domingo, 26 de julho de 2009

CITY-BREAKS: DOURO


O Jardim Assombrado não anda com boas cores. Por causa disto e não só, tem desaproveitado as melhores horas de sol e o orvalho retemperador das noites. Muita exposição a ecrãs, muita comida pré-comprada e muito Cerebrum Forte não dão saúde a ninguém. Apesar dos mimos que ultimamente lhe têm dispensado, do que este jardim precisa mesmo é de ar puro, vistas largas, petiscadas, boas conversas e algum descanso. Apenas algum descanso, porque ainda não vai de férias. Não. Trata-se de um luxo maior nos tempos que correm: uma semana em reportagem no Douro. É quase melhor do que férias. Quase. Então até daqui a pouco.

QUEM TEM MEDO DO LOBO MAU?


Devem os escritores e ilustradores de livros para crianças pagar 64 libras ao governo britânico para poderem continuar a visitar as escolas, depois de obtido o atestado de garantia “não sou pedófilo”? O caso surge na sequência do assassinato de duas alunas por um funcionário, mas há quem não alinhe na nova caça às bruxas. Philip Pullman, Quentin Blake, Michael Morpurgo e Anthony Horowitz são alguns dos autores que já vieram a público dizer que se recusam a fazer parte da base de dados que serve como garantia de idoneidade, classificando a medida de “ultrajante” e “monstruosa”. Se o preço a pagar é o veto de entrada nas escolas, pois que seja. Mas Anthony Browne, outro autor consagrado, adoptou uma posição mais conciliadora e não vê problema em submeter-se ao escrutínio governamental, defendendo igual tratamento para quem lide com crianças, seja um escritor, um professor ou um contínuo de uma escola.

Isto é perigoso. Primeiro, porque a questão envolve valores pessoais. Há quem não goste de ser mais um ficheiro, mais um número, mais uma fotografia e uma impressão digital numa sociedade hipervigiada. Há quem não queira ser ajuizado, na sua vida privada, por um sistema político que não dá provas de ser impoluto. Não têm de ser criticados nem julgados por isso, como se tivessem algo a esconder. Estão no seu direito, tal como Anthony Browne está no direito de assumir outros valores e prontificar-se a fornecer os seus dados para registo. Por outro lado, e este será o busílis, não valerá a pena questionar a real eficácia desta proposta? Sabe-se que os abusos sexuais são perpetrados, na maioria dos casos, por gente que vive em constante proximidade com as crianças, seja na escola ou na família. Sabe-se, também, que os autores se deslocam às escolas sempre acompanhados por professores e com um incansável programa de festas a cumprir. Que perigo efectivo podem representar para as crianças? Não mais do que o homem dos gelados, o vendedor do quiosque ou a senhora que limpa os balneários. Bom, se calhar, o melhor é passar a pente fino a vida de toda a gente. Podemos começar já pelo vizinho do lado.

JOHN KEATS, HAMPSTEAD, LONDON


“Keats and Yeats are on your side, but you lose, because Wilde is on mine.” (The Smiths). Reabriu a casa-museu do poeta John Keats. Ver aqui.

sábado, 25 de julho de 2009

A ARTE DE CONTAR HISTÓRIAS VERDADEIRAS


A propósito do post anterior – e sem querer intrometer-me na bibliografia recomendada por Paulo Moura – reproduzo aqui um texto publicado na secção “Histórias & Apontamentos” da LER, em Setembro de 2008: Telling True Stories, uma excelente colectânea de pequenos textos ensaísticos sobre jornalismo literário e escrita de não-ficção.

“Em 1973, no ano em que publicou uma antologia sobre o assunto, Tom Wolfe fez voto de silêncio e jurou que nunca mais haveria de discutir os quês e os porquês do chamado «novo jornalismo». Questão de técnica literária, argumentava, contra os que pretendiam alimentar um monstro teórico de formas imprecisas. Técnica um: preferir a construção por cenas à narrativa cronológica. Dois: abusar dos diálogos. Três: anotar os pormenores reveladores de estatuto social, desde o vocabulário à mobília de casa. Quatro: adoptar o ponto de vista da primeira pessoa. Estes e outros métodos deram substância, nos anos 1960 e 70, ao estilo jornalístico de Wolfe – e também de Truman Capote, Norman Mailer, Gay Talese e Joan Didion, entre outros –, fazendo escola em revistas como a Esquire, Rolling Stone ou The New Yorker. Mais de trinta anos depois, o autor de A Fogueira das Vaidades permitiu-se fazer um breve flashback, agora que o debate está esquecido («quer dizer, durante quantas décadas se pode continuar a discutir algo que se autodenomina “novo”?»), embora o essencial continue vivo. Com a chancela da Universidade de Harvard, Telling True Stories está aí para o confirmar.

Chame-se novo jornalismo, jornalismo literário, jornalismo narrativo, não-ficção criativa, romance de não-ficção ou outros termos de difícil tradução para português, estamos sempre a falar da arte de contar histórias verdadeiras. Histórias que podem ter por título «Frank Sinatra Has A Cold» («Frank Sinatra Está Constipado»), como quis Gay Talese, enviado a Los Angeles pela Esquire no Inverno de 1965. Subitamente indisponível e mal-humorado, Sinatra esquivou-se à entrevista agendada; o resultado foi um perfil excepcional e uma peça jornalística de antologia. «A curiosidade é o princípio» e não se aprende nas faculdades, garante Gay Talese, um dos pesos-pesados que figuram em Telling True Stories. Ao todo, são 99 pequenos ensaios seleccionados dos últimos cinco anos de conferências sobre jornalismo narrativo promovidas pela Nieman Foundation, agregada à Universidade de Harvard. Recomendado como «um guia para escritores de não-ficção», contém uma série de pensamentos inteligentes sobre um género de jornalismo que, parafraseando o título desta secção da LER, procura transformar bons apontamentos em grandes histórias.

