segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

LER VEZES CEM


"José Saramago não é o maior escritor português da actualidade. Para mim, esse é, de longe, António Lobo Antunes. É um gigante. Teria algum pudor em me encontrar com ele para o conhecer, e, contudo, adoraria conhecê-lo. Ele é um grande e Portugal não lhe deu ainda o devido reconhecimento. Devia ter ganho o Nobel há já algum tempo. Mas não aconteceu. Por causa de Saramago. Deviam ter ganho ambos, em partilha. Mas não está completamente arredado dessa atribuição."

"Onde existir um iPad, a internet e as redes sociais não é possível o isolamento. As coisas estão a mudar rapidamente. A revolução da informação é também uma revolução política e ideológica. Já não é possível aniquilar grupos de homens, construir muros, barreiras de separação que funcionem realmente."

Declarações de George Steiner, um dos grandes pensadores do nosso tempo, que a LER publica em exclusivo na edição especial nº 100, à venda na próxima quinta-feira.

O OSCAR QUE NÃO FOI UM ACIDENTE



À partida, sou devota de qualquer filme que tenha acento very british e Colin Firth no elenco, mas o Oscar que me deu mais satisfação foi para o melhor longo documentário: Inside Job – A Verdade da Crise, uma reconstituição do megaprocesso de engenharia financeira, económica e política que, desde os anos 1980, perpetrou a desregulamentação e o colapso do sistema bancário tal como o conhecíamos, originando a famosa “crise”. Não, não foi uma crise acidental, como pensa a minha mãe. Sim, houve culpados, desde altas figuras de Estado e eméritos professores de Harvard e Columbia até aos patos-bravos de Wall Street; gente sem consciência nem vergonha na cara que ontem coleccionava jactos privados e hoje responde com a maior cara de pau às perguntas que lhes fazem, apalpando no bolso as carteiras recheadas de indemnizações chorudas. Money, money, money. Dirty money. Sabiam que experiências científicas demonstram que ganhar dinheiro e consumir cocaína activa a mesma parte do cérebro? Curiosa coincidência. Como escreveu um crítico do Boston Globe, o filme é “mais assustador do que qualquer coisa que Wes Craven e John Carpenter já tenham feito”. Para que serve? Por exemplo, para que o Zé-pagante comece a pensar duas vezes antes de aceitar um folheto de propaganda de qualquer coisa e assinar de cruz. Subscrevo o que diz Eduardo Pitta no Da Literatura: era bom que o Oscar trouxesse o filme de volta às salas de cinema. Que passasse na televisão a horas decentes. Que fosse dado nas escolas. Infelizmente, o programa vigente é o da idiotização geral. Dá muito jeito, pois claro. Segurem-se e vejam o trailer.

LULU E O BRONTOSSAURO


“Era uma vez uma menina chamada Lulu, e a Lulu era uma seca. Não era uma seca para comer. Não era uma seca para vestir. Era uma seca – uma grande seca – para tudo.

Lulu era filha única e os pais davam-lhe tudo o que ela queria. E agora, adivinhem. Lulu queria TUDO. Toneladas de guloseimas. Toneladas de brinquedos. Toneladas de horas de desenhos animados. E se o pai e a mãe lhe dissessem (e raramente diziam), «Desculpa, querida, mas agora já chega», Lulu guinchava até que as lâmpadas explodissem, atirava-se para o chão e esbracejava e dava pontapés. E logo o pai e a mãe concordavam: «Está bem, só por esta vez», e lá lhe davam o que ela queria.”

