No dia em que esta fotografia foi tirada – em 1999 ou 2000 – estava ainda apaixonada pelo jornalismo. Ou acreditava que sim. Por isso, quando o Vasco Ferreira, designer e director de arte, me pediu que escolhesse um livro importante para ilustrar a ideia do projecto Microart, não pensei muito. Houve quem levasse Stendhal e outros clássicos respeitáveis, mas o livro da minha vida naquele momento era um relato sufocante e cruel da guerra nos Balcãs: Territorio Comanche, de Arturo Pérez-Reverte.
Sem querer, reencontrei ali o nome do repórter morto a sangue-frio na Nicarágua, uma imagem que me marcou na infância, quando a televisão era a preto e branco. Chamava-se Bill Stewart e foi assassinado a 20 de Junho de 1979, soube agora o dia exacto pelo YouTube. Sem querer, li a descrição do abandono dos velhos no asilo de Petrinja, das caras dos miúdos acossados pelo medo, dos morteiros apontados às filas do pão, dos tiros decisivos em Sniper Avenue. “El horror puede vivirse o ser mostrado, pero no puede comunicarse jamás”, escreve Pérez-Reverte, que há muito se cansou do jornalismo, na página 119 da edição da Ollero & Ramos. Para concluir, um pouco mais à frente: “A partir de los quarenta, en este oficio te vuelves condenadamente viejo.”
Nunca teria tido estofo para pôr um pé na guerra, mas também não presto total reverência a um género de jornalismo que comporta a sua dose de competição e picardias, como Arturo Pérez-Reverte também descreve. A minha visão idealizada da profissão terminou depois de ter visto, lido e ouvido o suficiente para perceber esse tipo de fraquezas, e a partir daí (ou seja, muito cedo) foi como viver um casamento feito de altos e baixos, oscilando entre a paixão e o pragmatismo.
Às vezes penso que nunca quis ser jornalista. No princípio de tudo, na escola secundária Padre António Vieira, aprendi português, história e latim com professores excelentes, antigos alunos e alunas de David Mourão-Ferreira, Oliveira Marques e outras sumidades. Aprendi muito. Mas a professora que eu mais admirava era jornalista, uma das fundadoras da TSF. Usava o cabelo solto, comprido, vestia calças de ganga justas, blusões de couro e andava invariavelmente com botas de salto alto. No meio daquelas senhoras de saia-casaco e professores de gravata, ela era cool, estupendamente cool. E eu queria ser como ela. Gostava de escrever e tinha curiosidade pelo mundo, achei que era o suficiente. Demorei muito tempo a perceber que era mais fácil escrever bem do que ser cool. E mais tempo ainda até perceber que, afinal, desde o início, talvez não estivesse apaixonada pelo jornalismo, mas pela literatura. E essa terá sido a principal razão por que escolhi naquele dia um livro chamado Territorio Comanche.
Sem querer, reencontrei ali o nome do repórter morto a sangue-frio na Nicarágua, uma imagem que me marcou na infância, quando a televisão era a preto e branco. Chamava-se Bill Stewart e foi assassinado a 20 de Junho de 1979, soube agora o dia exacto pelo YouTube. Sem querer, li a descrição do abandono dos velhos no asilo de Petrinja, das caras dos miúdos acossados pelo medo, dos morteiros apontados às filas do pão, dos tiros decisivos em Sniper Avenue. “El horror puede vivirse o ser mostrado, pero no puede comunicarse jamás”, escreve Pérez-Reverte, que há muito se cansou do jornalismo, na página 119 da edição da Ollero & Ramos. Para concluir, um pouco mais à frente: “A partir de los quarenta, en este oficio te vuelves condenadamente viejo.”
Nunca teria tido estofo para pôr um pé na guerra, mas também não presto total reverência a um género de jornalismo que comporta a sua dose de competição e picardias, como Arturo Pérez-Reverte também descreve. A minha visão idealizada da profissão terminou depois de ter visto, lido e ouvido o suficiente para perceber esse tipo de fraquezas, e a partir daí (ou seja, muito cedo) foi como viver um casamento feito de altos e baixos, oscilando entre a paixão e o pragmatismo.
Às vezes penso que nunca quis ser jornalista. No princípio de tudo, na escola secundária Padre António Vieira, aprendi português, história e latim com professores excelentes, antigos alunos e alunas de David Mourão-Ferreira, Oliveira Marques e outras sumidades. Aprendi muito. Mas a professora que eu mais admirava era jornalista, uma das fundadoras da TSF. Usava o cabelo solto, comprido, vestia calças de ganga justas, blusões de couro e andava invariavelmente com botas de salto alto. No meio daquelas senhoras de saia-casaco e professores de gravata, ela era cool, estupendamente cool. E eu queria ser como ela. Gostava de escrever e tinha curiosidade pelo mundo, achei que era o suficiente. Demorei muito tempo a perceber que era mais fácil escrever bem do que ser cool. E mais tempo ainda até perceber que, afinal, desde o início, talvez não estivesse apaixonada pelo jornalismo, mas pela literatura. E essa terá sido a principal razão por que escolhi naquele dia um livro chamado Territorio Comanche.