Como consegui-lo, eis a questão. Em textos curtos, 51 jornalistas e escritores de não-ficção contam o que aprenderam com a sua experiência. Gay Talese lembra a época em que se afastou do jornalismo diário e das suas óbvias limitações de tempo e espaço. Tom Wolfe evoca o escritor Stephen Crane como um caso pioneiro da capacidade de chegar ao «núcleo emocional da história». David Halberstan recomenda ler bons romances policiais para saber construir a estrutura narrativa de uma reportagem. Nora Ephron diz o que pode haver em comum entre jornalistas e guionistas. Tom French explica o ritmo de uma sequência de texto. Roy Peter Clark assinala os dois princípios éticos que presidem à separação entre factos e ficção: «Não acrescentes. Não enganes».

Para além de pequenas divergências (usar gravador ou gravar mentalmente o que se ouve?), o que sobressai destes textos é a forte ligação dos jornalistas à sua prática profissional. Se são «as emoções, não os factos, que chamam os leitores», como escreve Tom Wolfe, encontrar o «núcleo emocional das histórias» é a questão fundamental para jornalistas e editores, numa época em que se discute o futuro dos jornais e revistas. O resto é técnica. Pesquisar, reportar, pensar, escrever, reescrever. No fundo, a lição de Telling True Stories é simples: não há bom jornalismo sem esforço.”

(Telling True Stories, AA.VV., Plume, 2007)

CURSO DE JORNALISMO LITERÁRIO

Paulo Moura, repórter do Público e professor de Jornalismo Literário na Escola Superior de Comunicação Social, vai conduzir um dos próximos cursos promovidos pelos Booktailors. “Jornalismo Literário”, precisamente. Com início a 26 de Outubro, em horário pós-laboral, estrutura-se ao longo de oito sessões e terá uma forte componente prática. Ou pensavam que iam aplicar “a regra dos três Cês” na sua versão menos ortodoxa? Está tudo muito bem explicado aqui.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

ESCLARECIMENTO E DÚVIDA

O Senhor Palomar desfaz aqui uma possibilidade que também já me tinha passado pela cabeça. O Senhor Palomar, sendo um conservador e gentil-homem (se não por nascimento, por filiação e herança literária), nunca iria mentir sobre algo tão importante. A Senhora Palomar também não, embora por amor se façam coisas impensáveis. Como trocar o Rick Blaine pelo Victor Laszlo. Qual deles preferia ser o Senhor Palomar, isso também eu gostava de saber.

PROVA SUPERADA


O Ainda Falta Muito? passou num teste para leitores exigentes.

PODOLOGIA: UMA QUESTÃO DE BASE

A mesma agência de comunicação que informa sobre a intervenção à careca do guitarrista dos Moonspell enviou-me agora uma proposta de reportagem para a Notícias Magazine que “pode ser interessante nesta altura do ano”. Podologia. Isso mesmo: podologia. Para quem não saiba: “Estima-se que 86 por cento dos portugueses apresente doenças nos pés, sendo as mais frequentes as onicomicoses, o pé-de-atleta e as hiperqueratoses. No entanto, apenas 12 por cento dos portugueses já foi a uma consulta de podologia.” Tema mais excitante, neste momento, só mesmo o caso do Djaló com a Luciana Abreu. Pergunta ingénua: será que esta gente se dá ao trabalho de ler jornais e revistas? Melhor: será que esta gente lê?

quarta-feira, 22 de julho de 2009

MUNDOS INCOMUNICANTES


Há uns anos, uma amiga rogou-me trinta mil pragas por lhe ter recomendado o último Cronenberg que estava então em cartaz: Spider. O mal-estar físico e psicológico que o filme lhe provocou – eventualmente potenciado pelo facto de ela estar grávida –, é algo que até hoje tenho dificuldade em compreender, talvez pelo facto de o cinema raramente me deixar estados de alma a posteriori, ao contrário dos livros. Na transição da sala escura para a rua, desaparece toda “a suspensão da descrença” e poucos dias depois já esqueci o final. Excepção feita para Casablanca e alguns mais, trago na cabeça uma colecção de filmes espantosos que nunca me lembro como acabam; não sei porquê, nem tento perceber. Vem isto a propósito de um livro que tenho recomendado a dezenas de pessoas nos últimos tempos: O Mundo, de Juan José Millás (Planeta). Não é para crianças, nem sequer é um “livro sobre” a infância do autor, tout court. Talvez a personagem principal, aqui, seja mesmo a escrita e as suas sete cabeças, umas abrindo feridas e outras cuspindo fogo e cauterizando-as ao mesmo tempo, parafraseando uma imagem belíssima do autor. De cada vez que abro uma página – e algumas páginas em particular, onde releio os sublinhados – volto a comover-me como na primeira vez. Isto não se consegue partilhar. Alguém me disse ontem que tinha achado o livro “muito triste”, razão suficiente para não ter gostado assim tanto de o ler. Recomendar um livro é sempre um acto solitário e por vezes perigoso, sobretudo quando não fazemos uma boa leitura do outro. Sobre aquilo de que gostamos demasiado, será melhor calarmo-nos? Às vezes acho mais sensato.

terça-feira, 21 de julho de 2009

INFORMAÇÃO DA PESADA

Acabo de receber um email de uma agência de comunicação a informar que Ricardo Amorim, guitarrista “da conceituada banda portuguesa Moonspell”, escolheu o Hospital Privado da Trofa para se submeter ao tratamento de um problema de “queda do cabelo severa”. A próxima consulta vai ser na quinta-feira, às 19h30, no fim da qual o Ricardo estará disponível para prestar declarações. Pelos deuses da restauração capilar e por Olex, o Terrível, marquem já na vossa agenda esta preciosa informação jornalística!!

