sexta-feira no Diário Digital. Onde se fala do Amores de Família, do Irmão Lobo, dos outros livros, do processo criativo, da escrita, da família e outros mistérios. Pode ser lida na íntegra aqui.]

domingo, 27 de setembro de 2015

PRIMITIVOS, 2


Coisas que se descobrem sem querer:

«Lembro-me de ouvir a Blanche dizer que o Kalkitos ainda ia«acabar mal», mas naquela altura eu achava que nada de grave podia acontecer a um rapaz de boas famílias. Porque haveria sempre uma família boa para o adotar, se a outra família menos boa não o quisesse. Devia ser uma maravilha ter vários pais e várias mães, pensava eu, aos oito anos. Muito melhor do que ter uma única família e não poder escolher, como era o nosso caso.»

Quando escrevi este parágrafo do Irmão Lobo (p. 77, 1ª edição) nunca tinha ouvido falar do povo Mossi, cujas crianças têm «uma dezena de pais disponíveis no seu ambiente familiar», sendo que o preferido nem sempre coincide com o progenitor. Mais: para os Mossi, «os lares ocidentais são estritamente esqueléticos... Como vir a ser homem em lugares onde apenas nos é atribuído um só pai? E que fazer se este último não nos convém?»  (in XY - A Identidade Masculina, Elisabeth Badinter)

Coisas de povos primitivos e da imaginação das crianças...

PRIMITIVOS, 1


«Os Semai pensam que a agressividade é a pior das calamidades e a frustração do outro, o mal absoluto. Resultado: não se mostram nem ciumentos, nem autoritários, nem desdenhosos. Cultivam qualidades não competitivas, são sobretudo passivos e tímidos e apagam-se, de bom grado, perante os outros, homens ou mulheres. Pouco preocupados com a diferença dos sexos, não exercem qualquer pressão sobre os rapazes para que se distingam das raparigas e se tornem pequenos duros.»

(in XY - A Identidade Masculina, de Elisabeth Badinter, ed. Asa, 1996; citando a obra de Robert K. Dentan, The Semai: a Non Violent People of Malaysia)

domingo, 20 de setembro de 2015

O COMEÇO DE UM LIVRO É PRECIOSO, 18


«Buck não lia jornais. Caso contrário, teria sabido que desde Puget Sound a San Diego se tramava uma conjura, não só contra ele, mas também contra todos os cães do litoral, de forte musculatura e pelo comprido e quente. Como alguns homens, tateando na escuridão do Ártico, tivessem encontrado um metal amarelo, e as companhias de navegação e transporte propagassem a descoberta, milhares de outros homens precipitavam-se agora para as terras do Norte. Estes homens necessitavam de cães, cães de grande porte, de músculos fortes para o trabalho e pelo espesso que os protegesse da geada.»

Jack London, O Apelo da Selva (The Call of the Wild), Civilização, 2014, tradução de Emília Maria Bagão e Silva. Originalmente publicado em 1903.

sábado, 19 de setembro de 2015

O COMEÇO DE UM LIVRO É PRECIOSO, 17


«Eram sete horas de uma tarde muito cálida, nas colinas de Seoni, quando o Pai Lobo acordou do seu sono diurno e começou a coçar-se, bocejando e estendendo as patas, uma a uma, para se livrar da sensação sonolenta que ainda se lhe agarrava às pontas dos dedos. A Mãe Loba, deitada, tinha o grande nariz cinzento virado para os quatro filhotes, saltitantes e guinchadores, quando o luar surgiu à entrada do covil onde todos viviam.
- Augrh! - disse o Pai Lobo, - é tempo de voltarmos a caçar.»

Rudyard Kipling, O Livro da Selva, Tinta-da-China, 2010, tradução de Júlio Henriques. Originalmente publicado em 1894.

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

NOVO CURSO DE LIVRO INFANTOJUVENIL


Com algumas reformulações, já está marcada a nova edição do curso de 18 horas que desde 2010 tenho feito em parceria com a Booktailors. A data de início está marcada para 27 de Outubro. Deixo aqui os objectivos, destinatários e programa. O resto pode ser consultado na página do Blogtailors.


Objetivos:
Um bom livro para crianças é também um bom livro para os adultos. Partindo desta premissa, pretende-se explorar o universo do livro infantojuvenil como objeto total, privilegiando a componente literária, mas abordando outras vertentes como a ilustração, a mediação, a edição ou a tradução. Centrando-se sobre o livro, o curso terá como base de discussão dezenas de títulos editados em Portugal e não só, com destaque para o álbum ou picture book.  

Público-alvo:
Estudantes de literatura, edição e educação; professores, bibliotecários e educadores; pais e outros mediadores da leitura junto das crianças; ilustradores; livreiros. Todos os que gostam de ler livros para crianças e/ou adolescentes.
 
Programa:

1ª sessão: Um bom livro para crianças passa valores humanistas, universais e intemporais. Fala dos «temas difíceis», sem moralismos. Está em sintonia com o seu tempo. É progressista, muitas vezes. Revela a marca do autor ou dos autores. O que faz, afinal, um bom livro para crianças? Desafio: chegar a uma síntese.

2ª sessão: A extraordinária invenção do álbum ou picture book e o seu contributo para o sistema literário. Ligações (mais ou menos perigosas) entre texto e ilustração. A importância da literacia visual no jardim de infância e no 1º Ciclo. Desafio: compreender a autonomia leitora. 

