quarta-feira, 31 de dezembro de 2008
SOMEWHERE OVER THE RAINBOW
O relógio do blogger está atrasado 15 minutos (e 13 horas). Mas acabámos de entrar em 2009, pela hora neozelandesa. E este post é dedicado a todos os leitores do Jardim Assombrado: o monte Taranaki, um vulcão adormecido a poucos quilómetros do mar, lugar sagrado para o povo maori, na ilha Norte da Nova Zelândia. Para ouvir com a banda sonora de Somewhere Over the Rainbow, por Israel Kamakawiwo Ole. Cliquem para ouvir, que vale a pena. À vossa, um grande 2009!
FALTA MENOS DE MEIA HORA PARA 2009
Cá em casa é tradição começar a festejar a passagem de ano quando é meia-noite do outro lado do mundo, onde começa o primeiro dia de 2009. Também está a chover em várias cidades da Nova Zelândia. Tenho estado a ouvir em directo a Radio New Zealand, via internet. Já falta pouco.
WISHLIST 2009
VOU PASSAR O ANO QUE VEM AQUI
quarta-feira, 24 de dezembro de 2008
CHRISTMAS-BREAKS: LEÇA DA PALMEIRA
Há aquelas pessoas para quem o Natal significa “ir à terra”. Dantes também ia “à terra”, primeiro no sentido telúrico do termo, depois no sentido simbólico. A terra é Matosinhos. Nasci numa casa com quintal na Rua Silva Cunha, entre toalhas fervidas e mãos de parteira, e ali vi crescer uma parte do meu jardim assombrado. No Natal, ia-se ao mercado comprar um pinheiro – um pinheiro de verdade – e usava-se algodão a fazer de neve. Havia aletria, laços fritos com mel e bolinhos de abóbora bolina. As prendas vinham embrulhadas em papéis de fantasia que se guardavam de um ano para outro na “gaveta dos papéis”, por baixo do telefone. A minha tia Augusta tricotava carapins para todas as crianças da família, empenhada em aproveitar as sobras de lã de todo o ano. Por todos os livros e jogos e kispos que se pudessem receber, lá estavam os carapins da tia Augusta, a lembrar a ordem de um mundo estabelecido e rigoroso como o Inverno que atravessávamos. Com os pés sempre quentes durante a noite, graças aos ditos carapins.
Há alguns anos, movida por um atávico espírito de clã, toda a família se mudou de Matosinhos para Leça da Palmeira, uma urbanização moderninha e sem carisma perto do Farol da Boa Nova e da casa de chá homónima de Siza Vieira. O Natal passou a ser celebrado aí, a árvore é agora de plástico, como manda o ecologicamente correcto. Ainda se faz aletria, laços fritos com mel e bolinhos de abóbora bolina. Mas já nada, absolutamente nada, tem a mesma piada desde que os meus pés cresceram e acabou a era dos carapins. Aqueles previsíveis, aborrecidos e monótonos carapins.
Há alguns anos, movida por um atávico espírito de clã, toda a família se mudou de Matosinhos para Leça da Palmeira, uma urbanização moderninha e sem carisma perto do Farol da Boa Nova e da casa de chá homónima de Siza Vieira. O Natal passou a ser celebrado aí, a árvore é agora de plástico, como manda o ecologicamente correcto. Ainda se faz aletria, laços fritos com mel e bolinhos de abóbora bolina. Mas já nada, absolutamente nada, tem a mesma piada desde que os meus pés cresceram e acabou a era dos carapins. Aqueles previsíveis, aborrecidos e monótonos carapins.
segunda-feira, 22 de dezembro de 2008
BOAS FEST…
Da imensa leva de cartões de Natal, formais e informais, que têm chegado ultimamente por email, o único que traduz os meus mais honestos sentimentos em relação à quadra é este, com assinatura do Alex (Gozblau). Se a motoserra vos parecer muito agressiva, podemos sempre substituí-la por um instrumento mais artesanal e igualmente eficaz.
O INCRÍVEL MUNDO DAS PETIÇÕES
- Petição para despedir Jesualdo Ferreira, treinador do Futebol Clube do Porto: 7 assinaturas.
- Petição para sanear a Ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues: 12 assinaturas.
- Petição para levar Peter Gabriel ao Brasil: 14 assinaturas.
- Petição para requalificar a EN 360, principal via de acesso dos peregrinos a Fátima: 160 assinaturas.
- Petição para remover nove postes em fibrocimento que dificultam a actividade do Campo de Voo de Benavente: 511 assinaturas.
Agora a sério:
Petição para a dedução de despesas com o veterinário no IRS: 7360 assinaturas. Eu assinei aqui. Gasto um ror de dinheiro por ano com a gataria. “E eu com isso?”, diz ele, preocupadíssimo.
- Petição para sanear a Ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues: 12 assinaturas.
- Petição para levar Peter Gabriel ao Brasil: 14 assinaturas.
- Petição para requalificar a EN 360, principal via de acesso dos peregrinos a Fátima: 160 assinaturas.
- Petição para remover nove postes em fibrocimento que dificultam a actividade do Campo de Voo de Benavente: 511 assinaturas.
Agora a sério:
Petição para a dedução de despesas com o veterinário no IRS: 7360 assinaturas. Eu assinei aqui. Gasto um ror de dinheiro por ano com a gataria. “E eu com isso?”, diz ele, preocupadíssimo.
domingo, 21 de dezembro de 2008
BYE BYE BETTIE
Bettie Page, a mais famosa pin-up dos anos 1950, morreu no dia 11 de Dezembro, aos 85 anos. Li a notícia no Público, dois dias depois, e apesar do atrasado da hora também quero prestar aqui a minha homenagem. Bettie era um espírito livre e uma mulher sensual, do tempo em que as mulheres não passavam fome a troco de uma silhueta escalpelizada ao milímetro. Nasceu pobre, estudou Artes, ganhou uma bolsa, foi capa da Playboy, deixou milhares de fotografias pouco ou nada ortodoxas, vestiu-se de dominatrix, de capuchinho vermelho, de leopardo e do que lhe deu na real gana. Um dia teve uma epifania e retirou-se para uma vida de introspecção religiosa, e nunca mais deu autógrafos nem se deixou fotografar. Os meus heróis têm sempre qualquer coisa de contraditório e não necessariamente irreconciliável, um pé no céu e outro no inferno. Acho que isso lhes dá uma grandeza de alma infinita.
Site oficial de Bettie Page aqui.
Site oficial de Bettie Page aqui.