UMA CAMPANHA E PÊRAS


Quando se junta uma grande escritora, uma efeméride e os meios de que a Leya pode dispor, o resultado é uma megacampanha com logótipo próprio e muitos brindes gratuitos para distribuição em centenas de livrarias, bibliotecas e escolas de todo o país. “Alice Vieira – 30 Anos de Livros” prolonga-se até ao final de 2009 e celebra as três décadas de carreira da autora de Rosa, Minha Irmã Rosa, cuja obra está actualmente publicada em cinco editoras do grupo: Texto, Caminho, Dom Quixote, Oficina do Livro e Casa das Letras. Desde 1979, Alice Vieira escreveu mais de 70 livros para crianças e adolescentes, vendeu cerca de dois milhões de exemplares e ganhou alguns dos mais significativos prémios em Portugal e no estrangeiro – incluindo o Prémio Peter Pan, noticiado ontem aqui ou aqui.

Além de marketing e promoção da leitura, a campanha tem uma vocação solidária: dentro dos livros encontra-se um postal que deverá ser enviado à escritora com uma mensagem ou um desenho de parabéns, revertendo depois em favor das bibliotecas de Timor. Ou seja: por cada postal recebido, a Leya oferece um livro ao país com o qual Alice Vieira “tem uma relação especial”, segundo comunicado de imprensa. Todos os pormenores da campanha, bem como notícias e entrevistas, podem ser acompanhados no novo blogue: http://alicevieira.wordpress.com/

BOA VIZINHANÇA


Alunos de arquitectura da Universidade Lusíada de Lisboa imaginaram uma série de 29 espaços arquitectónicos – casas e bibliotecas – que dessem forma tridimensional ao “Bairro” de Gonçalo M. Tavares. A exposição dos projectos inaugura hoje, às 19h00, na sala das Colunas da Lx Factory, em Lisboa. Será lançado também o novo título da colecção, O Senhor Swedenborg, com a presença do escritor. Uma informação adicional da editora:

“Os projectos são respostas a problemas específicos da cidade de Lisboa. Os sítios escolhidos foram Alfama e Castelo porque são bairros consolidados da cidade, onde a proximidade é tema forte e porque é urgente reflectir sobre os nossos centros históricos, onde muitas vezes existem espaços abandonados e expectantes, vazios urbanos parados no tempo.”

Infelizmente, a exposição ficará pouco tempo visível ao público: apenas até 26 de Julho, das 12h00 às 24h00.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

QUANDO OS AUTORES VÃO ÀS ESCOLAS


Em 2006, poucos meses depois de ter sido publicado O gato e a Rainha Só, tive o primeiro convite para visitar um Agrupamento de Escolas no interior do país. Encorajada pelo editor, aceitei de imediato, apesar do receio de falar em público, partilhado por 90 por cento da população mundial. Com deslocação e estada paga, que um freelancer não se pode dar a certos luxos, saí de Lisboa em direcção a um IP qualquer, para na manhã seguinte mergulhar no meu banho de multidão liliputiano.

Quinze minutos volvidos sobre o início da primeira sessão, achei que tinha nascido para aquilo. Senti-me um verdadeiro Liberace da promoção da leitura, uma one-girl-show de biblioteca… Os miúdos, dos seus sete ou oito anos, faziam perguntas curiosas e inteligentes, que revelavam uma leitura prévia estimulante por parte do professor, e mesmo os mais tímidos se mostravam atentos – não sei se às respostas, se à minha movimentação imparável de animal de circo em noite de estreia, um hábito progressivamente corrigido. No fim, depois dos autógrafos e beijinhos, o optimismo e a confiança eram já os meus nomes do meio, e ostentava a oferta do ramo de flores como se de uma lança em África se tratasse.

Dez minutos depois, a sessão seguinte, com miúdos de idades semelhantes mas de outras escolas, foi pouco menos do que um desastre, e dei por mim a desejar que aquela hora passasse depressa. Não só as perguntas eram repetitivas e banais, como traduziam uma obsessão inédita pela minha vida privada (“Tem filhos?”, “Tem irmãos?”, “É casada?”) que me parecia de todo desajustada à situação. Lá fui respondendo como pude, enquanto a voz me doía. Olhava para os miúdos e olhava para as professoras, enviando-lhes um S.O.S. desesperado, mas só obtinha em troca um assentimento próximo do sadismo.

Sem protagonizarem qualquer intervenção ou encorajamento dos alunos, terminada a sessão, as professoras despediram-se com um cumprimento seco e formal, que desfez em pó as ruínas da minha pobre auto-estima. Soube, mais tarde, que não tinham concordado com o convite e a escolha de O gato e Rainha Só, por lhes parecer uma história muito urbana e com referências difíceis para alunos de um ambiente rural e semi-rural – argumentos absurdos, para quem conhece o livro. Não perceberam que o desinteresse ostensivo na leitura e interpretação da história, servindo como arma de arremesso, só prejudicou as próprias crianças, privando-as do direito à leitura literária e da visão do mundo de um autor.

Três anos depois deste episódio, com mais dois livros publicados, creio que a falta de investimento e preparação dos professores ou mediadores na leitura das obras é o principal factor de desmotivação na ida dos autores às escolas. Apesar de muitas experiências correrem de forma exemplar, há um momento em que estes se perguntam, inevitavelmente: valerá a pena perder tempo quando se pode ficar em casa a escrever?