3ª sessão: Regressar aos contos maravilhosos em época de informação inútil. O contador de histórias ferido e a recuperação do sentido e da vida interior pela palavra narrada. Mediação leitora e investimento pessoal do mediador. Desafio: ajudar o leitor a alcançar o coração do livro. 

4ª sessão: O bom, o mau e o vilão: algumas personagens da literatura universal, de Robinson Crusoe a Peter Pan. Tendências da literatura juvenil contemporânea. A literatura crossover. Autores-chave: David Almond, Neil Gaiman, Shaun Tan. O triplo AAA português: Alice Vieira, Ana Saldanha, António Mota. Desafio: entrar no cérebro de um adolescente.

5ª sessão: Quando a literatura não chega, os livros de não-ficção também falam ao «ouvido emocional» do leitor. Critérios de orientação por idades, interesses temáticos e temperamento do leitor. O eneagrama da personalidade leitora. Recursos disponíveis à volta do livro infantojuvenil, online e offline. Desafio: cativar o leitor relutante.

6ª sessão: Escrever para crianças também é escrever para adultos. Como enfrentar o fantasma do duplo destinatário e alimentar uma poética da imaginação. Como se inventa um livro? Gestão de egos artísticos e metodologia de trabalho entre escritor e ilustrador. Questões relativas à tradução. Escritores de livros para crianças e autoimagem. Desafio: observar as representações sociais da literatura infantojuvenil.

(ilustração de Roberto Innocenti)

terça-feira, 8 de setembro de 2015

LEIAM, MAS NÃO INALEM


É triste assistir a isto em qualquer parte do mundo dito «civilizado»; e logo num país progressista como a Nova Zelândia. Um livro para adolescentes e leitores mais crescidos (young adults), distinguido pela crítica e premiado em 2013, está a ser agora retirado das estantes das livrarias, bibliotecas e escolas, por força do lobby de um grupo cristão e conservador que se manifestou contra as referências explícitas ao uso de drogas e ao calão aplicado aos órgãos sexuais, entre outros tópicos «quentes». Interessante. Como se sabe, nestas idades, os miúdos inclinam-se mais para o ponto de cruz, o bricolage e a decoração de bolos festivos... Ted Dawe, o autor de Into the River, professor do ensino secundário há 40 anos, diz que o último livro banido na Nova Zelândia se chamava Como Construir uma Bazuca. «Talvez o conteúdo de Into the River seja uma bazuca apontada à oligarquia da classe média que governa este país», afirma. Da ordem do anedótico: uma especialista em direito dos media declarou ao New Zealand Herald que era «legal ter o livro para seu próprio uso, mas não passá-lo aos amigos». A literatura equiparada ao cultivo de marijuana nas varandas e quintais. Portem-se bem, amiguinhos. Leiam, mas não inalem.

(via Scoop it! - Ana Margarida Ramos)

terça-feira, 1 de setembro de 2015

WENDY NO DIVÃ: A BELA E O MONSTRO


A BELA E O MONSTRO Meio-homem, meio-animal, o Monstro não é flor que se cheire. Quanto a Bela, rapariga modesta e prendada, vê no autossacrifício a maior das virtudes. Só mesmo um desencantamento para salvar esta triste história.


Em 1946, Jean Cocteau adaptou-o ao cinema e criou um prodígio de imaginação cenográfica e alegórica. A Bela e o Monstro, também conhecido por A Bela e a Fera, é um dos mais populares contos de fadas, celebrizado na Europa pela versão literária de Madame Le Prince de Beaumont, publicada em 1757. Desde então, tem produzido estragos consideráveis em inúmeras famílias, sensíveis à cantiga do «ele é bom rapaz, um pouco tímido, até». Pois se é verdade que existem monstros capazes de inspirar compaixão, como Frankenstein, King Kong ou o Corcunda da Nôtre-Dame, outros há cujo trato é tão inútil e danoso como mandar o Freddy Krueger à manicura.


O Monstro da Bela não é dos piorzinhos, sobretudo se o compararmos com Barba-Azul, nosso psicopata de eleição, mas não temos outro remédio se não julgá-lo pelas aparências: «Além de ser feio, não tenho inteligência: sei que não passo de um animal», admite. Quem fala assim não é gago, mas Bela é uma mulher de palavra: «Estou disposta a abandonar-me à sua fúria e sinto-me muito feliz, porque, morrendo, terei a alegria de salvar meu pai e de lhe provar o meu amor.» Recorde-se que é o pai de Bela o primeiro a concordar com o sacrifício de uma das filhas ao Monstro, mesmo quando os irmãos mais velhos se prontificam a ir lá limpar-lhe o sebo. E fá-lo para salvar o próprio pelo, na boa tradição dos pais tiranos/ausentes/incestuosos dos contos de fadas: A Gata Borralheira, Pele de Burro, Branca de Neve e outros que tais (depois admiram-se).


Há quem veja nesta transferência edipiana uma conquista da maturidade. «Neste conto tudo é bondade e devoção amorosa de um pelo outro, da parte dos três personagens: a Bela, seu pai e o Monstro», escreve Bruno Bettelheim, na Psicanálise dos Contos de Fadas. A sério? Muitas Belas deste mundo diriam outra coisa, se tivessem vivido para contar a história.



(Texto publicado na LER nº 138. Mais personagens semi ou totalmente insanos, da série «Wendy no Divã», podem ser lidos no Jardim Assombrado, aqui.)