terça-feira, 29 de março de 2016

HÁ LOBOS EM NELAS


«Quando li o livro senti revolta: no momento em que a família começa a desmoronar-se senti-me revoltada pelo facto de correr tudo mal à Bolota e à sua família.» (Joana Sobral, 9º C)

«Irmão Lobo é um livro que tanto nos transmite felicidade como tristeza. É um livro "delicioso", principalmente pela maneira como a personagem principal, Bolota, e o seu pai, Alce Negro, falam entre si e vivem no seu mundo imaginário e de fantasia.» (Francisca Oliveira, 9º C)

«O pai, Alce Negro, vivia no mundo da fantasia e "ensinava" a filha a fazer o mesmo. Esta atitude fez-me reflectir, pois não sei até que ponto é correcto mostrar aos filhos que a vida é "um mar de rosas".» (Alícia Santos, 9º C)

«A meu ver, este é um livro que consegue, através de uma simplicidade e de uma inocência tremendas, fazer pensar nos problemas da vida. Gostei muito de o ler.» (Raul Sofia, 9º D)

«Senti-me cativada pela personagem Bolota, a narradora que me "obrigou" a mergulhar, do ponto de vista de uma criança, no bulício emocional da crise em que vivemos.» (Filomena Oliveira, 9º D)

«Não tenho palavras para descrever o meu sentimento ao ler este livro... Simplesmente fabuloso! Um livro que provoca, realmente, um pouco de ansiedade, esperança, alegria e até tristeza.» (Isabela Neves, 9º D)

«A meu ver, é daquelas obras que ficam para a vida. É daquelas obras que nos dá uma lição, uma lição para não imitar nem repetir.» (Raquel Costa, 9º C)

«Altamente recomendável para jovens e adultos!» (Professora Irene Santos)



(Excertos de algumas leituras interpretativas dos alunos da Escola Secundária de Nelas, que, em conjunto com os professores, desenvolveram um trabalho notável à volta do Irmão Lobo. Fiquei muito comovida por saber que o meu livro tocou tanta gente. Obrigada!)

A reportagem fotográfica da visita à escola pode ser vista aqui. As fotos são de Bruno Cardina, que também assinou o making of e alguns momentos do Concurso de Oratória - Texto puxa Palavra, realizado a 26 de Fevereiro, na Fundação Lapa do Lobo. Aqui.

sábado, 26 de março de 2016

DE PROFUNDIS


No conjunto da obra de David Almond que tem sido vertida para português, Uma Criatura Feita de Mar está mais tematicamente próximo de Que Monstros Fabricamos? (Livros Horizonte) do que O Rapaz que Nadava com as Piranhas (Presença), mas destaca-se por dois motivos: é um livro de contos, género no qual se estreou, em 1985, dirigindo-se ao público adulto; cada conto é antecedido por um texto evocativo das experiências de infância que estão subjacentes à ficção. Para os leitores habituais de Almond, algumas coisas ficarão explicadas; para quem nunca o leu, poderá ser o princípio de uma surpreendente dependência. 

Dizer que Almond escreve como ninguém é uma banalidade (mal estamos quando as imitações são evidentes), tratando-se de um autor que acumulou prémios e louvores da crítica até chegar, em 2010, ao ambicionado Prémio Hans Christian Andersen, o «Nobel da escrita para os mais novos». Contrariaram-se as vozes de Cassandra que, um dia, o advertiram: «Mas tu não passas de um miúdo vulgar. E vens da pequena e vulgar cidade de Felling. Sobre que raio irás tu escrever?» 

Precisamente: escrever sobre a pequena e vulgar cidade de Felling, no norte de Inglaterra; sobre as suas casas de tijolo vulgares, os seus habitantes vulgares, os seus dramas vulgares. No primeiro conto, «O pai do Slog», há um miúdo que vê o pai morto num visitante ocasional, um provável sem-abrigo. «A May Malone», de quem se dizia ter um filho-monstro escondido, explora o tema do preconceito e do medo das diferenças, abrindo «as portas da percepção» ao protagonista (as alusões a William Blake são assumidas). «O poltergeist do Joe Quinn» trava-se no encontro de uma mãe hippie com um padre pouco convencido do etéreo. Nunca temos a certeza do verdadeiro e do falso.

O que faz de David Almond um autor genial não é só a elegância da linguagem, profunda e fluída como um rio subterrâneo, mas a demonstração implacável de uma certa verdade que só existe na literatura: «É o que tem de estranho esta coisa de escrever histórias – inclui-se algo imaginário para tornar a coisa mais real.»   