PARA O ANO HÁ MAIS


Já estão em forma de livro os primeiros seis textos vencedores do Prémio Conto Infantil Ilustrado Correntes d’ Escritas/Porto Editora. Ver notícia completa no blogue O Livro Infantil.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

SE ISTO É A REALIDADE...

... mais vale procurar já um mundo paralelo. Philip Pullman recusa submeter-se ao escrutínio governamental e a integrar uma base de dados para controle e prevenção das práticas pedófilas. A consequência é a proibição de entrar nas escolas. Vai suceder o mesmo com todos os escritores de livros para crianças e adolescentes? J. K. Rowling também? Ou é só para homens? Está tudo doido. Nuts. Ver a notícia completa no Diário Digital.

A ÚLTIMA AGULHA NO PALHEIRO


Esta é a última página da secção de livros da Notícias Magazine, “Agulhas em Palheiro”, tal como foi feita nos últimos dois anos e qualquer coisa. Acabou. Não sei se definitivamente, se apenas por algum tempo, mas não voltará a sair com a assinatura da Cláudia Moura, que deixou não só a revista de domingo do DN e JN como o próprio jornalismo (até ver, pelo menos). Eu fico feliz e fico triste, mas muito mais feliz do que triste, sem dúvida. Na verdade, talvez ela nunca tenha sido uma jornalista na acepção mais corrente do termo. Sei que o frisson do deadline nunca a empolgou, que o habitat competitivo da redacção não lhe estimulava a escrita, que precisava de tempo e de silêncio para pensar e escrever os seus melhores textos. Tendências pouco gratas nos tempos que correm, está bem de ver, porque importa mais ter cronistas e comentadores contratados a peso de ouro e contar os tostões para tudo o resto que ainda se pareça com jornalismo. Felizmente, a Cláudia livrou-se disso e do pior que está aí para vir. Os leitores da Notícias Magazine, que não são fashion nem trendy, nem tão pouco representam a inteligentsia, vão ficar sem uma página semanal de livros feita com empenho e seriedade, que revelava sempre uma visão de autor e um acautelamento constante em relação aos lugares-comuns. Perdem-se, também, excelentes entrevistas a escritores e não só, um género jornalístico em que ela estava particularmente à vontade, discreta mas acutilante – como uma agulha em palheiro, nem mais nem menos.

NÃO É CONVERSA MOLE


Preconceito nº 1: os livros de capa mole não têm qualidade. Preconceito nº 2: um livro que custe menos de seis euros não pode ser bom. Preconceito nº 3: as ilustrações reflectem sempre o que o texto diz. Catatuas, de Quentin Blake, consegue arrumar de uma vez com estas três ideias feitas. É um dos onze títulos que integram a nova colecção da Caminho, Borboletras. Notícia completa no blogue O Livro Infantil.

ESTE HOMEM DEVIA ESCREVER CONTOS


Nick Cave é um excelente diseur e seria certamente um bom escritor de short stories, se se dispusesse a isso. “Stagger Lee”, “The Mercy Seat”, “O’Malley’s Bar”, “The Sorrowful Wife”, “The Carny”, “Jesus of The Moon”, “From Her to Eternity”, “Christina the Astonishing” e muitas outras canções dariam um bom punhado de contos – histórias cruas, violentas, descarnadas, incandescentes, de assumido recorte gótico americano mas inconfundivelmente nickcaveanas. Sobre os dotes do homem como romancista, The Death of Bunny Munro poderá trazer mais alguma luz (negra) sobre o assunto.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

APRENDER COM OS BURROS


Depois de O Livro Inclinado e O Incrível Rapaz que Comia Livros, a colecção Orfeu Mini prossegue com Burros, uma obra das austríacas Adelheid Dahimène (texto) e Heide Stöllinger (ilustração), premiada com o White Raven Award de 2003. Ainda só tivemos oportunidade de o folhear, mas aqui fica a sinopse enviada pela Orfeu Negro:

Burros conta a história enternecedora de um casal de burros que celebra o aniversário das suas bodas de prata. Porém, uma pequena discussão e muita casmurrice fazem com que cada um siga o seu caminho em busca de novo parceiro. Depois de vários encontros e desencontros, acabam por perceber que não é assim tão fácil substituírem-se um ao outro…Uma história de amor, teimosia e reconciliação contada com humor e forte expressividade gráfica.”

Nas livrarias a partir de 24 de Julho.

REGRESSO ÀS ORIGENS

Francisco José Viegas reabriu A Origem das Espécies. Ver na lista dos blogues ao sol.

ARRISCAR, ARRISCAR


She drank from a bottle called DRINK ME.
And up she grew so tall,
She ate from a plate called TASTE ME.
And down she shrank so small.
And so she changed, while other folks
Never tried nothing’ at all.

(“Alice”, um poema do livro Where the Sidewalk Ends, de Shel Silverstein. Imagem da Alice no País das Maravilhas de Tim Burton)

terça-feira, 14 de julho de 2009

AINDA FALTAM UNS DIAS


O Ainda Falta Muito? está mais do que pronto e já seguiu para a imprensa e outros meios. Devia ter chegado às livrarias no dia 9, mas foi adiado para próxima segunda-feira. A razão por que isto acontece transcende-me em absoluto e não encontro uma explicação lógica. Só sei que não é bom para os livros nem para os autores. Mas é assim.