CROMOS FOLEIROS
Não sei se é pela proximidade dos 40 anos ou pelo efeito dos raios gama no comportamento das margaridas, mas está a apetecer-me fazer de novo uma colecção de cromos. Em pesquisa na papelaria do costume, encontrei cromos de futebol, da Barbie, do Wall-E, do Dragon Ball e de uma coisa adolescente tipo High School Musical. Tudo muito feio, sem cor, sem arte e sem expressão. As carteiras têm uma cola esquisita; uma vez abertas, já não se conseguem guardar os cromos lá dentro. Não estava propriamente à espera do regresso dos “animais de todo o mundo” ou das “casas tradicionais”, mas não sabia que o panorama era assim tão desolador. A minha irmã, que tem menos sete anos, diz-me que quando era teenager já não havia “cromos didácticos”. Suspiro...
sexta-feira, 19 de dezembro de 2008
SOMOS IMPERFEITOS DE PALAVRAS
Tenho pena de só ter conseguido assistir a dois painéis do XVIII Encontro de Literatura para Crianças na Fundação Calouste Gulbenkian, mas trabalho oblige. Para lembrar durante muito tempo, a conferência de abertura proferida por Manuel António Pina, de uma delicadeza e profundidade tocantes. Não é propriamente uma novidade, eu sei. Alguém que conhece o pensamento tauista só pode tratar as palavras com rigor, e por isso não surpreendeu ouvi-lo dizer que tem “cada vez menos coisas para dizer” – porque “falar raramente é conforme à natureza”, como se lê no Tao Te King. “Se os fenómenos do céu e da terra não são duráveis/Porque o seriam as acções humanas?” (Editorial Estampa, página 35).
“Somos imperfeitos de palavras”, disse Pina. Evocou Maurice Blanchot para lembrar que “a literatura é a arte de fazer de conta” e que toda a literatura “persegue a linguagem da linguagem”, devendo ser interrogada “na sua forma, na sua sonoridade, na sua significação”. Falou no “anitismo” dos livros para crianças, nesse atrofiamento do mundo à medida da pequenez da Anita, e pôs o dedo na ferida quando afirmou que “o principal problema da literatura para crianças é o de os livros serem escolhidos por pais ou por adultos que não percebem nada de literatura nem de crianças”. Confessou a desilusão de nunca ter conseguido convencer as filhas a gostarem de Winnie-The-Pooh quando eram pequenas; e explicou por que razão há tantos adultos a escrever “para” crianças (sublinhando as aspas) que, às vezes, não entendem o que eles escrevem. Como Alan Alexander Milne, eventualmente. Não cito ipsis verbis, porque não usei gravador, mas o sentido é este: “A melancólica forma que a infância assume em nós, adultos, é a perda da infância. As crianças ainda não têm a linguagem perdida da infância, estão demasiado próximas dela, por isso não a entendem.” Acho que Manuel António Pina tem toda a razão, mas fica a ressalva, feita pelo próprio: “Nada é decerto tão perigoso como a certeza de que se tem razão.” E como é bom ouvir pessoas que têm cada vez menos coisas para dizer.
“Somos imperfeitos de palavras”, disse Pina. Evocou Maurice Blanchot para lembrar que “a literatura é a arte de fazer de conta” e que toda a literatura “persegue a linguagem da linguagem”, devendo ser interrogada “na sua forma, na sua sonoridade, na sua significação”. Falou no “anitismo” dos livros para crianças, nesse atrofiamento do mundo à medida da pequenez da Anita, e pôs o dedo na ferida quando afirmou que “o principal problema da literatura para crianças é o de os livros serem escolhidos por pais ou por adultos que não percebem nada de literatura nem de crianças”. Confessou a desilusão de nunca ter conseguido convencer as filhas a gostarem de Winnie-The-Pooh quando eram pequenas; e explicou por que razão há tantos adultos a escrever “para” crianças (sublinhando as aspas) que, às vezes, não entendem o que eles escrevem. Como Alan Alexander Milne, eventualmente. Não cito ipsis verbis, porque não usei gravador, mas o sentido é este: “A melancólica forma que a infância assume em nós, adultos, é a perda da infância. As crianças ainda não têm a linguagem perdida da infância, estão demasiado próximas dela, por isso não a entendem.” Acho que Manuel António Pina tem toda a razão, mas fica a ressalva, feita pelo próprio: “Nada é decerto tão perigoso como a certeza de que se tem razão.” E como é bom ouvir pessoas que têm cada vez menos coisas para dizer.
TERMOINDINÂMICA
Desde ontem que não consigo aceder ao cabeçalho que permite iniciar a sessão no blogue e fazer modificações. Embora menos prática, descobri uma via alternativa entrando pelo perfil, mas a ansiedade tecnológica já se instalou. Não sou capaz de desfazer aquele espaço em branco que aparece no meio do texto do post anterior, e isso mexe com o meu perfeccionismo. Espero que a coisa não piore. É que este blogue tem pouco mais de dois meses e, sinceramente, parece-me demasiado cedo para enfrentar a lei da entropia.
Desde ontem que não consigo aceder ao cabeçalho que permite iniciar a sessão no blogue e fazer modificações. Embora menos prática, descobri uma via alternativa entrando pelo perfil, mas a ansiedade tecnológica já se instalou. Não sou capaz de desfazer aquele espaço em branco que aparece no meio do texto do post anterior, e isso mexe com o meu perfeccionismo. Espero que a coisa não piore. É que este blogue tem pouco mais de dois meses e, sinceramente, parece-me demasiado cedo para enfrentar a lei da entropia.
TRAPOS PORQUÊ?
Três dias e cerca de mil quilómetros depois (nunca mais me apanham a viajar até ao Pinhão em mini-bus…), regresso ao tema em que deixei o blogue: o XVIII Encontro de Literatura para Crianças na Fundação Calouste Gulbenkian, este ano dedicado “às diferentes línguas/linguagens faladas” dos livros para crianças e designado por “Palavra de Trapos”. Confesso: não gostei do nome escolhido. Apesar de ter ficado explícita a relação etimológica entre “texto”, “tecido”, “tecer”, “entrelaçamento” – sobretudo depois da intervenção de Ana Paula Guimarães, directora do Instituto de Estudos de Literatura Tradicional –, a ressonância da palavra “trapos” continua a ser mais forte, para mim. Trapos são restos, farrapos, sobras, pedaços de tecido barato, um material pobre. A literatura, incluindo aquela que damos a ler às crianças, deve ser o contrário disso, o contrário de todos esses livros feitos de “línguas de trapos”. Numa altura em que esta área ainda está a conquistar a sua legitimação, pergunto-me se o título “Palavra de Trapos” será o mais eficaz e apelativo, quando se trata de contrariar essa ideia generalizada de que para as crianças tudo serve, desde que tenha letras grandes e muita bonecada.
terça-feira, 16 de dezembro de 2008
CITY-BREAKS: DOURO
Agora gostava de estar na Gulbenkian, onde continua o XVIII Encontro de Literatura para Crianças, para ouvir o que estão a dizer dois dos meus autores portugueses favoritos: Manuel António Pina e Álvaro Magalhães. E também Rita Taborda Duarte, na sessão de encerramento. Mas por essa hora vou estar a caminho do Douro, para respirar ar puro e ver umas coisas bonitas como as da imagem acima. Também é bom. Até daqui a pouco.