Uma Criatura Feita de Mar
David Almond
Presença

quarta-feira, 23 de março de 2016

DEUSES E DEUSAS EM VALE DE CAMBRA


Nas últimas semanas, O Jardim Assombrado tem sofrido interrupções súbitas, algumas mais prolongadas do que outras. Que me desculpem os passeantes habituais e ocasionais, mas tenho sucumbido ao excesso de trabalho, por um lado; e aproveitado todas as oportunidades para sair de Lisboa, por outro... Foi uma maravilha a ida à Biblioteca do Centro Escolar do Búzio, em Vale de Cambra, uma pequena cidade entre Porto e Aveiro. Durante dois dias, pude conhecer dezenas das mais de 700 crianças do agrupamento (do 3º, 4º e 5º ano), que, em conjunto com os professores, desenvolveram um trabalho excelente à volta dos meus cinco livros para a Caminho, com momentos de dramatização, música, dança, cantigas, leitura, escrita, desenhos e tantas coisas que mostraram muita criatividade, originalidade e sensibilidade. Fiquei especialmente contente por  terem escolhido o Amores de Família e vestido a pele dos deuses e deusas do Olimpo, como se pode ver pelas fotos. Há mais aqui, no blogue Biblio Búzio, e também nesta reportagem fotográfica completíssima. Obrigada a todos, foi mesmo fantástico!

segunda-feira, 21 de março de 2016

OS QUATRO ELEMENTOS



Desde a publicação de O Gato de Uppsala (Sextante, 2009), Cristina Carvalho construiu um percurso literário pouco conforme às fronteiras etárias; ao mesmo tempo que conseguiu, por portas travessas, alcançar um público adolescente difícil de determinar e ainda mais de manter. Dizemos «por portas travessas» porque esse percurso se nos afigura livre de intenções e fórmulas já testadas, o que faz com que cada livro seu seja diferente dos anteriores, embora bebendo da mesma fonte. Emotiva, sinestésica, cantante, a escrita de Cristina Carvalho ganha quando sustentada por uma estrutura e coesão narrativas que dão forma a essa predisposição lírica imanente à sua originalidade enquanto autora.

Noblesse oblige, o tema da coincidência dos opostos, tão caro a Hans Christian Andersen e aos escritores românticos, sempre rondando este imaginário, manifesta-se uma vez mais em Quatro Cantos do Mundo. Se o anterior Lusco-Fusco (Porto Editora, 2011) se concentrava no mundo invisível dos seres elementais, agora o olhar surge ampliado à escala dos continentes e oceanos, tendo como protagonistas quatro verdadeiros heróis: Roald Amundsen, o conquistador dos Polos; David Livingstone, explorador da África central e austral; David Attenborough, o homem que tão bem nos comunicou a Natureza; e Jacques-Yves Cousteau, o descobridor das inquietantes paisagens submersas.

Assumindo em nota prévia a homenagem aos seus heróis, Cristina Carvalho inventou quatro contos que guardam em comum o sentido do transcendente, a exaltação da natureza, a demanda da sobrevivência e a partilha familiar e comunitária. «Vidas brancas», o primeiro, tem como personagem principal um pequeno esquimó, comedor de carne crua, que salva uma cria de foca durante a caçada. Do deserto de gelo para o sol incandescente, «A noite é o lugar mais tranquilo do mundo» é um conto enigmático e introspectivo, à semelhança do beduíno de vestes negras que o atravessa. Num registo mais documental do que os anteriores, «Casa verde» narra a vida na selva, escolhendo uma menina como protagonista. «Viajando sob o azul intenso das águas» regressa ao tom efabulatório inicial e ao diálogo entre as espécies, desta vez com um golfinho, símbolo da ligação do homem com o divino. Com as últimas palavras do conto, fecha-se o círculo da quadratura: «Agora eu estava, realmente, acordado.»

Quatro Cantos do Mundo
Cristina Carvalho
Ilustrações de Manuel San Payo
Planeta

quinta-feira, 10 de março de 2016

PRINCESAS



Toda a árvore é um microcosmos singular debruçado sobre o mundo. Dos capilares subterrâneos até ao ramo mais alto, formas transitórias de vida passam por ela buscando abrigo e alimento. Os coalas adoram eucaliptos, embora os eucaliptos não gostem de outras árvores à volta. O carvalho-comum, mais generoso, cresce rodeado pelos seus parentes próximos: o carvalho-negral, a azinheira e o sobreiro, espécies abundantes na Península Ibérica. O espírito da floresta manifesta-se também nas comunidades de sequóias, árvores que assistiram à aventura humana dos últimos três mil anos, tal como as oliveiras, os embondeiros e os cedros-do-líbano.