Começa assim o primeiro capítulo de Lulu e o Brontossauro, um livro delicioso – no estilo da escrita, na elaboração da história, no sentido de humor, nas ilustrações – que tive o prazer de traduzir; e, no caso das canções, de adaptar o melhor que me foi possível. Saiu o ano passado, pela Simon & Schuster, com a assinatura de dois autores norte-americanos de renome e diferentes gerações: Judith Viorst (texto) e Lane Smith (ilustrações). Lane é um nome masculino, embora não pareça, e talvez o reconheçam facilmente por causa do booktrailer que circulou por aí exaustivamente, It’s a Book (podem revê-lo aqui), cujo livro também será publicado em português. Quanto a Lulu e o Brontossauro, é um daqueles títulos para crianças que os adultos gostarão de ler, e julgo que se presta muitíssimo a ser contado em voz alta. Sairá em breve, com a chancela da Gailivro.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

CHRISTCHURCH, 2004


No lado direito deste blogue há uma etiqueta intitulada “Nova Zelândia”, porventura estranha no meio da nuvem de palavras que revelam as preferências de quem o escreve: “Livros”, “Ilustração”, “Bibliotecas”, “Promoção da leitura”, “Escritores”, “Jornalismo” e outras que tais. Está ali porque um blogue é também uma espécie de diário gráfico para os destituídos do talento de desenhar, e que ainda assim gostam de organizar os dias valendo-se de imagens registadas por outros, sem que grande mal advenha disso – a não ser, talvez, uma atitude permissiva em relação aos direitos de autor. Dito de forma mais simples, está ali porque é importante. Porque a Nova Zelândia incorpora o meu imaginário geográfico e o meu conceito de “lugar seguro”, como tentei explicar neste post.

Nos últimos dias, chegaram notícias do sismo que abalou Christchurch, a maior cidade da ilha sul da Nova Zelândia – que, talvez não seja inútil lembrar, são os nossos exactos antípodas. Simbolicamente, é uma ideia fortíssima. Do ponto de vista geológico, não sei – e creio que ninguém sabe – que implicações terá para Portugal e para a estabilidade das ingovernáveis placas tectónicas. Abalados e ingovernáveis andamos nós, de resto. A avaliar pela ausência de comentários no Público online – um barómetro das volúveis pulsações colectivas –, o sismo da Nova Zelândia não é notícia que importe muito. Não tem impacto directo nas nossas vidinhas. Não tem a dimensão de tragédia e do horror do sismo que destruiu o Haiti. A distância geográfica e o conforto civilizacional (“é um país decente, sem corrupção, a coisa há-se compor-se…”) geram uma relativa indiferença para com o número de mortos e desaparecidos – que ultrapassam as três centenas, neste momento. E, depois, há aquele consolo tão pouco humanitário – mas, ainda assim, tão humano na sua desculpabilização – que os media se encarregam de repetir ad nauseam: “Não há notícias de portugueses entre as vítimas.”

Enquanto jornalista, confesso ter sérias dúvidas quanto à pertinência da maior parte de notícias catastróficas que a agenda mediática nos impõe, todos os dias. Mas não quero parecer cínica. Se tenho evitado ver imagens do sismo que destruiu Christchurch, é apenas porque amo demasiado esta cidade, se é que se pode amar demasiado alguma coisa. No dia em que esta fotografia foi tirada, em Janeiro de 2004, eu fazia 35 anos e estava “estupidamente feliz”. Com este já vão dois lugares-comuns. Fico-me por aqui, que este post já vai longo e não me está a sair muito bem. Entre ser cínica ou sentimental, venha o diabo e escolha.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

PRÉMIOS BOLONHA 2011





Aí estão os prémios e menções para os melhores livros para crianças atribuídos no âmbito da próxima Feira do Livro Infantil de Bolonha, nas categorias Ficção, Não Ficção, Novos Horizontes e Primeira Obra. É só clicar para saber tudo. Gostamos especialmente da primeira capa, à volta das fábulas de Esopo.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