domingo, 14 de dezembro de 2008
VENCEDOR DO PRÉMIO NEWBERRY EM FILME
Estou cautelosamente expectante quanto à adaptação de A Lenda de Despereaux para o cinema. O filme estreia na próxima quinta-feira, como vem sendo amplamente publicitado. Não vi o anterior – Por Causa de Winn-Dixie – mas também não fiquei com pena. Soou-me a demasiado açúcar para a escrita dolente e algo melancólica de Kate DiCamillo. Espero que se faça jus à obra de uma escritora que, para mim, está entre as mais estimulantes revelações desta década. Aqui fica o texto que escrevi para a Notícias Magazine, aquando da edição portuguesa de A Lenda de Despereaux (Gailivro):
“Durante anos, Kate DiCamillo disse a toda a gente que ia ser escritora. Durante anos, fez tudo o que podia para sobreviver, incluindo trabalhar num parque residencial de caravanas e vender cachorros-quentes. Tudo, menos escrever. O mais próximo que conseguiu foi um emprego na secção de literatura infantil de uma loja de livros em segunda mão. As razões do embargo criativo, velhas como a humanidade, resumiu-as à NM em poucas palavras: «Preguiça, medo, mais medo, mais preguiça. Triste, hã?».
Chega-se a um ponto em que a melhor maneira de transformar as coisas é torná-las insuportáveis, atirá-las para uma situação-limite onde a única fuga possível é para a frente. Pouco antes de fazer 30 anos, entre a incomodidade e a obsessão – e muitas leituras acumuladas desde o curso de inglês que concluíra na Universidade da Florida –, Kate DiCamillo começou finalmente a tentar escrever. Primeiro, histórias curtas, que enviava para as editoras e revistas, recebendo em troca respostas invariáveis com que inaugurou uma magnífica colecção de rejeições. Depois, com a ajuda de uma bolsa literária, uma dessas histórias cresceu para algo maior: Por Causa de Winn-Dixie, chamou-lhe.
Por Causa de Winn-Dixie, o livro, a vida começou a parecer-se com o que ela tinha imaginado. Um rafeiro com nome de supermercado (Winn-Dixie é uma cadeia de lojas muito popular no sul dos Estados Unidos) tornou-se protagonista de um conto que quis ser, segundo a autora, «um hino aos cães, à amizade e ao Sul». Mas podíamos acrescentar: aos livros, às mães e às pessoas autênticas que verdadeiramente nos inspiram. Publicado em 2000, pela Candlewick Press, ganhou mais de 40 prémios na área da literatura infanto-juvenil, atribuídos em dezenas de estados, desde a Califórnia a Nova Iorque. O reconhecimento estendeu-se aos tops de vendas e cruzou o Atlântico, provando que Kate DiCamillo não era só uma escritora do Sul dos Estados Unidos.
Gótico Americano
“Durante anos, Kate DiCamillo disse a toda a gente que ia ser escritora. Durante anos, fez tudo o que podia para sobreviver, incluindo trabalhar num parque residencial de caravanas e vender cachorros-quentes. Tudo, menos escrever. O mais próximo que conseguiu foi um emprego na secção de literatura infantil de uma loja de livros em segunda mão. As razões do embargo criativo, velhas como a humanidade, resumiu-as à NM em poucas palavras: «Preguiça, medo, mais medo, mais preguiça. Triste, hã?».
Chega-se a um ponto em que a melhor maneira de transformar as coisas é torná-las insuportáveis, atirá-las para uma situação-limite onde a única fuga possível é para a frente. Pouco antes de fazer 30 anos, entre a incomodidade e a obsessão – e muitas leituras acumuladas desde o curso de inglês que concluíra na Universidade da Florida –, Kate DiCamillo começou finalmente a tentar escrever. Primeiro, histórias curtas, que enviava para as editoras e revistas, recebendo em troca respostas invariáveis com que inaugurou uma magnífica colecção de rejeições. Depois, com a ajuda de uma bolsa literária, uma dessas histórias cresceu para algo maior: Por Causa de Winn-Dixie, chamou-lhe.
Por Causa de Winn-Dixie, o livro, a vida começou a parecer-se com o que ela tinha imaginado. Um rafeiro com nome de supermercado (Winn-Dixie é uma cadeia de lojas muito popular no sul dos Estados Unidos) tornou-se protagonista de um conto que quis ser, segundo a autora, «um hino aos cães, à amizade e ao Sul». Mas podíamos acrescentar: aos livros, às mães e às pessoas autênticas que verdadeiramente nos inspiram. Publicado em 2000, pela Candlewick Press, ganhou mais de 40 prémios na área da literatura infanto-juvenil, atribuídos em dezenas de estados, desde a Califórnia a Nova Iorque. O reconhecimento estendeu-se aos tops de vendas e cruzou o Atlântico, provando que Kate DiCamillo não era só uma escritora do Sul dos Estados Unidos.
Gótico Americano
E, no entanto, ela é mesmo uma escritora do Sul dos Estados Unidos. Nascida em Filadélfia, em 1964, aos cinco anos mudou-se para a Florida, onde cresceu, estudou e descobriu a sua «família literária». Por Causa de Winn-Dixie, a que se seguiu A Libertação do Tigre, publicado em 2001, são livros por onde passa a sombra do Southern Gothic, estilo impulsionado por toda uma fina linhagem de escritores do Sul (grande parte deles, mulheres), sob a presença tutelar de William Faulkner: Carson McCullers, Eudora Welty, Tennessee Williams, Harper Lee, Flannery O’Connor, Truman Capote, só para citar alguns. Se o contexto é regional – pequenas comunidades assoladas pelo abandono, famílias em serena desagregação, as ruínas de um passado orgulhoso perdido na guerra civil… –, as questões em causa são da maior amplitude moral. O que ficou nos livros de Kate DiCamillo, retirado o excesso de violência e grotesco dessa herança literária, foi um certo imaginário do desconforto; mas um desconforto em busca da sua cura e redenção, capaz de resistir a forças adversas e, ainda assim, manter a sua integridade singular. Na linguagem da psicologia, dir-se-á, talvez, resiliência.
Na literatura para crianças e jovens há uma longa tradição de heróis resilientes, desde Oliver Twist e outras torturadas personagens dickensianas à extraordinária Matilde, da obra homónima de Roald Dahl. Em Por Causa de Winn-Dixie, a heroína é India Opal Buloni, uma menina de dez anos que vive com o pai, pregador religioso, numa velha trailer home – esse tipo de caravanas que representam a residência fixa de milhões de norte-americanos das classes desfavorecidas. India não tem mãe; ou é como se não tivesse, uma vez que esta abandonou a família quando India era ainda muito pequena. O tema das mães «desaparecidas» continua no livro seguinte, A Libertação do Tigre, onde um rapaz de 12 anos, Rob Horton, se confronta com a necessidade de enfrentar as emoções provocadas pela morte prematura da mãe, um recalcamento espelhado na alegoria do tigre enjaulado.