(Ilustração de Alex Gozblau)

NOS 30 ANOS DA ANTÍGONA


(…)
Valerá a pena lembrar que o medo também fascina? Que uma bandeira negra ainda provoca um arrepio e que esse arrepio é bom? Nas brincadeiras de infância, quando se está do lado da transgressão, só se pode ser pirata ou índio. A própria vida de um pirata, ainda segundo Lapouge, “não é mais do que o concretizar de um sonho da infância”. Ter tudo, suprimir as regras, jogar o jogo, celebrar em irmandade, às vezes morrer. Mas, nesse caso, atira-se o corpo à água e pouco mais. Nem elegias nem cemitérios. Não será uma maneira de dizer “eu agora não morria”?

Piratas e índios encontram-se na Terra do Nunca, onde Peter Pan combate o Capitão Gancho, seu alter-ego de menino castigado. Seria injusto deixá-lo de fora deste fascínio; afinal, é um pirata tão trágico como os de carne e osso. Mais elegante do que o velho John Silver de A Ilha do Tesouro, muito mais autêntico do que o Capitão Blood incarnado por Errol Flynn, cujo fantasma também anda por aqui. Nascido gentleman, desamparado na solidão dos adultos, James Gancho morre como um pirata: a rir-se dos seus tormentos. Derrubado pelo pontapé de Peter Pan, cai na boca do crocodilo, gritando, trocista: “Más maneiras!”. E não é que tinha razão? Sacana do Gancho.


(Excerto do texto “Os Piratas – Vagabundos do Mar”, publicado na Notícias Magazine, secção “Coisas que Fascinam”, em Fevereiro de 2003. Fortemente inspirado pelo livro Os Piratas, de Gilles Lapouge, ed. Antígona, 1998)

segunda-feira, 13 de julho de 2009

DE PROFUNDIS - AGORA É QUE É

Segundo o email que recebi agora da editora, o filme estreia-se a 30 de Julho. Ana Margarida Ramos, em comentário, acrescenta que o autor deverá comparecer, em Novembro próximo, aos Encontros Luso-Galaico Francófonos de Literatura para a Infância, no Porto. Uma informação ainda a confirmar...

MULHERZINHAS, 2


A pobre da Louisa May Alcott não teve uma vida fácil, à semelhança das suas bondosas e mui cristãs Mulherzinhas, que não tinham outro remédio se não ir a bailes com vestidos remendados e poupar na lenha durante o Inverno. Filha de pais excêntricos, influenciados pelo pensamento transcendentalista de Nova Inglaterra, foi obrigada aos 11 anos a viver numa comunidade alternativa onde o recurso a animais era totalmente proibido, fosse para alimentação ou qualquer outra forma de aproveitamento. Seriam o que hoje se chama vegans. Antes de que a fome, o frio e as doenças os extinguissem, a comunidade Fruitland (nome da coisa utópica) decidiu extinguir-se a si própria em menos de seis meses. Louisa May Alcott sobreviveu, felizmente para ela, os pais e mais três irmãs, desunhando-se depois a trabalhar para sustentar a família, escrevendo e não só. Durante a Guerra Civil, como enfermeira, contraiu pneumonia ou febre tifóide, submetendo-se a um tratamento à base de mercúrio que a envenenou até à raiz dos cabelos. Nunca recuperou da cura. Para apaziguar as sequelas, começou a tomar láudano, composto à base de ópio que lhe amenizava as noites e providenciava matéria subtil para engendrar histórias de cordel góticas. Várias das personagens dos contos que criou sob pseudónimos sugestivos – A. M. Barnard, Aunt Weedy, Flora Fairfield, Oranthy Bluggage e Minerva Moody – são consumidores voluntários de ópio e haxixe, mulheres inclusive. Caso para dizer que “há males que vêm por bem”. Para saber mais sobre estes e outros lugares obscuros da mente dos grandes escritores recomendo, como leitura de férias, Secret Lives of Great Authors, de Robert Schnakenberg (“What Your Teacher Never Told You About Famous Novelists, Poets and Playwrights”). Um bocadinho de gossip e escandaleira faz parte da silly season. E pelo meio aprendem-se umas coisas.

MULHERZINHAS, 1


Outro do livros que não coube na lista da Casa da Leitura: Mulherzinhas, de Louisa May Alcott (1932-1888). Li-o e reli-o na edição da Bertrand, Colecção Histórias – aquela em que as caras das personagens principais apareciam na lombada e que continha excertos em banda desenhada no interior. De todas, a minha preferida era a Jo, claro. O episódio em que ela vende as tranças para ajudar a custear a viagem do pai impressionou-me bastante. Não pelo suposto sacrifício, mas porque não entendia como é que alguém se podia interessar por comprar os cabelos dos outros.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

POLÉMICA? QUAL POLÉMICA?


Apanhei no Technorati um comentário de Luís Soares sobre a minha crítica ao livro A Revolta das Frases, de Maria Almira Soares, publicado na secção “Leituras Miúdas” da última LER. Em lado algum escrevi que o livro era “um pouco difícil e talvez excessivamente didáctico”, porque os conceitos de “fácil” e “difícil” não significam nada e o didactismo, só por si, já me parece excessivo em literatura. O que os autores acham ou deixam de achar sobre o que escrevem também é irrelevante para o caso; o livro fala por eles, é tudo. Justifiquei a minha apreciação na LER (tanto quanto é possível em mil caracteres) e poderia continuar a fazê-lo aqui, mas não me pagam para isso nem quero alimentar uma polémica que não existe. Luís Soares associa-me ainda a José Mário Silva e deixa uma alfinetada capciosa: “Prefiro não comentar autores que são críticos que são autores que são críticos... vocês percebem - é o caso do José e da Carla.” Se não queria comentar, já comentou bastante. É curioso que os incómodos só surjam nestas ocasiões; enquanto só se diz “bem”, ninguém se aborrece. Mas para esse peditório não dou. O discurso crítico e o discurso criativo são totalmente diferentes e não se alimentam nem se parasitam; se “o Luís” é escritor, deve saber isso. Falamos de quê, então? De arrufos, invejas, vinganças, ressentimento e despeito? Essas são questões de carácter, sobre as quais não me justifico com pessoas que não me conhecem, apesar de falarem como se me conhecessem.