A ANITA VAI TER TUDO


O que é que a Anita tem? Tudo. Se não tem, mais cedo ou mais tarde, vai ter. Um baile de flores, uma bicicleta nova, uma volta no carrocel, uma aula de ballet, um bilhete para o circo, uns patins de esqui, uma viagem de avião. A Anita vai ter tudo, sem medo algum. É assim desde 1954, quando dois autores belgas, Marcel Marlier e Gilbert Delahaye, lhe determinaram um destino fulgurante junto de milhões de leitores. Chamaram-lhe Martine – e Martine chamou-se Martita em espanhol, Cristina em italiano, Debbie em inglês e Anita em português. Se fosse de carne e osso, hoje, seria uma mulher empreendedora e elegante, bon chic, bon genre, usaria os melhores cosméticos e recorreria à cirurgia estética para se manter como é: não menos do que perfeita. Talvez orientasse workshops de desenvolvimento pessoal, explicando os sete passos infalíveis para o sucesso. Talvez tivesse uma empresa de packs de experiências – negócio de que foi percursora, sem o saber –, desses que vendem passeios de balão ou limousine, noites em «hotéis de sonho» e aventuras radicais a dois. Tudo de acordo com a moral e os bons costumes, como lhe ensinaram em pequena, num mundo cor-de-rosa onde as personagens adultas são meros figurantes da felicidade. Não reprimem, não criticam, não impõem limites e, a bem dizer, não educam. Uma espécie de Terra do Nunca, mas com dinheiro e sem piratas. Há, nesta fantasia de liberdade, um belo-horrível que ensombra os suaves tons pastéis de Marcel Marlier. Pode não se ver, mas está lá.

(Texto publicado na edição de 20 de Fevereiro da Notícias Magazine, revista de domingo no DN e JN, na secção "Nostalgia".)

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

COMO ESCOLHER LIVROS PARA CRIANÇAS

Quase no fim de 2010, surgiu no Parque das Nações a livraria Cabeçudos, de que já falámos aqui. Agora que o Inverno se desvanece e as coisas começam a mexer, vale a pena estar atento à agenda de actividades paralelas, tanto para crianças como para pais e educadores (e público em geral). Também estamos incluídos. No lado direito d’O Jardim Assombrado encontra-se a referência à oficina “Como Escolher Livros Para Crianças”, marcada para a manhã de 12 de Março, um sábado. A ideia, em duas palavras, é explicar como é que a fórmula CONHECIMENTO + VALORES pode ajudar a decidir quando se trata de escolher livros para crianças. Se quiser saber mais, clique aqui.

CONCURSO LITERÁRIO DE CONTO INFANTIL

Gaula, freguesia da ilha da Madeira, foi buscar o nome ao mais célebre romance de cavalaria da Península Ibérica, Amadis de Gaula. Quem quiser candidatar-se ao concurso literário de conto infantil Padre Alfredo Viera de Freitas deve apresentar uma recriação dessa lenda ou, em alternativa, da Lenda das Amoras. Podem concorrer todos os cidadãos de nacionalidade portuguesa, com ou sem livros editados, embora se dê preferência a estes últimos. O prazo de envio dos originais foi prolongado até 31 de Março e todos os pormenores do regulamento podem ser consultados aqui.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

PRÉMIOS SPA/RTP: A PLENITUDE DA CONTRADIÇÃO


A atribuição de um prémio a autores de literatura infanto-juvenil (LIJ) deve dar-nos motivos para congratulações, mas é bom que não percamos a capacidade de pensar, para poder fazer cada vez melhor. A Andreia Brites já colocou a questão n'O Bicho dos Livros, ao perguntar “se o autor de um álbum é tanto aquele que escreve como aquele que ilustra”. Estamos perante o problema da interpretação dos textos, no sentido lato de “texto”, que é imanente e estrutural à LIJ.

Ao premiar Afonso Cruz, simultaneamente autor do texto, da ilustração (e do conceito) de A Contradição Humana, a Sociedade Portuguesa de Autores/RTP acrescentou ainda mais confusão aos critérios estabelecidos o ano passado (sobre isto, escrevi aqui e aqui). Se, por um lado, houve muito mais coesão global nas três obras concorrentes, todas de qualidade indubitável (O Livro dos Quintais, Pinguim e A Contradição Humana); por outro, a distinção de Afonso Cruz enquanto autor do texto – porque é o texto que a SPA distingue, esquecendo totalmente os ilustradores – parece-me algo especiosa.