Nenhum de nós se lembra, mas houve um tempo em que as florestas cobriam cerca de metade da superfície da Terra, fervilhantes de vida. Chegámos ao século XXI com apenas um quinto desse património agora irrecuperável. A profecia de Macbeth cumpriu-se, mas ao contrário. Preso à obsessão de se tornar rei, Macbeth repudiou os avisos das três feiticeiras e duvidou de que algum dia a floresta de Birnan pudesse avançar sobre o castelo. Mas o inimigo camuflou-se com ramagens e escalou a colina, pondo fim à ambição. A diferença fundamental é que os soldados de outrora são coisa pouca se comparados com os atuais exércitos de serras e escavadoras mecânicas. É por isso que a flor-do-paraíso, originária de Madagáscar, vê as suas flores rubras extinguirem-se num confronto desigual, como se a própria ideia de paraíso já não fosse possível entre os homens.

Este livro é belo porque é importante – e é importante porque é belo. Significa um passeio imóvel por entre 57 árvores e arbustos de todo o mundo; uma caminhada que se faz admirando as ilustrações naturalistas de Emanuelle Tchoukriel, traçadas a rotring e aguarelas, detalhando texturas, cores e escalas. O texto de Virginie Aladjidi convoca o leitor para as múltiplas dimensões da árvore, um arquétipo de autonomia que não encontra paralelo no Mundo Animal: nasce, cresce e reproduz-se sem se mexer do seu lugar. Quando morre, é como se adormecesse em casa. Essa dignidade solitária que é comum a todas as árvores explica o conhecido aforismo: «as árvores morrem de pé». Isto, claro, se as deixarmos viver. Comecemos por tratá-las pelo nome próprio.  

Inventário das Árvores
Virginie Aladjidi
Emanuelle Tchoukriel (ilustr.)
Kalandraka

quarta-feira, 9 de março de 2016

AUGÚRIOS


«Jacinto era um bom contador de histórias. A sua voz equilibrava-se entre a serenidade e a fúria.» As primeiras três linhas de O Último Conto fazem jus a um dos títulos de Maria Gabriela Llansol, segundo a qual «o começo de um livro é precioso». Assim é também para o contador de histórias, cuja voz ressoa nas paredes míticas da casa do mundo. O seu trabalho consiste em amalgamar memórias, explicações, augúrios, sonhos e rituais. É um nómada da palavra dita. Onde quer que pare, a viagem começa.

No caso, Jacinto «gostava de contar histórias debaixo de uma árvore, apoiando a perna sobre um caixote». Os habitantes do bairro convergiam para aquele lugar, as casas inclinavam-se para o ouvir melhor. «Não conseguíamos resistir à tentação de viver, por alguns minutos, o tempo infinito da fantasia.» Ninguém acreditava que o encantamento se quebrasse, mas chegou um dia em que a voz de Jacinto deixou de se ouvir. Tinha desaparecido no olhar de alguém que escutava, e todos o viram «dar um passo em direção àquele mistério». O ar encheu-se de presságios perante o que estava para acontecer. «Permanecemos em silêncio até que o estrondo de um avião nos dispersou.»

Lançado em edição simultânea no México, Brasil e Portugal, O Último Conto é o segundo livro de Rodolfo Castro (Argentina, 1963) publicado na Gatafunho, depois de A Intenção Leitora, a Intenção Narrativa, sobre a sua experiência de contador de histórias, a viver há três anos e meio em Portugal. É um picture book com marcas de novela gráfica, em que o trabalho do ilustrador Enrique Torralba (México, 1969), com nítidas influências de Shaun Tan, nos remete para um universo onírico mas inquietantemente próximo. Um pequeno tesouro.

O Último Conto
Rodolfo Castro
Enrique Torralba (ilustr.)
Gatafunho

domingo, 6 de março de 2016

THE WOMAN WHO LOVED THINGS


A woman finally learned how to love things, so things learned
how to love her too as she pressed herself to their shining sides,
their porous surfaces. She smoothed along walls until walls
smoothed along her too, a joy, a climax, this flesh
against plaster, the sweet suck of consenting molecules.

