Para as crianças, as leituras de férias devem estar associadas ao tempo livre, à partilha de experiências com a família e amigos, ao usufruir das coisas significativas da vida. Esqueça, por umas semanas, os programas e as metas escolares. A meta mais importante passa por se conhecerem, ter curiosidade por tudo e procurar ligações menos óbvias na diversidade do mundo. Os bons livros fazem parte do caminho.
sexta-feira, 29 de julho de 2016
LEITORES EM FÉRIAS
Para as crianças, as leituras de férias devem estar associadas ao tempo livre, à partilha de experiências com a família e amigos, ao usufruir das coisas significativas da vida. Esqueça, por umas semanas, os programas e as metas escolares. A meta mais importante passa por se conhecerem, ter curiosidade por tudo e procurar ligações menos óbvias na diversidade do mundo. Os bons livros fazem parte do caminho.
quinta-feira, 28 de julho de 2016
quarta-feira, 27 de julho de 2016
FESTIVAL WHITE RAVENS: DEPOIS DE MUNIQUE, 2
Porque «isto anda tudo ligado», a reportagem de Raquel Marinho que passou no Jornal da Noite do último domingo (SIC) transportou-me para a escola secundária E.T.A. Hoffmann, em Bamberg, na Baviera. As artes plásticas, a música e as línguas estão no centro dos interesses dos alunos que a frequentam. Por todo o lado, vêem-se pinturas e outros trabalhos artísticos feitos por eles. Lá fora, num dos relvados, há um espaço comum onde decorrem as «green classes», aulas dadas ao ar livre. A atmosfera é descontraída, os miúdos interessados, os professores também. É uma escola pública onde o estímulo à autodescoberta pela linguagem da arte (das várias artes) transparece imediatamente, o que só é possível quando se compreende que a arte e a cultura não são para uma elite endinheirada e/ou esclarecida. O sistema escolar actual, importado do século XIX e martirizado pela «papelada» e pelo vazio de ideias de longo prazo, vai continuar a alimentar escolas onde crianças e adolescentes não são convocados para algo que lhes diga respeito; algo que toque as suas vidas, a sua realidade, a sua urgência de expressão interior. É aí que os radicalismos começam a tomar forma, alimentados pela propaganda fácil via internet e pela ausência de uma rede que ampare o medo e a angústia.
Na extraordinária reportagem de Raquel Marinho, «Quando estou a cantar não estou preso», percebemos como «a arte pode ser veículo de mudança, e de que mudança». Ao longo de três anos, sob a orientação do maestro Paulo Lameiro e de cantores profissionais, 23 reclusos do Estabelecimento Prisional de Leiria aprenderam a cantar a ópera Don Giovanni, de Mozart. «É um projecto apoiado pela Fundação Calouste Gulbenkian, que faz parte do Programa Partis, cuja ideia é a integração através da arte», explica a Raquel na sua página do Facebook.
No início do projecto, foi o riso e a estranheza; depois, a entrega e uma mudança de olhar: quem dera que na rua tivessem aprendido a cantar. Para compreender, é preciso experimentar. A dado ponto, diz um deles: «É uma história da vida dos rapazes. Não é de todos os rapazes, mas é, basicamente, a nossa vida. É um bocado de... mulheres... e como ele [Don Giovanni] tem o seu empregado que tenta comer os restos.» E mais adiante: «Há muitos de nós que se dizem Don Juans, mas somos todos Leporellos.» É muito difícil conseguir um trabalho jornalístico tão equilibrado entre a emoção e a contenção. Parabéns à Raquel Marinho e a toda a equipa.
(A reportagem «Quando estou a cantar não estou preso» pode ser vista aqui. Na segunda-feira, foram tema dos Sinais, de Fernando Alves, na TSF.)