Se há aqui livro que não pode ser minimamente avaliado à revelia da sua componente plástica – e refiro-me à ilustração, ao grafismo, à tipografia e a todos os elementos peritextuais –, esse livro é A Contradição Humana. Se queriam um livro de autor, ele aí está, puríssimo e original. Mas voltamos a ter, por razões diferentes das do ano passado, condições de partida que não são equivalentes para as três obras. O Livro dos Quintais, com texto de Isabel Minhós Martins e ilustrações de Bernardo Carvalho, é um picture book (ou álbum). Pinguim, escrito por António Mota e ilustrado por Alberto Faria é, segundo a designação habitualmente adoptada, um livro “profusamente ilustrado”. Com um público-alvo impossível de balizar (outra marca da LIJ), A Contradição Humana é também um picture book; mas, mais do que em qualquer outro caso, apetece perguntar: quem é que a SPA está a premiar, o autor do texto ou da ilustração? A única forma de resolver isto é afinar ainda mais os critérios de selecção e atribuir um prémio (ou dividi-lo) a ambos, escritor e ilustrador, trazendo mais paridade e legitimação cultural a processos de autoria partilhados – porque é disso que falamos quando falamos de picture books.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

FALAR DE LIVROS NA BULHOSA DE CAMPO DE OURIQUE


Mais uma tertúlia dinamizada pela livreira Ana Rita Fernandes. Esta quarta-feira, às 18h00, na livraria Bulhosa de Campo de Ourique.

FACTOS E NÚMEROS

Julia Donaldson (O Grufalão) é a escritora mais requisitada nas bibliotecas do Reino Unido. Sete em cada dez autores – dos mais requisitados – escrevem livros para crianças. Via The Guardian.

NOVA EDITORA DE BRAGA: PALETA DE LETRAS


Porque é que os Animais Não Conduzem? é o primeiro livro “oficial” de uma nova editora implantada em Braga desde o início deste ano. “Oficial” porque já detém mais quatro títulos prévios, todos assinados pelo mesmo autor, que acumula as funções de escritor e ilustrador (além de gestor financeiro e editorial): Pedro Seromenho. Mas, segundo o press-release enviado pela agência de comunicação, “é também missão da nova editora apostar em jovens escritores portugueses e da região Minho, assim como do imaginário infanto-juvenil.” Para já, é o que se pode adiantar. Aguardamos que Porque é que os Animais Não Conduzem? estacione na nossa caixa de correio.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

DOBRADINHA EMILY GRAVETT



Um lobo que não morde (bem... não garanto) e um rato atormentado por uma série de fobias, incluindo hipopotomonstrosesquipedaliofobia, o medo das palavras grandes (sim, existe!), aparecem nos dois primeiros livros de Emily Gravett a chegar a Portugal, pela mão da Livros Horizonte. Diverti-me muitíssimo a traduzir o segundo, Grande Livro dos Medos do Pequeno Rato, pela criatividade exigida. Também precisei de usar uma lupa para ler as letras mais pequenas. Curiosos? Podem encontrá-lo na Livraria O Queijo, Centro Comercial Ratoeira, Loja 3, em A-dos-Ratos.

PORQUINHOS EM CASCAIS


Ao contrário do post anterior, a notícia diz respeito a este sábado, 19 de Fevereiro. Na livraria Bulhosa Cascais Villa, às 16h30, a escritora Luísa Ducla Soares conta a história dos Três Porquinhos, segundo a versão «não alinhada», agora publicada pela Civilização, que assinou em conjunto com a ilustradora Maria João Lopes. Eu gostava de ver as reacções dos miúdos, confesso.