Se Kate DiCamillo já esclareceu em entrevistas que a mãe está viva e de boa saúde, também não faz segredo sobre o facto de o pai ter saído de casa quando ela tinha cinco anos, acontecimento que lhe marcou a história familiar e, é fácil de ver, a escrita. Não se pode dizer que as maiores figuras de referência saiam muito bem tratadas nos seus livros: se as mães desapareceram, por um motivo ou outro, os pais são emocionalmente limitados, absorvidos pelas suas ocupações ou pela luta diária da sobrevivência. Ainda assim, ela evita juízos fáceis, mostrando que as pessoas nunca são uma só coisa e temperando a complexidade dos sentimentos com humor e ternura.
Uma galeria de excêntricos
O contraponto afectivo a esta realidade pouco promissora é dado não só pelos animais, como por outras personagens capazes de criar laços genuínos de amizade – também elas assombradas pelos fantasmas da solidão. Em Por Causa de Winn-Dixie, temos Miss Franny Block, a velha senhora «casada» com a sua biblioteca; Gloria Dump, uma negra quase cega com um passado pouco ortodoxo; e Otis, que trabalha numa loja de animais e prefere a música às palavras. Em A Libertação do Tigre, há Willie May, cujas feições lembram a actriz Halle Berry, mas que limpa quartos no motel Estrela do Kentucky; e há, sobretudo, Sistina Bailey, uma menina esperta e orgulhosa do seu nome, revoltada por ter mudado de casa (“Esta é uma cidade parola e estúpida, com professores parolos e estúpidos. Ninguém nesta escola toda sequer sabe o que é a Capela Sistina.»), e que também vive com os seus «tigres» por libertar.
O que tem em comum esta irmandade de excêntricos e inadaptados, tão bem decalcada do imaginário do Sul profundo? Entregues a si próprios, carregam o peso das memórias vividas e o esquecimento da América super-desenvolvida; pertencem à estirpe dos sobreviventes, não dos vencedores predestinados. Acima de tudo, contam consigo mesmos para se salvarem. Lembram-se do que aconteceu em Nova Orleães? Foi mais ou menos assim.
E quanto à Lenda de Despereaux, «a história de um rato, uma princesa, uma colher de sopa e um carrinho de linhas»? Publicado nos Estados Unidos em 2003, vendeu um milhão de exemplares e recebeu o prestigiado prémio Newberry para o melhor livro infanto-juvenil de 2004, tornando-se rapidamente um «favorito» de escolas e bibliotecas graças ao seu potencial narrativo e simbólico. Para quem leu os dois títulos anteriores, a primeira reacção pode ser de estranheza. Desta vez, os cenários mudaram: não há parques de caravanas, motéis e cafetarias, bosques e estradas secundárias, mas sim um tempo e espaço localizados na pura fantasia, de cujo interior Kate DiCamillo fez nascer uma sofisticada intriga. O universo animista da autora expandiu-se e colocou um rato no lugar de protagonista – mas o seu nome, Despereaux, é já um sinal inequívoco de que também ele pertence à raça dos sobreviventes.
Primeiro, Despereaux enfrentará a traição da família dos ratos; depois, as terríveis ratazanas dos subterrâneos do castelo. Pelo meio, encontrará uma princesa chamada Ervilha, uma criadita que quer ser princesa e um rei que governa o reino com soberana e majestática apatia. E ainda uma ratazana com nome renascentista, tocada pela visão da luz e pela ideia do sublime, que é o exemplo dessas personagens «más» de quem só apetece gostar. E mais não se pode dizer, a bem da surpresa do leitor. Despereaux, o último (e o único) da ninhada, vai ter de provar que merece ter ficado para contar a história.”
O trailer do filme pode ser visto aqui.
Na literatura para crianças e jovens há uma longa tradição de heróis resilientes, desde Oliver Twist e outras torturadas personagens dickensianas à extraordinária Matilde, da obra homónima de Roald Dahl. Em Por Causa de Winn-Dixie, a heroína é India Opal Buloni, uma menina de dez anos que vive com o pai, pregador religioso, numa velha trailer home – esse tipo de caravanas que representam a residência fixa de milhões de norte-americanos das classes desfavorecidas. India não tem mãe; ou é como se não tivesse, uma vez que esta abandonou a família quando India era ainda muito pequena. O tema das mães «desaparecidas» continua no livro seguinte, A Libertação do Tigre, onde um rapaz de 12 anos, Rob Horton, se confronta com a necessidade de enfrentar as emoções provocadas pela morte prematura da mãe, um recalcamento espelhado na alegoria do tigre enjaulado.
Se Kate DiCamillo já esclareceu em entrevistas que a mãe está viva e de boa saúde, também não faz segredo sobre o facto de o pai ter saído de casa quando ela tinha cinco anos, acontecimento que lhe marcou a história familiar e, é fácil de ver, a escrita. Não se pode dizer que as maiores figuras de referência saiam muito bem tratadas nos seus livros: se as mães desapareceram, por um motivo ou outro, os pais são emocionalmente limitados, absorvidos pelas suas ocupações ou pela luta diária da sobrevivência. Ainda assim, ela evita juízos fáceis, mostrando que as pessoas nunca são uma só coisa e temperando a complexidade dos sentimentos com humor e ternura.
Uma galeria de excêntricos
O contraponto afectivo a esta realidade pouco promissora é dado não só pelos animais, como por outras personagens capazes de criar laços genuínos de amizade – também elas assombradas pelos fantasmas da solidão. Em Por Causa de Winn-Dixie, temos Miss Franny Block, a velha senhora «casada» com a sua biblioteca; Gloria Dump, uma negra quase cega com um passado pouco ortodoxo; e Otis, que trabalha numa loja de animais e prefere a música às palavras. Em A Libertação do Tigre, há Willie May, cujas feições lembram a actriz Halle Berry, mas que limpa quartos no motel Estrela do Kentucky; e há, sobretudo, Sistina Bailey, uma menina esperta e orgulhosa do seu nome, revoltada por ter mudado de casa (“Esta é uma cidade parola e estúpida, com professores parolos e estúpidos. Ninguém nesta escola toda sequer sabe o que é a Capela Sistina.»), e que também vive com os seus «tigres» por libertar.
O que tem em comum esta irmandade de excêntricos e inadaptados, tão bem decalcada do imaginário do Sul profundo? Entregues a si próprios, carregam o peso das memórias vividas e o esquecimento da América super-desenvolvida; pertencem à estirpe dos sobreviventes, não dos vencedores predestinados. Acima de tudo, contam consigo mesmos para se salvarem. Lembram-se do que aconteceu em Nova Orleães? Foi mais ou menos assim.