domingo, 24 de julho de 2016
FESTIVAL WHITE RAVENS: DEPOIS DE MUNIQUE, 1
Quando eles chegaram às portas da Biblioteca Internacional da Juventude, na manhã de quinta-feira, último dia do Festival White Ravens, houve quem pensasse: «Oxalá não sejam estes.» Mas eram. Miúdos de 13 anos vindos de uma das escolas problemáticas de Munique, situada na base da pirâmide do sistema escolar alemão. Alguns descendentes de emigrantes; refugiados, talvez, mas não tínhamos como confirmá-lo. Entraram na sala sem alegria nem espalhafato e sentaram-se nas cadeiras dispostas em círculo; rapazes de um lado, raparigas do outro. A professora deu-me um aperto de mão frouxo, sorriu ligeiramente e não disse nada. Começámos. Durante uma hora e meia, virei-me do avesso para lhes provocar um sorriso, um comentário, um olhar vivaz. Ao meu lado, o Jochen Weber fazia a tradução do inglês para alemão e a actriz Sandra Schwittau lia em voz alta os capítulos escolhidos do Bruder Wolf. Três ou quatro rapazes fizeram perguntas; as raparigas mantiveram-se em silêncio, fechadas naquela amálgama de timidez, enfado e desconfiança. Tentaram perceber o título do livro: Irmão Lobo. Um deles disse que o lobo era um animal forte e selvagem («e um irmão é alguém que nos protege», acrescentei). Também lhes fiz perguntas: quem eram os heróis deles, quem os inspirava, quem lhes dava forças? Um dos miúdos, a escorregar de sono na cadeira, falou em Cristiano Ronaldo. Contei-lhe tudo o que sabia sobre Cristiano Ronaldo e disse-lhes que para mim também ele era um herói (não menti). Outro miúdo disse que não tinha heróis, que não precisava, que se bastava a ele próprio. Perguntei-lhe se se sentia sozinho no mundo, mas não respondeu. Não quis ou não soube. Nós, os adultos da geração Christiane F. e do «nuclear, não obrigado», ficámos ali a digerir aquele vazio. No dia seguinte, pelas seis da tarde, no centro de Munique, um rapaz pouco mais velho matava nove pessoas, sete das quais adolescentes. Apesar das suspeitas iniciais de ligação a grupos terroristas, soube-se depois que também se bastou a ele próprio. «Um lobo solitário», chamaram-lhe.
sexta-feira, 15 de julho de 2016
4º FESTIVAL WHITE RAVENS, 2
Amanhã vou estar aqui, em Munique, no Castelo de Blutenburg, onde desde 1983 se encontra a maior colecção de livros infantojuvenis dos últimos 400 anos... Na edição da Blimunda de Abril há um belo artigo de Andreia Brites sobre a biblioteca idealizada pela jornalista e escritora Jella Lepman, em 1945, durante o deserto emocional do pós-guerra, como tentativa de resposta a uma ferida indelével. São mais de 610 mil livros em 130 línguas, uma mistura de Babel e Alexandria, eu sei lá. Sinto-me como se estivesse a olhar para o céu, sem saber como vou conseguir contar as estrelas e por onde começar. Espero que não me dê um treco quando chegar, porque não é todos os dias que os sonhos se cumprem (a última foi há 13 anos, quando viajei sozinha pela Nova Zelândia). Já tinha dado muitas voltas à cabeça, a imaginar como é que raio eu ia conseguir entrar neste palácio encantado, de preferência sem me endividar, e eis que tudo acontece num ápice. A publicação do Irmão Lobo em alemão deu origem ao convite para estar na edição deste ano do Festival White Ravens, ao lado de mais 13 escritores e ilustradores de 11 países: Alemanha, Áustria, Arábia Saudita, Dinamarca, Estónia, Estados Unidos da América, França, Grã-Bretanha, Holanda, Portugal e Rússia. Vamos fazer centenas de quilómetros entre Munique e outras cidades da Baviera. Vai ser uma loucura. Vai ser uma canseira. Vai ser fantástico.
Porque os sonhos não se cumprem sozinhos, quero agradecer do coração à Isabel Minhós Martins e à equipa da Planeta Tangerina, que editou o Irmão Lobo; ao António Jorge Gonçalves, pelas suas preciosas ilustrações; à equipa da Direcção-Geral do Livro e das Bibliotecas, que tanto tem apoiado a edição e a ilustração portuguesa no estrangeiro; à Helga Preugschat, que se bateu pela edição alemã do Irmão Lobo na editora Fischer Sauerlander; à Claudia Stein, por todo o cuidado posto na tradução; ao Jochen Weber, da Biblioteca Internacional da Juventude, que tem sido impecável na organização; aos meus incansáveis agentes da Booktailors; ao José Oliveira, meu primeiro editor na Caminho e também a primeira pessoa a quem falei desta história; à minha família, aos meus amigos e a todos os que, de uma forma ou de outra, acreditam em mim e me incentivam, hélas, a continuar a escrever. E aqui, desculpem, mas já não escrevo nomes porque ficava aqui o resto da noite, e tenho ainda uma mala para fazer e a areia dos gatos para mudar.