Sensitive men and women became followers, wrapping themselves
in violet, pasting her image over their fast hearts,
pressing against walls until walls came to appreciate
differences in molecules. This became a worship.
They became a love. A church. A cult. A way of being.

But, of course, it had to be: the woman's love kept growing
until she was loved by trees and appliances, from toasters
to natural obstacles, until her ceiling shook loose to send kisses,
sheets wound tight betwixt her legs, and floorboards broke free
of their nails, straining their lengths over her sleeping.

She awoke and drove out of town alone. In love, rocks flew
through her car windows, then whole hillsides slid, loosening
with desire. Her car shatttered its shaft to embrace her,
but she ran from the wreckage, calling all the sweet things
as she waited in a field of strangely complacent daisies.

She spoke of love until losing her breath, and the things
trilled to feel that loss too, at last, sighing in thingness.
She fell down, and the things fell down around her. She cried,
«Christ!» and the things cried «Christ!» in their things-hearts
until everything living and unliving wonderfully collided.


«The woman who loved things», de Cathleen Calbert, in The Best American Poetry - 1995 

sexta-feira, 4 de março de 2016

NÁUFRAGOS


There was a king who commanded his subjects
to rebel against him,
upon penalty of death whether they obey or refused.

(Excerto do poema The Interior Prisoner, de Geoffrey O'Brien, nascido em 1948, New York. Pintura a óleo de Howard Pyle, nascido em 1856, em Wilmington, Delaware, EUA. Representa uma prática muito comum na navegação: o abandono de marinheiros amotinados em ilhas ou  bancos de areia, tendo como recursos apenas algumas provisões, um cantil de água e uma pistola carregada de pólvora para facilitar o suicídio rápido. Esta punição implacável foi designada por «marooning» . Ben Gunn, o marinheiro enlouquecido de A Ilha do Tesouro, é um dos raros casos de sobrevivência, ainda que ficcional. Actualmente, o «marooning» subsiste de formas mais subtis mas não menos insidiosas, como a privação da esperança nas gerações mais jovens ou a crença na condenação a uma vida árida e solitária.)

quinta-feira, 3 de março de 2016

NOSTALGIA



A história de O Regresso começou por um pequeno filme animado de Natalia Chernysheva, autora russa que se estreia na Bruaá em resposta ao desafio de passar as imagens para o papel. Não é primeira nem a segunda vez que a editora de Miguel Gouveia convida escritores e/ou ilustradores estrangeiros a produzirem trabalhos originais para o seu catálogo: aconteceu com Lara Hawthorne (Herberto) e Davide Cali (Arturo, A Rainha das Rãs Não Pode Molhar os Pés), por exemplo. Outras vezes, tratou-se de recuperar textos esquecidos e marginais, para depois os reinventar pela mão de ilustradores portugueses: casos de André da Loba (O Arenque Fumado) ou Gonçalo Viana (Esqueci-me Como se Chama).

Esta opção editorial não contradiz a presença de autores consagrados (Shel Silverstein, Bruno Munari, Wolf Erlbruch), nem tão pouco transformou o catálogo da Bruaá numa manta de retalhos, desde a sua promissora estreia em 2008. É antes uma declaração de princípios – de qualidade e de originalidade – que faz jus ao estatuto de «editora independente» e que valoriza a obra do autor (o autor e não o seu invólucro), independentemente da sua nacionalidade e outras baias. É por isso que uma boa parte dos livros da Bruaá revertem para a categoria do «destinatário incerto», arriscando a comunicação possível entre adultos e crianças no território das emoções e razões partilhadas.

O Regresso inscreve-se coerentemente nesta linha e explora um dos temas mais incomunicáveis: a nostalgia da infância. É um longo travelling que parte do espaço caótico da cidade em direção ao campo e ao lugar da casa mítica, a datcha onde a avó espera a neta, ao lado de uma árvore carregada maçãs vermelhas. Explorando a alteração de formas e perspectivas, planos picados e contra-picados, pormenores sinestésicos de cor aplicados na depuração das linhas a preto e branco, a autora coloca-nos diante da inequívoca felicidade do reencontro. O Regresso conduz-nos a casa, a essa mesma «casinfância» do poema de Herberto Helder: «Eu metia as mãos na água: adormecia, relembrava.» É isso mesmo.