PERDIDO E ACHADO NO CALHARIZ


Não é este sábado, é o próximo. Mas marquem já na agenda o dia 26 de Fevereiro, quando a Biblioteca Municipal Camões (Largo do Calhariz, junto ao Elevador da Bica, em Lisboa) acolhe o lançamento do último livro da colecção Orfeu Mini – Perdido e Achado, de Oliver Jeffers. Haverá um contador de histórias, uma oficina de ilustração e o visionamento da curta-metragem de animação feita a partir do livro – que é uma pequena maravilha, garantimos. A entrada é livre para miúdos e graúdos. Às 16h00.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

SUSANNE JANSSEN EM PORTUGUÊS


Já sabíamos da “boa nova”, mas estávamos à espera de confirmação oficial. E esta chegou: a Bags of Books vai trazer para Portugal o extraordinário Hansel et Gretel, publicado pelas Éditions Être em 2007 e distinguido nesse mesmo ano com o Prémio Ilustrarte. Discípula de Wolf Erlbruch, a ilustradora Susanne Janssen interpretou o conto popular recolhido pelos Irmãos Grimm – dado à estampa em 1812 – com uma grande profundidade simbólica que nos reenvia para a tradição da arte clássica do Ocidente. A preciosidade chegará em Outubro deste ano. Aguardem pacientemente.

NOVIDADES NA BLOGOSFERA

Dois escritores e um director de arte estreiam-se ou reincidem na blogosfera. David Machado acabou de inaugurar um blogue com o seu nome e António Cabrita pôs o Raposas a Sul a correr em Janeiro, o mesmo mês em que o Jorge Silva lançou o Almanaque Silva, onde dá a conhecer relíquias de arquivo e histórias da ilustração portuguesa.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

TURBULÊNCIAS

Não, O Jardim Assombrado não está abandonado. Mas, dadas as actuais condições atmosféricas, está a ser difícil praticar a jardinagem. As minhas desculpas aos leitores, habituais e ocasionais. Só mais um pouco de paciência. Volto já.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

O MUNDO DE CALLUM


Uma das características dos livros para crianças e adolescentes radica, como afirma Peter Hunt em Crítica, Teoria e Literatura Infantil (Cosac Naify), na “sua falta de «pureza» genérica”; ou seja, na confluência de vários registos comunicativos que não exclusivamente o literário. Para muitos, esta é condição suficiente para a sua menorização. Recém-editado entre nós, Conspiração 365, da australiana Gabrielle Lord, é um bom exemplo dessa permeabilidade de géneros: é um livro, mas está estruturado como uma série de televisão – cruzamento de O Fugitivo com 24 Horas –, inclui diálogos de telemóvel com mensagens abreviadas e um final em aberto que espelha toda a retórica dos videojogos: «Game over. Do you want to try again?». Cada livro corresponde a um mês (já saíram Janeiro e Fevereiro) e acompanha os dias, as horas e os minutos de Callum Ormond, um rapaz de 15 anos para quem a vida está contagem decrescente – as páginas decalcam esse processo, começando na 181 e terminando na 01. Perseguido por uma mafia sem rosto, detentor de segredos crípticos que não entende, acusado de crimes que não cometeu, Callum vive escondido em permanente sobressalto, fugindo da família e ajudado apenas por um amigo da sua idade. É um romance juvenil do tempo em que vivemos, sem dúvida. Embora inflaccionado pelas regras do modelo televisivo, aí está o sentimento de medo e desprotecção total de quem tem hoje 15 anos.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

NOVIDADES DA PRESENÇA (EM PAPEL RECICLADO)




Primeiro, estranha-se. Depois, gosta-se muito. Os livros para crianças e adolescentes da Editorial Presença também já são impressos em papel reciclado. Eis os últimos títulos que chegaram à nossa caixa de correio.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

OS CHAMADOS CONTOS PARA CRIANÇAS


Ainda a propósito do colóquio internacional sobre Sophia de Mello Breyner Andresen, que decorreu recentemente em Lisboa. Este post já vem tarde, mas não posso deixar de registar a minha perplexidade pela ausência de qualquer comunicação exclusivamente consagrada “aos chamados contos para crianças” de Sophia, como se lhes referiram, várias vezes, alguns dos oradores convidados. No meio de um programa intenso, com 31 comunicações temáticas e uma mesa-redonda final, será que não houve interesse de ninguém em explorar uma das dimensões mais conhecidas e lidas da obra de Sophia? Minto: houve a comunicação de Perfecto Cuadrado, cujo título não deixava antever o seu conteúdo (“Cantar, contar, reinventar a Arcádia”), mas a densidade da análise merecia uma cadência de leitura mais pausada e, porventura, o enquadramento noutro painel. Pois é. Isto de levar as criancinhas a ler mais é muito bonito, mas quando se trata de passar à indispensável legitimação – académica, institucional, jornalística, etc. –, aí é que a porca torce o rabo. Quanto ao resto: gostei muito. Quero mais. E, como sou pelo establishment, folgo em ver que a Gulbenkian mantém a tradição de ter a cafetaria encerrada ao vulgo, abrindo apenas durante os intervalos das sessões, de modo a permitir a formação daquelas filas quilométricas propícias ao saudável gregarismo convivial. O café custou-me um euro.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