ESTREIA-SE HOJE NO CINEMA


“Era uma vez uma casa no meio do Mar. A casa tinha uma torre voltada a poente, uma escadaria que se estendia pela água adentro e, a Levante, uma árvore que floria entre Março e Abril.
Nessa casa viviam, apaixonados, uma mulher que tocava violoncelo e um pintor fascinado pelo Mar e pelas suas criaturas, pelos segredos que as suas profundezas guardavam, pelos seres magníficos que na sua imaginação o povoavam e pelas margens das terras longínquas do outro lado do mundo às quais, se se descortinasse o rumo, as suas águas podiam conduzir.”

(De Profundis, de Miguelanxo Prado, Ed. Asa. Para aceder ao trailer do filme clique aqui.)
Rectificação: afinal o filme não estreou esta semana, ao contrário do que inferi a partir do press-release. As minhas desculpas aos leitores. Vou averiguar junto de quem de direito se já há data marcada e logo direi.)

terça-feira, 7 de julho de 2009

ONDE ESTÁ A BRUAÁ?

Uma pessoa fica a olhar para o umbigo e esquece-se de reparar no óbvio. Foi a Andreia Brites, do Bicho dos Livros, que notou a ausência flagrante da Bruaá e da Orfeu Negro nas listas do Plano Nacional de Leitura. Não é justo. Uma parte da renovação qualitativa do livro para crianças em Portugal não pode prescindir de obras como A Árvore Generosa, de Shel Silverstein, ou mesmo O Livro Inclinado, de Peter Newell (mas na segunda edição, revista…). Quando se olha para certos títulos recomendados pelo PNL (e porquê, senhores?), esta falta torna-se ainda mais incompreensível. Resta-nos aguardar a próxima actualização.

PRIMEIRA REVISTA B:MAG

Os Booktailors reuniram 36 artigos de opinião sobre os livros, a escrita e o mundo editorial português, publicados nos últimos meses no Blogtailors. De “A Moleskine de um escritor” de Manuel Alberto Valente, até “A herança de Madame de Rambouillet”, de Eduardo Pitta, está ali tudo muito bem arrumadinho na revista digital B:MAG, disponível urbi et orbi. Vejam.

DN JOVEM EM TESE DE MESTRADO, 2


Depois da migração prematura para a Internet, em 1996 (numa altura em que apenas 0,8 % da população portuguesa tinha ligação em casa), o DN Jovem prolongou-se por mais uma década, sofrendo várias mudanças editoriais e terminando abruptamente em Março de 2007. Na tese a que me referi no post anterior, Helena de Sousa Freitas deixa algumas perguntas (“A blogosfera substitui efectivamente o DN Jovem?”, por exemplo) e conclusões. Nomeadamente:

- “Com a migração de 1996 e a passagem de caderno a página única, o DN Jovem perdeu o seu estatuto de unicidade em papel e não o conquistou no meio digital.
- O destino do DN Jovem não foi alheio à turbulência interna vivida no jornal que o acolhia (DN mudou do Grupo PT para a Controlinveste em Agosto de 2005; o jornal teve cinco directores desde 1996).”

Na imagem, alguns livros de autores que passaram pelas páginas do DN Jovem: José Mário Silva, António Manuel Venda, José Eduardo Agualusa, José Riço Direitinho, Pedro Mexia e Rita Taborda Duarte, entre outros. A tese chama-se “O DN Jovem entre o Papel e a Net – Dinâmicas, implicações e consequências de uma transição extemporânea”. Esperamos que alguém tenha a boa ideia de a editar em livro, um destes dias.

DN JOVEM EM TESE DE MESTRADO, 1


Nos últimos três ou quatro anos, Helena de Sousa Freitas, jornalista da LUSA, andou ocupada com a investigação para uma tese de mestrado sobre o DN Jovem, suplemento do Diário de Notícias que surgiu em 1983 e tornou as terças-feiras indispensáveis a tanta gente da minha geração. A pergunta a que a Helena procurou responder: “Que mudanças se operaram em torno do DN Jovem com a sua transformação de caderno impresso a suplemento digital?”. Ao todo, somam-se 250 páginas (mais 200 de anexos), 25 imagens, 475 notas de rodapé e uma bibliografia com 65 livros, 80 artigos científicos e 45 artigos da imprensa. Em síntese:

“Publicado pela primeira vez em Maio de 1983, o DN Jovem (DNJ) foi, por mais de 20 anos, berço de jornalistas, escritores, fotógrafos e ilustradores. O suplemento do Diário de Notícias (DN) sofreu, contudo, um duro revés em Junho de 1996, com a migração para uma Internet então inacessível à generalidade dos portugueses. A sua última edição neste suporte foi em Março de 2007, quando faltava cerca de um ano para celebrar um quarto de século. A nossa investigação procurou enquadrar e compreender uma transição que consideramos prematura e fê-lo no plano externo ao DN, à luz da dicotomia papel versus digital, e no plano interno, averiguando que leitura do DNJ era feita pela Administração/Direcção e pelo departamento comercial do jornal que o publicava.”