Se o tempo e as condições tecnológicas o permitirem, vou relatando o que se passa no Festival White Ravens na minha página do Facebook e no Jardim Assombrado. Até já! Wish me luck!
Todos os autores participantes no Festival White Ravens aqui.
4º FESTIVAL WHITE RAVENS, 1
Começa amanhã! A quarta edição do Festival White Ravens, nome inspirado no catálogo anual dos melhores livros publicados em todo o mundo, é um grande acontecimento em Munique e em dezenas de cidades da Baviera. Este ano, os 14 escritores e ilustradores convidados desdobram-se em workshpos e encontros com leitores de todas as idades, num total de 90 eventos agendados em escolas, bibliotecas, teatros e outros lugares públicos, incluindo o belíssimo Castelo de Blutenburg, sede da Biblioteca Internacional da Juventude, em Munique. Países representados nesta quarta edição: Alemanha, Áustria, Arábia Saudita, Dinamarca, Estónia, Estados Unidos da América, França, Grã-Bretanha, Holanda, Portugal e Rússia. Se querem conhecer os autores e saber quem vai representar o nosso «petit pays» cliquem aqui. ;-)
quinta-feira, 14 de julho de 2016
ELENA FERRANTE PARA CRIANÇAS?
Depois de ler A Praia de Noite, um texto de Elena Ferrante com ilustrações de Mara Cerri, fiquei com muitíssimas dúvidas sobre a sua adequação ao destinatário infantil. Não tenho como tirar a prova, mas não creio que este imaginário mórbido, grotesco e escatológico seja atraente para uma criança. A história da boneca esquecida na praia, pejada de tópicos emocionais ferrantianos (abandono, medo, prepotência, solidão, maldade, desajuste...) provocou-me uma «inquietação incómoda» a partir do momento em que me imaginei a lê-lo para uma criança ou a lê-lo enquanto eu-criança. Sem pôr em causa a qualidade literária, evidentemente (ferrantiana me confessei neste post do Jardim Assombrado), o problema é que vamos encontrar A Praia de Noite na secção infantojuvenil das livrarias... e enquanto não se assumir a viabilidade de um escaparate denominado «livros ilustrados para adultos», ou algo parecido, estamos expostos a este tipo de equívocos. Aliás, muito comuns.
quarta-feira, 13 de julho de 2016
PRÉMIO NACIONAL DE ILUSTRAÇÃO: JOÃO FAZENDA
A vigésima edição do Prémio Nacional de Ilustração foi arrebatada (é o termo) por um livro sem texto: Dança, de João Fazenda, com edição da Pato Lógico. As duas menções especiais foram para Verdade?!, de Bernardo P. Carvalho (da mesma colecção da Pato Lógico) e Gato Procura-se, ilustrado por Yara Kono, com texto de Ana Saldanha. As restantes menções e a composição do júri estão referidas na notícia da DGLAB. Este ano, concorreram ao prémio 98 livros (publicados em 2015) e 67 ilustradores. Parabéns a todos e especialmente aos vencedores!
Sobre Dança e Verdade?! escrevemos aqui.
sábado, 9 de julho de 2016
JÁ OUVIRAM A RADIOTECA?
Penalizo-me por nunca ter ouvido a Radioteca, um programa da RUC - Rádio Universidade de Coimbra conduzido por Inês Nascimento Rodrigues. Nesta edição, inteiramente dedicada à literatura infantojuvenil, Miguel Gouveia, editor da Bruaá e uma das vozes mais esclarecidas e independentes do «meio», dá uma entrevista imperdível em que se fala de quase tudo: a ditadura da novidade; plano de negócios vs. paixão pelos livros; os tiros no escuro e os tiros ao lado da edição; os equívocos dos famosos; o trabalho de arqueólogo do editor; os editores que abriram caminho na LIJ; o catálogo sui generis da Bruaá e as vendas de direitos para o estrangeiro... etc, etc. E ainda o anúncio, em primeira mão, o próximo título da Bruaá, com assinatura de Walter Benjamin!