E quanto à Lenda de Despereaux, «a história de um rato, uma princesa, uma colher de sopa e um carrinho de linhas»? Publicado nos Estados Unidos em 2003, vendeu um milhão de exemplares e recebeu o prestigiado prémio Newberry para o melhor livro infanto-juvenil de 2004, tornando-se rapidamente um «favorito» de escolas e bibliotecas graças ao seu potencial narrativo e simbólico. Para quem leu os dois títulos anteriores, a primeira reacção pode ser de estranheza. Desta vez, os cenários mudaram: não há parques de caravanas, motéis e cafetarias, bosques e estradas secundárias, mas sim um tempo e espaço localizados na pura fantasia, de cujo interior Kate DiCamillo fez nascer uma sofisticada intriga. O universo animista da autora expandiu-se e colocou um rato no lugar de protagonista – mas o seu nome, Despereaux, é já um sinal inequívoco de que também ele pertence à raça dos sobreviventes.
Primeiro, Despereaux enfrentará a traição da família dos ratos; depois, as terríveis ratazanas dos subterrâneos do castelo. Pelo meio, encontrará uma princesa chamada Ervilha, uma criadita que quer ser princesa e um rei que governa o reino com soberana e majestática apatia. E ainda uma ratazana com nome renascentista, tocada pela visão da luz e pela ideia do sublime, que é o exemplo dessas personagens «más» de quem só apetece gostar. E mais não se pode dizer, a bem da surpresa do leitor. Despereaux, o último (e o único) da ninhada, vai ter de provar que merece ter ficado para contar a história.”
O trailer do filme pode ser visto aqui.
sábado, 13 de dezembro de 2008
OITO PASSOS PARA CRIAR UMA BIBLIOTECA
Marcelo Maluf, escritor brasileiro, tem um blogue dedicado à literatura para os mais novos que é feita do outro lado do Atlântico, com entrevistas e links para autores. Chama-se Labirintos no Sótão (belo nome) e, entre outras coisas interessantes, há lá um post intitulado “Oito passos para criar uma biblioteca doméstica.” Gosto especialmente do sexto e do sétimo passos:
“Jamais cultue a sua biblioteca como um lugar sagrado, você pode afugentar os demônios dos livros.”
“Seja você escritor, poeta ou leitor, viva em sua biblioteca como um homem comum. Os livros não falam com gente que se leva a sério demais.”
Leia o resto aqui.
Marcelo Maluf, escritor brasileiro, tem um blogue dedicado à literatura para os mais novos que é feita do outro lado do Atlântico, com entrevistas e links para autores. Chama-se Labirintos no Sótão (belo nome) e, entre outras coisas interessantes, há lá um post intitulado “Oito passos para criar uma biblioteca doméstica.” Gosto especialmente do sexto e do sétimo passos:
“Jamais cultue a sua biblioteca como um lugar sagrado, você pode afugentar os demônios dos livros.”
“Seja você escritor, poeta ou leitor, viva em sua biblioteca como um homem comum. Os livros não falam com gente que se leva a sério demais.”
Leia o resto aqui.
O MUNDO É QUE EXAGERA?
A Planeta Tangerina publicou este ano Um Dia na Praia, um livro sem palavras que conta a história de um homem capaz de construir um barco só com o lixo recolhido na praia. Agora ficámos a saber que o homem existe mesmo, chama-se António Caló e andou por Tavira no Verão de 2007, antecipando o livro que outro dia acabou por descobrir, sem querer. O blogue da Planeta Tangerina conta tudo e mostra as fotografias do barco "verdadeiro", aqui. Nunca mais digam que "o mundo é que exagera"…
BIBLIOTECAS ASSÍRIO & ALVIM
“Porque para nós os livros não têm prazo de validade e nem só de novidades vivem os leitores, fomos ao fundo do nosso catálogo e seleccionámos mais de vinte pequenas «bibliotecas» temáticas e de autor que propomos, a preços muito reduzidos, para as suas prendas de Natal.”
Organizadas por autores (Al Berto, Alexandre O’Neill, Almada Negreiros, Fernando Pessoa…) ou por temas (“Sabores Exóticos”, “Literatura de Viagens”…), as mini-bibliotecas da Assírio & Alvim juntam muitos e bons livros de uma só vez. No catálogo também lá está a colecção Assirinha: 15 títulos, para sermos exactos, com autores tão indispensáveis como Manuel António Pina ou Jorge Sousa Braga. O conjunto custa 140 euros, menos 72 euros do que se pagaria normalmente. Para ver tudo, clique aqui. Para comprar os livros, é ir à morada da Rua Passos Manuel, 67-B, ou ao Largo de S. Carlos, 1, a partir de segunda-feira.
Organizadas por autores (Al Berto, Alexandre O’Neill, Almada Negreiros, Fernando Pessoa…) ou por temas (“Sabores Exóticos”, “Literatura de Viagens”…), as mini-bibliotecas da Assírio & Alvim juntam muitos e bons livros de uma só vez. No catálogo também lá está a colecção Assirinha: 15 títulos, para sermos exactos, com autores tão indispensáveis como Manuel António Pina ou Jorge Sousa Braga. O conjunto custa 140 euros, menos 72 euros do que se pagaria normalmente. Para ver tudo, clique aqui. Para comprar os livros, é ir à morada da Rua Passos Manuel, 67-B, ou ao Largo de S. Carlos, 1, a partir de segunda-feira.
HOJE NO DN E JN
O tempo não está bom para vender jornais, mas aqui fica a sugestão: hoje, no suplemento IN da Notícias Sábado, revista integrante do Diário de Notícias e Jornal de Notícias, um artigo de três páginas intitulado "Livro Infantil - Baloiços e Balanços". Com declarações de Alice Vieira, Luísa Beltrão, Miguel Gouveia (Bruaá) e Isabel Minhós Martins (Planeta Tangerina). Além de um guia - muito sucinto, hélas! - de sugestões de livros para o Natal, incluindo o clássico de Kenneth Grahame que fez cem anos em 2008: O Vento nos Salgueiros. À vossa consideração.
sexta-feira, 12 de dezembro de 2008
O FILME DO COSTUME
As ruas de Lisboa cheias de carros, mesmo ao fim-de-semana. As musiquinhas natalícias de aeroporto a tocar em todo o lado. As pessoas ainda mais impacientes e vulneráveis do que nos outros dias. Os prazos de fecho das revistas enlouquecidos. A conversa mentirosa do costume, “este ano não ofereço nada, está bem?” Os caixotes do lixo ainda mais cheios e as bolsas mais vazias. As convenções hipócritas da solidariedade sazonal. Os discursos institucionais de circunstância. O perigo acrescido de andar nas auto-estradas. A impossibilidade de escapar às conversas em família. O gigantesco bolo-rei ou o presépio da terrinha não sei das quantas que querem entrar para o Guinness. Os livros que se compram porque já vêm embrulhados com um laçarote piroso. Talvez isto soe a heresia para muita gente, mas acho o Natal e a respectiva ressaca uma seca e uma canseira. Só quero que chegue o dia 2 de Janeiro de 2009. Para quê? Logo se vê.