O Regresso
Natalia Chernysheva
Bruaá

quarta-feira, 2 de março de 2016

VER O MUNDO NUM GRÃO DE AREIA



Lançado em 1995 e premiado como melhor livro infantil do ano pelo New York Times e Publisher’s Weekly, Zoom, de Istvan Banyai (Budapeste, 1949), é uma viagem pelo mundo às suas múltiplas escalas, cada ilustração esclarecendo a anterior, numa progressão geográfica e espacial que se desvela na ampliação do pormenor. No corpo humano existem cinco vezes mais células do que estrelas na nossa galáxia. Como pensar esta ideia sem experimentar uma sensação de vertigem? Zoom causa-nos um efeito semelhante. 

Sem texto narrativo, o percurso é governado pela imagem: desenhos de cores vivas e linhas bem definidas, remetendo para a matriz da banda desenhada e do cartoon. Tratada graficamente (um anúncio, uma carta, um selo...), a palavra é apenas usada com um duplo intuito: situar o leitor num itinerário concreto, de uma avenida de Nova Iorque até uma praia nas Ilhas Salomão; e providenciar pistas para a compreensão da imagem seguinte. 

Elemento decisivo, sem o qual se poderia ter caído num exercício de estilo, é a reserva de subjetividade e estranheza permitida ao leitor. O adolescente que dormita à beira da piscina, estará doente ou entediado? O ranchero no deserto do Arizona olha para o televisor ou para a paisagem? Quem escreve desde a América ao chefe da tribo das Ilhas Salomão? Tantas perguntas... Partir da observação do mundo para uma visão unificadora da realidade é algo que tem ocupado místicos, filósofos e artistas; e podemos dizer que neste livro de Istvan Banyai há um pouco dessas três demandas, tal como nos versos de William Blake: «Ver o mundo num grão de areia/e um céu numa flor silvestre/ter o infinito na palma da mão/e a eternidade num minuto.»


Zoom
Istvan Banyai
Kalandraka

terça-feira, 1 de março de 2016

MONSIEUR AVÔ



Com O Meu Avô, Catarina Sobral demarcou-se da linha conceptual explorada nas duas obras anteriores (Greve e Achimpa), centradas na linguagem e nas variantes linguísticas, e passou para um registo humanizado que adopta um personagem de forte ligação afectiva às crianças. Quer o título do livro quer a figura adulta e esguia desenhada na capa, de guarda-chuva e meias às riscas, remetem de imediato para O Meu Tio, de Jacques Tati; homenagem inequívoca de uma autora que concilia a ilustração com a escrita e o cinema de animação.

Não há dúvida de que este avô, um flâneur atento e sabedor das pequenas grandes coisas, pertence à mesma família de Monsieur Hulot, quer na sua relação com o neto quer com a vida. Ficamos a conhecê-lo pelas descrições textuais («o meu avô nunca se lembra de ler as notícias», «acorda todos os dias à 6 da manhã», «tem aulas de alemão e aulas de Pilates»), mas sobretudo pelo contraste com outro personagem paralelo na narrativa, o Dr. Sebastião, cujo dia-a-dia também acompanhamos.

No esquema de página dupla, Catarina Sobral estabelece raccords brilhantes entre as ilustrações, criando efeitos de continuidade visual e, ao mesmo tempo, de total divergência significante. Assim, enquanto o Dr. Sebastião faz equilíbrio com pilhas de papéis e dossiês, o Avô exercita um movimento idêntico na aula de Pilates. Enquanto um aquece o almoço no micro-ondas, o outro faz piqueniques durante a semana, acompanhado pelo neto e por amigos. Esta imagem é uma recriação da paz bucólica de Le déjeuner sur l’herbre, de Manet, uma das referências artísticas que Catarina Sobral gosta de trazer para os seus livros. Mas há outras: Chaplin, Almada, Pessoa. Descobri-las faz parte do passeio.

Catarina Sobral
O Meu Avô
Orfeu Negro

ASSOMBRAÇÕES


Nos últimos dias, um fantasma brincalhão entrou no Jardim Assombrado e deixou um rasto branco no último post sobre Ana Margarida de Carvalho. Com alguma habilidade e diplomacia consegui mandar embora o danadinho. Simpatizo com fantasmas, desde que respeitem a privacidade. Não sei para onde terá ido o dito cujo, mas a partir de agora pode morar nesta fotografia da casa assombrada que existe em Nelas (lindíssima, por sinal) e que é uma honra ter aqui no meu jardim.