Muito gentilmente, a Inês convidou-me a falar dos livros da minha vida, o que me «obrigou» a traçar um percurso sinuoso que começa no Atlas do Nosso Tempo, das Selecções do Reader's Digest, e no Cândido, de Voltaire, e segue por ali fora até acabar nas Mulheres que Correm com os Lobos, de Clarissa Pinkola Estés. Pelo meio, Gilles Lapouge (Os Piratas), Michel Onfray (Teoria da Viagem), Marguerite Duras (O Amante), Patti Smith (Apenas Miúdos), Bachelard (Poética do Devaneio) e muitos outros que fazem parte da minha deriva leitora.
Link para a emissão completa em podcast.
Link para "Os Livros da minha Vida".
sexta-feira, 8 de julho de 2016
LEITURAS DE FÉRIAS, 9: OS BEBÉS DA ÁGUA
Publicada em 1863, numa crítica implícita à
Revolução Industrial, a obra maior de Charles Kingsley faz parte do cânone da
literatura para crianças. Um «conto de fadas para um bebé terreno», chamou-lhe
o autor, apresentando o seu herói na primeira frase: «Era uma vez um pequeno limpa-chaminés
que se chamava Tom.» O que começa por soar como uma intriga
dickensiana (as aventuras de Oliver Twist
tinham surgido três décadas antes), reveste-se de contornos mágicos quando
aparece uma certa figura feminina: a mulher irlandesa que se revelará como «a rainha
de todas as fadas, e talvez do que está para além delas». Ao imprimir a sua
subjetividade e expor uma visão do mundo em que se cruzam as ideias do
Socialismo Cristão, do misticismo das folktales
e da fé nas conquistas da ciência, Kingsley produziu uma obra tão excêntrica
como ele: um homem capaz de acreditar, simultaneamente, nas teorias revolucionárias
de Darwin, de quem era amigo, e ser capelão da devota Rainha Victoria. Sem
reprimir um exorbitante e arrevesado simbolismo, bem como comentários críticos
aos seus contemporâneos e muitas deambulações filosóficas, Os Bebés da Água leva-nos por caminhos intrigantes, em que as notas
do tradutor Júlio Henriques fornecem pistas valiosas. Uma edição da Tinta-da-China.
quinta-feira, 7 de julho de 2016
LEITURAS DE FÉRIAS, 8: A ILHA DO TESOURO
terça-feira, 5 de julho de 2016
LEITURAS DE FÉRIAS, 7: MOMO
Publicado originalmente em 1973, quando nascia a
última geração autorizada a brincar na rua, Momo
é um romance portador dessa qualidade premonitória que a boa literatura tem o
dom (ou a maldição) de revelar. Escreveu-o Michael Ende (1929-1995), para no
ano seguinte ganhar o prestigiado Prémio de Literatura Juvenil Alemã pela
segunda vez. Em Portugal, conheceu a sua primeira edição em 1984, ano orwelliano. Não podia ter calhado
melhor: Momo é uma distopia do tempo
em que as distopias juvenis não estavam na moda: cidades onde as crianças não
podem brincar, adultos consumidos pelo tédio e pelo trabalho repetitivo, o
mundo dividido em párias e seres produtivos, celebridades espremidas até ao
tutano, bairros tristes e montanhas de lixo nos arrabaldes. Um livro
bem pensado e bem escrito, sem peripécias em exagero a intoxicar o leitor
incauto e com cuidadas passagens descritivas que deixam muito lugar à imaginação. Momo
é o nome da heroína da história, uma menina capaz de entender o que é o tempo.
Só ela poderá interromper o plano inexorável dos «senhores cinzentos», para
quem tempo é dinheiro. Ao que parece, alguns foram esquecidos e ficaram para
semente. Momo é uma reedição da Presença, com tradução de Maria Margarida
Morgado.
sexta-feira, 1 de julho de 2016
VISTAS MUITO ALEGRES
A partir de hoje, o Museu da Vista Alegre, em Ílhavo, recebe a exposição da Ilustrarte 2016, que se prolonga até 1 de Outubro. E ainda Serge Bloch e os fantásticos cartoons de António, em duas exposições temporárias. Há oficinas para crianças, inseridas no serviço educativo, e conversas com escritores e ilustradores. Hoje, às 21h00, com Valter Hugo Mãe. Amanhã, às 18h00, com João Vaz de Carvalho, Marta Madureira e moi-même. Tema: «Outros modo de ler - texto e imagem na edição para a infância». A moderação é de Adélia Carvalho e Nuno Barra. A entrada é livre. Apareçam, que o programa é mesmo bom! Está tudo aqui.
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