HOJE NÃO CONSIGO FALAR DESTE LIVRO
Há dez anos que não via a Mónica. O lançamento do Transa Atlântica, há meia dúzia de horas, na Fnac do Chiado, deixou-me sem fala. Sabem como é, quando o tempo passa e parece que ficou tudo intacto? Foi mais ou menos assim. Por exemplo um certo dia, não sei quando, era uma festa qualquer. Ela vestida de verde, uma roupa larga mas estranhamente elegante (quando uma mulher ruiva se veste de verde há que levá-la muito a sério, e não só por ser do Sporting). Eu, no gozo: “Estás um bocadinho Diane Keaton, não?” “É. Achas que se nota muito?”
Nota-se, darling. Mas não te preocupes em esconder nada, és linda assim. E ainda não li o teu livro, mas isto parece-me um bom ponto de partida:
“Se você gosta da Yoko Ono, não vai gostar deste livro. Se além da japonesa maluca, também gostar da Björk, esqueça. Ouviu? Esqueça.”
Nota-se, darling. Mas não te preocupes em esconder nada, és linda assim. E ainda não li o teu livro, mas isto parece-me um bom ponto de partida:
“Se você gosta da Yoko Ono, não vai gostar deste livro. Se além da japonesa maluca, também gostar da Björk, esqueça. Ouviu? Esqueça.”
quarta-feira, 10 de dezembro de 2008
PARA ESCAPAR AO PAI NATAL
MÚSICA PARA ACENDER ECLIPSES
Um quinteto francês, Les Fragments de la Nuit. Três violinos, um violoncelo e um piano. Musique du Crépuscule, chama-se o disco, que tem a particularidade de ser editado pela etiqueta portuguesa Equilibrium Music. Alguém o descreveu como uma “peça neoclássica ou obra pós-nocturna”, com influências de Philip Glass, Steve Reich, Arvo Part e Godspeed You! Black Emperor. Eu digo que é música para acender eclipses. Ouçam aqui.
terça-feira, 9 de dezembro de 2008
UM PEQUENO ACHADO
Este fim-de-semana, de passagem por uma loja de velharias em Belas, encontrei, por um euro, o Catalogue D’Objets Introuvables (Éditions André Balland, 1969) de Jacques Carelman, um dos "multicriativos" do meu imaginário. Ilustrador, pintor, escultor, cenógrafo, Carelman inventou, a partir de um catálogo de vendas, uma colecção de mais de 400 objectos do quotidiano que subvertem as regras internas da sua funcionalidade, ficando a meio caminho entre a lógica e o absurdo. Na capa acima reproduzida vemos, por exemplo, a cafeteira para masoquistas, a bicicleta dupla para enamorados, o garfo para comer esparguete (ou choucroute), a torneira-nariz para constipados e o martelo para alcançar "pregos inacessíveis”. Há muitos mais, hilariantes, como o pente para carecas, o selim-bidé, o lavatório vertical ou a máquina de escrever hieróglifos. Carelman foi convidado pelo Musée des Arts Décoratifs de Paris a mostrar os seus desenhos e, em vez disso, preferiu dar forma tridimensional a algumas dezenas deles, numa exposição que começou no Louvre, em 1972, e percorreu vários lugares do mundo (não sei se alguma vez esteve em Portugal). Para uma amostra parcial, clique aqui.
segunda-feira, 8 de dezembro de 2008
ISTO DÁ UMA CERTA PICA
No dia em que O Jardim Assombrado fez dois meses recebeu um Prémio Dardos. Não tem nada a ver com picadas ou alfinetadas, género “pontapés na incubadora” do Pedro Santana Lopes. Muito pelo contrário:
"O Prémio Dardos reconhece o valor de cada blogger ao transmitir valores culturais, éticos, literários ou pessoais e ao demonstrar, de alguma forma, a sua criatividade através do pensamento vivo que está e permanece intacto naquilo que escrevem. Por outro lado, esta é também uma forma de demonstrar carinho e reconhecimento por um trabalho que agregue valor à Web. Quem recebe o Prémio Dardos e o aceita deve seguir algumas regras:
1. - Exibir a imagem do Prémio Dardo;
2. - "Linkar" o blogue pelo qual recebeu o prémio;
3. - Escolher quinze outros blogues aos quais entregar o Prémio Dardos."
Ora bem, quem lançou o Dardo foi a Andreia Azevedo Soares, jornalista e autora do Bordado Inglês, um blogue convidado do Público, a quem agradeço e peço desculpa por só agora dar conta do recado. Escolher os 15 blogues é que é mais difícil. Porque eles estão quase todos na lista dos Blogues ao Sol, aí do lado direito. Há outros, mas não os leio assim tão regularmente. Questão de afinidades. Os meus blogues favoritos têm em comum a incidência na cultura e, em particular, nos livros e autores. Há, de certeza, muitos outros que vou gostar de descobrir, assim me chegue o tempo e a curiosidade. Para já, uma lista possível será esta:
1. Alcameh
2. Beattie’s Book Blog
3. Blog Operatório
4. Bibliotecário de Babel
5. Blogtailors
6. Bruaá
7. Cadeirão Voltaire
8. Da Literatura
9. Estado Civil
10. La Double Vie de Veronique
11. Ler
12. Mar Salgado
13. Planeta Tangerina
14. The Frontal Cortex
15. Vintage Children’s Books
O QUE É QUE SE DIZ? MAU GOSTO, TALVEZ
Quando os CTT se lançaram no inefável mundo das comunicações móveis, houve alguns senhores administradores (ou accionistas, não sei bem) que manifestaram o seu incómodo pelo nome do produto, uma declinação mariquinhas do vernáculo, que deu pelo nome de Phone-ix. Eu acho que pior do que dizer asneiras, é dizê-las mal, mas o aqui o caso é outro. É puro e simples mau gosto pimba. Mais ainda com esta campanha de Natal, em que uma menina graciosa agradece o presente ao papá, com a frase que se lê na imagem acima. Giro, não é? Daqui a uns anos, se não a estragarem com mimos, talvez ela pergunte aos pais (aos pais de verdade) se estavam assim tão necessitados de dinheiro para a porem a fazer esta triste figura. E o que é que eles lhe vão dizer? Phone-ix, sei lá.
UM LIVRO PARA TIM BURTON
Oswald e o Fim do Mundo, de Andrew Strong, é um daqueles livros cuja capa, porventura demasiado infantil, pode afastar um destinatário adolescente ou pré-adolescente, capaz de tirar maior partido da multiplicidade de sentidos e da riqueza de linguagem. Daria uma excelente adaptação cinematográfica pela mão de Tim Burton. O texto que se segue foi publicado na edição de Dezembro da revista LER.