OS ANIMAIS NA GUERRA


Há uma cena intolerável em Expiação, o filme realizado a partir desse fabuloso romance de Ian McEwan, em que os cavalos são alinhados e mortos na praia com um tiro na cabeça, como estratégia de eliminação de despojos úteis para o inimigo. Os animais, selvagens ou domésticos, que não planeiam guerras nem as executam metodicamente, são uma das formas de vida que sofre massivamente nestes cenários. Vítimas invisíveis da estupidez humana, fazem parte dos “danos colaterais” que não contam para as estatísticas. Um livro recenseado agora pela The Spectator descreve a função dos animais durante a Primeira Guerra Mundial: Tommy’Ark: Soldiers and Their Animals in the Great War (Bloomsbury). Calcula-se que mais de um milhão de cavalos e mulas foram usados pelo Exército Britânico durante o conflito – desses, apenas 62 mil regressaram. Os restantes foram dizimados pelas bombas, pelo gás, pelos tiros; e pela doença, fome e exaustão. Cães e pombos serviram de mensageiros, enquanto ratos e canários eram detectores “naturais” de ataques de gás. Há, com certeza, histórias menos cruéis e igualmente pungentes, como as dos muitos cães, gatos, coelhos e pássaros – e até macacos e cabras – que foram adoptados como mascotes pelos soldados e tratados como tesouros no meio do inferno. Acredito, como já disse neste post, que os animais representam a nossa possibilidade mais imediata de ligação à Natureza; e que quanto mais inóspito o mundo se torna, mais consciência teremos disso.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

AS BIBLIOTECAS SÃO OS NOVOS DINOSSAUROS?



Gente irritada, gente tranquila. Gente confusa, triste, indignada, assertiva, revoltada, irónica, perspicaz, zangada, doce. Gente vulgar. Crianças, velhos, gente que está entre uma coisa e outra. Gente que se pronuncia, frente a uma câmara, contra a perspectiva de encerramento de bibliotecas públicas no Reino Unido, acompanhada por outros modos insidiosos de ir acabando com tudo aquilo que tomamos por seguro. «Não vos compete assumir a tarefa de destruir um serviço que tem sido construído ao longo de gerações», alguém diz, dirigindo-se à classe política. Em banda sonora dub reggae, Sly + Reggie lembram que «leitura não é o mesmo que juntar informação» (e recomenda-se esta notícia de hoje no Blogtailors para ter mais umas achegas sobre a questão). Sly + Reggie cantam: «O que é que acontece às nossas vidas quando um dos sítios mais acolhedores da rua está ameaçado de extinção? As bibliotecas não são dinossauros, mas estamos a entrar numa nova idade do gelo de conservadorismo político». Dá muito que pensar.

Via Cadeirão Voltaire.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

ANA SALDANHA: NÃO ME INTERESSAM AS MODAS


Com cerca de duas dezenas de livros desde 1994, Ana Saldanha é uma das vozes mais seguras e originais da escrita para adolescentes. Ganhou o último Prémio Maria Rosa Colaço, num ano de reconhecimento unânime.