A tese foi defendida há uma semana, no ISCTE, com a classificação unânime do júri, constituído por três sociólogos: António Firmino da Costa, Fernando Almeida e José Rebelo (este último, orientador da dissertação). A saber: “Muito bom”, nota máxima. Apenas alguns dos comentários: “Uma dissertação que se lê como um romance”; “um daqueles raros trabalhos que nos vai deixar saudades de como eram os mestrados antes do Processo de Bolonha”; “um trabalho que revela uma capacidade de pensar criticamente a profissão, não apenas a nível académico mas também de cidadania, e que mostra as consequências de se tomarem decisões apenas com base em razões economicistas”.

Conhecendo a Helena de Sousa Freitas e tendo acompanhado à distância este trabalho feito de persistência, honestidade e rigor, sei que tudo isto é verdade; ela faz parte daquele escassíssimo grupo de pessoas a quem o desencanto com os meandros da profissão (tudo o que não tem a ver com o jornalismo, basicamente) não conseguiu roubar o que há de mais essencial. Porque é dela.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

DE BARCELONA A MATOSINHOS


Rafa e a Liberdade
Fátima Pombo
Trinta por Uma Linha

Não é fácil escrever para adolescentes, sobretudo quando se envereda por um registo afastado dos ambientes de mistério ou magia. Vencedora do Prémio Fnac/Teorema de 2002, com O Desenhador, Fátima Pombo impõe-se pelo sentido de ritmo narrativo, a que não será alheia a sua formação superior em música. Mais: as descrições não descambam em lições de história; os diálogos evitam expressões pré-datadas (como «bué da nice» e afins); e os personagens são mais do que kalkitos presos à sua bidimensionalidade. Dito isto, é preciso notar que as aventuras de Rafa – já em segundo volume – não se parecem com as de qualquer rapaz de 15 anos. Rafa é catalão, vive entre Girona e Barcelona, é filho de pais divorciados que passam férias no sul de França e vão a restaurantes de sushi. Gosta de jazz, conhece o Palau de la Musica e lê (com algum esforço) Haruki Murakami, por influência de uma rapariga esperta e bem-humorada. Apesar das aparentes facilidades, as suas inquietações e medos são semelhantes aos de qualquer adolescente. Numa viagem solitária que o leva de Barcelona a Matosinhos, Rafa não hesita e escolhe «a estrada menos percorrida».

(Texto publicado na LER nº 82)

ARMANDA PASSOS E A ANIMAL


A pintora Armanda Passos ofereceu um quadro à associação ANIMAL, que neste momento – ou especialmente neste momento – precisa de fundos para continuar o seu trabalho. Quem quiser adquiri-lo pode contactar pelo email campanhas@animal.org.pt. Há muitas formas de ajudar. Eu também já contribuí.

BOAS E MÁS NOTÍCIAS

Se houver a necessária vigilância, as penas de prisão até dez anos podem ser um passo decisivo para dissuadir os organizadores e frequentadores das lutas de cães, um dos fenómenos sociais mais abjectos que existem. A abstenção vergonhosa do PSD e do CDS-PP não surpreende. Paulo Rangel já fez saber publicamente que discorda do princípio básico dos direitos dos animais, que é lícito matar animais por desporto e que não tem nada contra o negócio das peles e das touradas. Aposto que se fosse esfolado vivo já não diria o mesmo.

COMER OS LIVROS, 3


Felizmente, as Fatias de Tomar apareciam na página 35 para salvar a honra do convento.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

SOUVENIR DA ERICEIRA



Apesar de o recente city-break na Ericeira ter sido algo decepcionante, graças à chuva e ao festival de reggae que martelou “there’s a rat in my kitchen” até depois das duas da manhã (impressionante como estas coisas são permitidas dentro das localidades), trouxe de lá uma curiosidade descoberta numa loja de velharias. Dois audiolivros em vinil de nursery rhymes, com páginas interiores escritas e ilustradas in an old fashion way. Um euro cada. Mesmo bastante riscados, são irresistíveis.


AINDA SOPHIA



O último documentário da série “Grandes Livros”, exibido às sextas-feiras na RTP2, foi dedicado a Sophia de Mello Breyner Andresen – completaram-se ontem cinco anos sobre a sua morte. Naturalmente, o destaque foi para a obra poética, mas os contos ditos “para crianças” também tiveram direito aos seus cinco minutos de fama, colados à ideia de “veículo para” a arte maior da poesia. Ou seja: ler A Fada Oriana ou O Cavaleiro da Dinamarca, sim, mas sobretudo se isso servir para a iniciação de leitores que um dia descubram os ideais da cultura helénica. A dado passo, referindo-se à inevitabilidade dos contos, Fernando Pinto do Amaral usa esta expressão extraordinária: “não nos podemos revoltar com isso” (ou “por isso”). Não percebi. Por que razão haveríamos de nos “revoltar” com a referência de Sophia na literatura infantil? Ou apenas literatura, ponto. Suponho que a resposta de Fernando Pinto do Amaral tenha surgido – como se costuma dizer – descontextualizada. Ou então estava apenas a ser irónico.