Oswald e o Fim do Mundo
Andrew Strong
Presença
"Mas que maneira de morrer, ser engolido vivo por uma criatura marinha." Começa assim, numa evocação de Pinóquio, a aventura de Oswald com um pai excêntrico e perturbado – ou, tal como aquele o descreve, "um trapaceiro barbudo, louco e mentiroso, um vigarista absurdo". Não é comum ver figuras parentais retratadas de modo quase implacável, mas essa é apenas uma das originalidades de Oswald e o Fim do Mundo. Outra, são os cenários de Idlegreen, provavelmente inspirados pelas vivências do autor, que diz habitar "no meio de nada", no País de Gales. Idlegreen é uma espécie de Terra do Nunca distópica, onde coabitam figuras prepotentes e ridículas, famílias disfuncionais e grupos subversivos. Herói hesitante, Oswald resiste ao papel de messias pré-apocalíptico, numa história que é afinal uma parábola social sobre o confronto do espírito humano com a crença e o medo. Menos claro é o destinatário do livro. Andrew Strong escreve muito bem, a tradução competente de Jorge Freire ajuda, mas as longas descrições e o ritmo da narrativa podem cansar um leitor mais infantil. Já os fãs de Tim Burton, Neil Gaiman ou Lemony Snicket sentir-se-ão em casa.
Oswald e o Fim do Mundo
Andrew Strong
Presença
"Mas que maneira de morrer, ser engolido vivo por uma criatura marinha." Começa assim, numa evocação de Pinóquio, a aventura de Oswald com um pai excêntrico e perturbado – ou, tal como aquele o descreve, "um trapaceiro barbudo, louco e mentiroso, um vigarista absurdo". Não é comum ver figuras parentais retratadas de modo quase implacável, mas essa é apenas uma das originalidades de Oswald e o Fim do Mundo. Outra, são os cenários de Idlegreen, provavelmente inspirados pelas vivências do autor, que diz habitar "no meio de nada", no País de Gales. Idlegreen é uma espécie de Terra do Nunca distópica, onde coabitam figuras prepotentes e ridículas, famílias disfuncionais e grupos subversivos. Herói hesitante, Oswald resiste ao papel de messias pré-apocalíptico, numa história que é afinal uma parábola social sobre o confronto do espírito humano com a crença e o medo. Menos claro é o destinatário do livro. Andrew Strong escreve muito bem, a tradução competente de Jorge Freire ajuda, mas as longas descrições e o ritmo da narrativa podem cansar um leitor mais infantil. Já os fãs de Tim Burton, Neil Gaiman ou Lemony Snicket sentir-se-ão em casa.
sexta-feira, 5 de dezembro de 2008
CAFÉS LITERÁRIOS NAS CALDAS DA RAINHA
Já aqui falámos da Loja 107, nas Caldas da Rainha, uma daquelas livrarias de autor que suscitam cultos e fidelidades prolongadas. A alma da casa chama-se Isabel Castanheira e tem duas paixões bem conhecidas, além dos livros: gatos e Rafael Bordalo Pinheiro. Quem lá entra, não pode deixar de reparar na colecção de bonecos de barro e cerâmica caldense, da qual faz parte a figura que se vê nesta fotografia.
Pela Loja 107 têm passado dezenas de escritores (veja-se aqui o álbum de fotografias) que gostam de cultivar o hábito de “conhecer” as pessoas que os lêem. Todos ganham com isso. Agora com extensão à cafetaria do novo Centro Cultural e de Congressos das Caldas da Rainha, os Cafés Literários organizados pela Loja 107 acontecem neste sábado, às 17h00, com a apresentação do livro A Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha. Estarão presentes duas das autoras: Cristina Horta (directora do Museu de Cerâmica) e Elsa Rebelo. Na sexta-feira da semana que vem, às 21h30, o convidado será de peso: António Lobo Antunes, para falar sobre O Arquipélago da Insónia.
Ah, a Isabel Castanheira tem também um blogue que vale a pena visitar: Cavacos das Caldas. Há lá mais pormenores sobre o que vai acontecer.
Pela Loja 107 têm passado dezenas de escritores (veja-se aqui o álbum de fotografias) que gostam de cultivar o hábito de “conhecer” as pessoas que os lêem. Todos ganham com isso. Agora com extensão à cafetaria do novo Centro Cultural e de Congressos das Caldas da Rainha, os Cafés Literários organizados pela Loja 107 acontecem neste sábado, às 17h00, com a apresentação do livro A Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha. Estarão presentes duas das autoras: Cristina Horta (directora do Museu de Cerâmica) e Elsa Rebelo. Na sexta-feira da semana que vem, às 21h30, o convidado será de peso: António Lobo Antunes, para falar sobre O Arquipélago da Insónia.
Ah, a Isabel Castanheira tem também um blogue que vale a pena visitar: Cavacos das Caldas. Há lá mais pormenores sobre o que vai acontecer.
quinta-feira, 4 de dezembro de 2008
O ABANDONO DA IMAGINAÇÃO
Via Bruaá, esta campanha genial de promoção da leitura, desenvolvida pela Fundação de Alfabetização do Canadá e concebida pela agência Beaublancrouge. Peter Pan e Cinderela no hospital, doentes e envelhecidos. Causa do agravamento dos sintomas: abandono prematuro. "Quando uma criança não lê, a imaginação desaparece." Terapia aconselhada: livros. Não tem contra-indicações.
quarta-feira, 3 de dezembro de 2008
EQUÍVOCOS DA ESCRITA “PARA CRIANÇAS”
Perguntam-me, às vezes, se penso escrever um dia “para adultos”, como se escrever livros “para crianças” fosse uma espécie de tubo de ensaio para a escrita a sério. É um raciocínio equivocado a priori, mas compreende-se. Apesar de a quantidade de maus livros publicados numa área e noutra ser provavelmente equivalente, ainda vigora a ideia de que toda a gente sabe escrever “para crianças”, a começar pelas figuras públicas – com resultados que estão à vista e são, regra geral, sofríveis. Nunca digo desta água não beberei, mas não tenho planos imediatos para escrever romances ou ensaios. O que eu gostava era de fazer livros como um Roald Dahl, uma Kate DiCamillo, um Maurice Sendak, um Peter Sís, um Anthony Browne, uma Babette Cole, um Neil Gaiman, um Max Velthuijs, um Shel Silverstein. Este céu é que é o meu limite. E não é querer pouco.
