Nascida na Fundação José Saramago, em Lisboa, a Blimunda fez quatro anos este mês. Para quem não sabe, é uma revista digital, gratuita, mensal (inclusive em Agosto) e dedicada à cultura na sua vasta expressão, com destaque para a literatura de todos os géneros, mas também à «música, futebol, dança, fotografia, artes plásticas, exposições, viagens, cinema», como recorda o editorial. Face ao esboroamento do jornalismo cultural tal como o conhecíamos antes da internet e das fusões empresariais, é preciso lembrar que há quem insista em dar o seu melhor. E isso consegue-se trabalhando muitas horas, escrevendo e reescrevendo, procurando ângulos, pessoas e temas fora do mainstream, aplicando o conhecimento adquirido sem perder de vista o essencial: comunicar. Aqui tenho de falar da minha dama: a literatura infantojuvenil e a ilustração têm sido muito bem tratadas pela Blimunda. Quem quer estar informado sobre esta área não pode deixar de ler os textos da Andreia Brites e da Sara Figueiredo Costa. O design gráfico do Jorge Silva explora o melhor uso do suporte digital, deixando sem argumentos até aqueles que continuam, hélas, a preferir ler em papel. Mas fora da caverna há mais luz. A entrevista de Pilar del Rio a José Saramago fala-nos disso mesmo. Um excerto:
Pilar del Rio: As personagens de A Caverna rebelam-se. É
necessária rebeldia para sair da caverna?
José Saramago: A Caverna é uma história de perdedores cuja única
vitória consiste em que não se entregam ao triunfador. É a rebelião possível
mas sem ela não poderá haver outra. A derrota definitiva seria a submissão, e
ainda assim não devemos esquecer que as gerações se sucedem, mas não se
repetem. Assim como de insubmissos podem nascer submissos, também dos que se
submeteram poderão nascer os que se revelarão.
PdR: Neste romance introduzem-se dois elementos novos
na sua obra: a família e a ternura. Crê que estes conceitos são importantes
para que algo se modifique para melhor?
JS: Não tenho ilusões sobre a família como
instituição. A família é lugar de crimes, traições e vilanias, tanto como
qualquer outro grupo humano. Mas continuo a acreditar no poder regenerador da
bondade pessoal e da ternura. A casualidade quis que em A Caverna se reunissem
quatro pessoas boas e um cão não menos bom, ainda que a realidade, sabemo-lo
por experiência, demasiadas vezes seja diferente.
PdR: Há uns meses em Santander disse que «quanto mais
velho mais sábio, quanto mais sábio, mais radical». Não foi só uma frase de
efeito
JS: Não me lembro se a frase dita em Santander era
exactamente assim. Seja como for, parece-me que fica mais clara a ideia se digo
que quanto mais velho me vejo, mais livre me sinto e mais radicalmente me
expresso. Não se trata de uma frase de efeito, é uma verificação de todos os
dias. As palavras que com mais frequência me digo são estas: «Não te permitas
nunca seres menos do que és».