Ganhou o prémio com um livro intitulado O Galo que Nunca Mais Cantou e Outras Fábulas, que à primeira vista não remete para o universo juvenil de Para Maiores de Dezasseis ou Todo-o-Terreno. É uma linha de abordagem nova?
O Galo que Nunca Mais Cantou e Outras Fábulas continua um projecto de reconto que iniciei com Ninguém Dá Prendas ao Pai Natal e a série Era uma vez... outra vez, e assumiu uma faceta de recolha «etnográfica» em Lendas e Toadas do Nosso Povo Singelo. Acrescento um ponto a esses recontos. O galo do título está deprimido e meia pastilha de Prozac dissolvida na ração devolve-lhe a voz...

Sempre resistiu à vaga paranormal e mística que tomou conta da ficção juvenil, sobretudo nesta década. Ser realista está démodé?
Não me interessam as modas. De qualquer maneira, a notícia da morte da ficção juvenil realista tem sido muito exagerada.

Consegue tratar dos temas mais delicados – o racismo, a pedofilia, a gravidez na adolescência… – sem moralizar nem tomar partido, falando apenas pela voz dos personagens. Quando escreve não tem conflitos de valores?
A minha posição quanto aos temas que abordo é clara, acho eu, embora não aproveite a oportunidade para moralizar ou escrever manuais. Abordar esses temas em livros para gente nova é, por si só, uma tomada de posição.

Tem feito algumas experiências na escrita para crianças, mas pressente-se que é a escrever para adolescentes que encontra o seu elemento natural. Os adolescentes estão mais próximos do leitor adulto?
Os leitores jovens têm já todas as ferramentas que lhes permitem ler seja o que for, mas ainda não perderam a capacidade de se encantarem com os efeitos de um texto. Os livros para crianças mais pequenas têm o bónus adicional de me darem a oportunidade de colaborar com artistas na produção de um objecto visual interessante.

Que condicionalismos lhe coloca uma escrita e outra?
Os livros para crianças que escrevi até agora são mais curtos e também mais condensados. É mais fácil dizer pouco em muitas palavras do que muito em poucas. Mas tento aplicar esse princípio de economia também aos meus livros para adolescentes.

Alguns personagens que cria transitam de uns livros para outros. É um processo consciente, com propósitos que servem a técnica narrativa, ou os personagens resistem ao seu fim, assim que termina um livro?
Ambos. Custa-me abandonar este pequeno mundo que fui construindo aos poucos e os personagens que os povoam teimam em voltar a visitar-me de vez em quando.

Um dos traços mais pessoais da sua escrita reside nos começos dos livros, no incipit. O leitor é lançado repentinamente para a história, sem rede, de uma forma quase abrupta. É um processo estudado e calculado?
É estudado e calculado. Como leitora, não aprecio que me peguem na mão e me conduzam aos sítios do costume: «Era uma noite chuvosa de Janeiro. A jovem, bela e pensativa, fitava o retrato por cima da lareira onde a última acha ardera há muito. De repente...». Como leitora e como escritora, prefiro a queda livre: «– Não podias ter deitado uma acha na lareira? Custava-te muito? Não, nada. Ele queria mais uma acha para a fogueira? Ia tê-la, não perdia pela demora.»

Qual é o seu método de trabalho? Pesquisa para depois escrever? Trabalha em vários projectos ao mesmo tempo?
O meu método de trabalho é pouco metódico. Sou adepta involuntária do caos arrumado em gavetas. Às vezes, quando as abro, encontro o que procurava sem saber. Só uma vez fiz um plano pormenorizado de um livro que tencionava escrever e recolhi toda a informação de que julgava precisar. Nunca cheguei a escrevê-lo. Vários projectos ao mesmo tempo? Sim, alguns a levedar, outros a entrarem no forno, um pronto a levar a cobertura de chocolate. Gosto muito de fazer bolos – e de os comer.

Além do White Ravens, esteve em destaque nos últimos Encontros Luso-Galaico-Franceses e ganhou o Prémio Maria Rosa Colaço. Foi um ano de consagração, 2010. Pode desvendar um pouco do que vai fazer agora?
Não sei se foi um ano de consagração, mas foi um ano bom. Vou continuar a deitar achas para a tal fogueira, que às vezes quase se apaga.

(Entrevista a Ana Saldanha publicada na LER nº 99. A penúltima pergunta saltou por razões de espaço.)