Perguntam-me, às vezes, se penso escrever um dia “para adultos”, como se escrever livros “para crianças” fosse uma espécie de tubo de ensaio para a escrita a sério. É um raciocínio equivocado a priori, mas compreende-se. Apesar de a quantidade de maus livros publicados numa área e noutra ser provavelmente equivalente, ainda vigora a ideia de que toda a gente sabe escrever “para crianças”, a começar pelas figuras públicas – com resultados que estão à vista e são, regra geral, sofríveis. Nunca digo desta água não beberei, mas não tenho planos imediatos para escrever romances ou ensaios. O que eu gostava era de fazer livros como um Roald Dahl, uma Kate DiCamillo, um Maurice Sendak, um Peter Sís, um Anthony Browne, uma Babette Cole, um Neil Gaiman, um Max Velthuijs, um Shel Silverstein. Este céu é que é o meu limite. E não é querer pouco.
terça-feira, 2 de dezembro de 2008
UM LIVRO RARO: THE FOOL AND THE VANISHER
The Mistery of the Fool and the Vanisher estava na secção de livros para crianças de uma livraria anódina em Dublin, mas poderia também encontrar-se junto à fotografia ou à banda desenhada, pelo menos. É uma novela gráfica absolutamente fascinante, que leva até aos limites o conceito de “suspensão da descrença”. Porque tendemos a acreditar na fotografia, tomando-a como prova fidedigna da realidade, torna-se difícil (querer) distinguir aqui o verdadeiro do falso, o autêntico do forjado. No limite, claro que tudo é invenção dos autores, David e Ruth Ellwand, mas a concepção do livro é tão engenhosa que balançamos na fronteira da verosimilhança. Fotografias actuais combinam-se com outras que imitam (?) processos antigos, como a daguerreotipia, e surgem pelo meio do texto objectos tão improváveis como uma armadura de conchas ou um capacete minúsculo feito de casca de caracol, com duas patas de ave incrustadas. Tudo rigorosamente legendado, como num livro técnico.
Sem querer contar demasiado, a história compreende dois tempos distintos, separados por mais de cem anos, e estrutura-se como um diário pessoal dentro de outro diário. O autor, fotógrafo, em passeio por uma região de bosques misteriosos (outros ou os mesmos de Conan Doyle ou Tolkien, Winnie-the-Pooh ou O Vento nos Salgueiros), encontra uma velha caixa numa casa em ruínas. Lá dentro, há vestígios de um mundo perdido: uma gravação de voz, uma máscara grotesca, um par de óculos com duas pedras furadas no lugar das lentes, uma série de objectos estranhos e um álbum-diário com velhas fotografias em tons de sépia. A caixa pertencia a Isaac Wilde, “artist and fairy seeker”, também ele fotógrafo, pouco recompensado financeiramente. Em Janeiro de 1889, Wilde é recrutado para um projecto de pesquisa arqueológica numa antiga mina abandonada, onde subsistem lendas e crenças populares acerca dessa espécie de seres elementais a que chamam “pixies”. Para o Dr. Gibson Gayle, director do projecto, as crenças não passam disso mesmo, e o seu comportamento crescerá em impaciência e desprezo para com Wilde. Enquanto um vê a fotografia como uma mera técnica ao serviço da ciência, o outro mergulha na obsessão de registar em daguerreótipo (o primeiro processo fotográfico que se impôs pelo rigor e qualidade) as evidências de um mundo paralelo habitado por “little people”. Os óculos funcionam como porta de passagem e guardam o seu perigo e o seu segredo, como se verá. Um ou mais desaparecimentos – daí o título, The Fool and The Vanisher – precipitam o final da história, passível de várias interpretações. Quem é “o louco” no meio disto tudo, é coisa que também não é fácil decidir.
The Mistery of the Fool and The Vanisher, de David e Ruth Ellwand, Walker Books, 2008.
À venda na Amazon. O trailer pode ser visto no You Tube.
Sem querer contar demasiado, a história compreende dois tempos distintos, separados por mais de cem anos, e estrutura-se como um diário pessoal dentro de outro diário. O autor, fotógrafo, em passeio por uma região de bosques misteriosos (outros ou os mesmos de Conan Doyle ou Tolkien, Winnie-the-Pooh ou O Vento nos Salgueiros), encontra uma velha caixa numa casa em ruínas. Lá dentro, há vestígios de um mundo perdido: uma gravação de voz, uma máscara grotesca, um par de óculos com duas pedras furadas no lugar das lentes, uma série de objectos estranhos e um álbum-diário com velhas fotografias em tons de sépia. A caixa pertencia a Isaac Wilde, “artist and fairy seeker”, também ele fotógrafo, pouco recompensado financeiramente. Em Janeiro de 1889, Wilde é recrutado para um projecto de pesquisa arqueológica numa antiga mina abandonada, onde subsistem lendas e crenças populares acerca dessa espécie de seres elementais a que chamam “pixies”. Para o Dr. Gibson Gayle, director do projecto, as crenças não passam disso mesmo, e o seu comportamento crescerá em impaciência e desprezo para com Wilde. Enquanto um vê a fotografia como uma mera técnica ao serviço da ciência, o outro mergulha na obsessão de registar em daguerreótipo (o primeiro processo fotográfico que se impôs pelo rigor e qualidade) as evidências de um mundo paralelo habitado por “little people”. Os óculos funcionam como porta de passagem e guardam o seu perigo e o seu segredo, como se verá. Um ou mais desaparecimentos – daí o título, The Fool and The Vanisher – precipitam o final da história, passível de várias interpretações. Quem é “o louco” no meio disto tudo, é coisa que também não é fácil decidir.
The Mistery of the Fool and The Vanisher, de David e Ruth Ellwand, Walker Books, 2008.
À venda na Amazon. O trailer pode ser visto no You Tube.
segunda-feira, 1 de dezembro de 2008
COMUNIDADE DE LEITORES CULTURGEST EM BLOGUE
Já assumi aqui que fazia parte dos suspeitos do costume na Comunidade de Leitores da Culturgest, coordenada pela Helena Vasconcelos. A minha opinião é, por isso, afectiva e abertamente facciosa. Os leitores poderão tirar as suas conclusões visitando o blogue recém-criado, aqui. E, quem sabe, abalançarem-se para a leitura das obras a partilhar entre Janeiro e Março do ano que vem. Tema: “O Dinheiro e/ou a Felicidade?”. Respondem Alain de Botton, Martin Amis , F. Scott Fitzgerald, Henry James, Marguerite Duras e Jane Austen.
Já assumi aqui que fazia parte dos suspeitos do costume na Comunidade de Leitores da Culturgest, coordenada pela Helena Vasconcelos. A minha opinião é, por isso, afectiva e abertamente facciosa. Os leitores poderão tirar as suas conclusões visitando o blogue recém-criado, aqui. E, quem sabe, abalançarem-se para a leitura das obras a partilhar entre Janeiro e Março do ano que vem. Tema: “O Dinheiro e/ou a Felicidade?”. Respondem Alain de Botton, Martin Amis , F. Scott Fitzgerald, Henry James, Marguerite Duras e Jane Austen.
A ÁRVORE GENEROSA
Durante quatro anos, ele parou de fotografar, por distracção ou fastio. Até que uma árvore morta se colou à sua sombra, para que ele reaprendesse a olhar para o mundo. Chamou-lhe My Friend the Dead Tree. E tirou-lhe centenas de fotografias, como se fosse a primeira namorada.
Durante quatro anos, ele parou de fotografar, por distracção ou fastio. Até que uma árvore morta se colou à sua sombra, para que ele reaprendesse a olhar para o mundo. Chamou-lhe My Friend the Dead Tree. E tirou-lhe centenas de fotografias, como se fosse a primeira namorada.
Subscrever:
Mensagens (Atom)