NÃO QUERO USAR ÓCULOS NO PNL

Já se conhece a última lista actualizada dos livros recomendados pelo Plano Nacional de Leitura. Boas notícias: depois de O Gato e a Rainha Só, o Não Quero Usar Óculos também faz agora parte das sugestões de Leitura Autónoma ou Leitura com Apoio dos Professores ou dos Pais, desta vez para os alunos do 1º ano do 1º ciclo. Aqui.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

COMER OS LIVROS, 2


Então Portugal era isto: uma mesa posta sem toalha, um copo de vinho, um prato de louça rústica e uns talheres enferrujados. Naquele que foi um dos “Livros da Minha Infância”, o grande desgosto era ver o meu país representado por apenas duas receitas (Carne de Porco à Alentejana e Fatias de Tomar), uma das quais me enchia de vergonha. Quem é que teria dito ao senhor Roland Gööck que os portugueses eram uns javardos à mesa? Por que não teríamos também direito a uma toalha de pano e a uns talheres decentes, como todos os países de As 100 Mais Famosas Receitas do Mundo? Já não pedia o bule de prata que acompanhava a Sachertorte austríaca, nem o serviço de louça inglesa usado para servir a Mockturtle-Soup, mas ao menos uma mesa bem posta, senhores…


O problema é que esta imagem não me era de todo estranha – e daí a zanga projectada no autor. Que uma aldeia do Minho nos anos 1970 fosse, afinal, tão parecida com uma aldeia do Alentejo, dois extremos unidos por uma certa ideia de pobreza à volta do prato cheio. Uma fome do espírito que também doía no estômago, se percebem o que quero dizer.

PELOS CAMINHOS DE PORTUGAL


Que tal um passeio guiado pela paisagem protegida das Lagoas de Bertiandos e São Pedro dos Arcos? Uma visita ao Museu Ferroviário de Valença ou ao Aquamuseu do Rio Minho? Um dia de aventura com a Melgaço Radical, Oficina da Natureza ou Ecotura? E ainda não saímos do distrito de Viana do Castelo… Para quem tem miúdos, este guia pode salvar umas férias. De norte a sul do país, há aqui muitas e boas ideias para evitar o aborrecimento familiar e coisas piores. Tendo como público-alvo as crianças e “direccionado aos pais, mas também a avós e professores”, segundo as autoras (e mesmo a tios, primos, padrinhos e pessoas sem qualquer parentesco, acrescentamos), é um roteiro turístico organizado por distritos que apenas peca por deixar a Madeira e os Açores de fora. Chegou-nos ontem às mãos. Já que falámos em passeios de Verão no post anterior, aproveitamos a boleia para o recomendar.


Volta a Portugal para Crianças, de Cecília João e Sofia Martinho, Arte Plural Edições, 2009

quarta-feira, 1 de julho de 2009

JÁ NÃO FALTA NADA


Finalmente pronto, embora ainda só tenha conseguido deitar-lhe uma vista de olhos furtiva. Agora é uma questão de dias até chegar às livrarias. Ainda Falta Muito?, o resultado da minha primeira parceria com o Alex Gozblau, não podia ter corrido melhor. Ter um editor chamado José Oliveira ajuda muito. Foi assim que imaginámos uma viagem em família da cidade para o campo (o mítico “ir à terra”), com um percurso paralelo que se desenrola na cabeça de quem ocupa o banco de trás. Ali surgem interrogações, lembranças e pequenos prazeres que só os sentidos sabem provocar – como esticar o braço fora da janela e entregá-lo ao vento.


O Verão está aí. Aproveitem, porque não haverá outro igual.

PORTUGAL NEGRO



Quatro dias fora de casa chegam para acumular leituras na blogosfera, que só agora ponho em dia. NO Caderno de Saramago, é imprescindível ler o texto de dia 29, a propósito das hediondas touradas, “Espanha Negra”:

(…) “Refiro-me a essas vilas e cidades onde, por subscrição pública ou com apoio material das câmaras municipais, se adquirem touros à ganaderias para gozo e disfrute da população por ocasião das festas populares. O gozo e o disfrute não consistem em matar o animal e distribuir os bifes pelos mais necessitados. Apesar do desemprego, o povo espanhol alimenta-se bem sem favores desses. O gozo e o disfrute têm outro nome. Coberto de sangue, atravessado de lado e lado por lanças, talvez queimado pelas bandarilhas de fogo que no século XVIII se usaram em Portugal, empurrado para o mar para nele perecer afogado, o touro será torturado até à morte. As criancinhas ao colo das mães batem palmas, os maridos, excitados, apalpam as excitadas esposas e, calhando, alguma que não o seja, o povo é feliz enquanto o touro tenta fugir aos seus verdugos deixando atrás de si regueiros de sangue. É atroz, é cruel, é obsceno. Mas isso que importa se Cristiano Ronaldo vai jogar pelo Real Madrid? Que importa isso num momento em que o mundo inteiro chora a morte de Michael Jackson? Que importa que uma cidade faça da tortura premeditada de um animal indefeso uma festa colectiva que se repetirá, implacável, no ano seguinte? É isto cultura? É isto civilização? Ou será antes barbárie?”

Entretanto, amanhã ao fim da tarde, em Lisboa, a associação ANIMAL organiza mais um protesto junto ao Campo Pequeno. Já sei o que estão a pensar, mas o que a ANIMAL tem conseguido graças ao esforço de “meia dúzia de gatos pingados” não tem precedentes nos últimos tempos.


AGRADECIMENTOS



O Jardim Assombrado tem sido alvo de gentilezas várias na blogosfera que urge agradecer. Primeiro ao blogue Bibliotecar, de Maria Angelina Pereira, que lhe atribuiu o Premio Internazionale Utopie Calabresi, de recorte humanista. Depois ao Senhor Palomar, blogue de… O Senhor Palomar (e mais não sabemos, palavra), portador do prémio Lemniscata – que reconhece “blogues que demonstram talento, seja nas artes, nas letras, nas ciências, na poesia ou em qualquer outra área e que, com isso, enriquecem a blogosfera e a vida dos leitores”. Como nos parece estar tudo em harmonia, espero que não se importem que juntemos as duas imagens e nossos “muito obrigados.”