domingo, 26 de julho de 2009
CITY-BREAKS: DOURO
QUEM TEM MEDO DO LOBO MAU?
Isto é perigoso. Primeiro, porque a questão envolve valores pessoais. Há quem não goste de ser mais um ficheiro, mais um número, mais uma fotografia e uma impressão digital numa sociedade hipervigiada. Há quem não queira ser ajuizado, na sua vida privada, por um sistema político que não dá provas de ser impoluto. Não têm de ser criticados nem julgados por isso, como se tivessem algo a esconder. Estão no seu direito, tal como Anthony Browne está no direito de assumir outros valores e prontificar-se a fornecer os seus dados para registo. Por outro lado, e este será o busílis, não valerá a pena questionar a real eficácia desta proposta? Sabe-se que os abusos sexuais são perpetrados, na maioria dos casos, por gente que vive em constante proximidade com as crianças, seja na escola ou na família. Sabe-se, também, que os autores se deslocam às escolas sempre acompanhados por professores e com um incansável programa de festas a cumprir. Que perigo efectivo podem representar para as crianças? Não mais do que o homem dos gelados, o vendedor do quiosque ou a senhora que limpa os balneários. Bom, se calhar, o melhor é passar a pente fino a vida de toda a gente. Podemos começar já pelo vizinho do lado.
JOHN KEATS, HAMPSTEAD, LONDON
sábado, 25 de julho de 2009
A ARTE DE CONTAR HISTÓRIAS VERDADEIRAS
“Em 1973, no ano em que publicou uma antologia sobre o assunto, Tom Wolfe fez voto de silêncio e jurou que nunca mais haveria de discutir os quês e os porquês do chamado «novo jornalismo». Questão de técnica literária, argumentava, contra os que pretendiam alimentar um monstro teórico de formas imprecisas. Técnica um: preferir a construção por cenas à narrativa cronológica. Dois: abusar dos diálogos. Três: anotar os pormenores reveladores de estatuto social, desde o vocabulário à mobília de casa. Quatro: adoptar o ponto de vista da primeira pessoa. Estes e outros métodos deram substância, nos anos 1960 e 70, ao estilo jornalístico de Wolfe – e também de Truman Capote, Norman Mailer, Gay Talese e Joan Didion, entre outros –, fazendo escola em revistas como a Esquire, Rolling Stone ou The New Yorker. Mais de trinta anos depois, o autor de A Fogueira das Vaidades permitiu-se fazer um breve flashback, agora que o debate está esquecido («quer dizer, durante quantas décadas se pode continuar a discutir algo que se autodenomina “novo”?»), embora o essencial continue vivo. Com a chancela da Universidade de Harvard, Telling True Stories está aí para o confirmar.
Chame-se novo jornalismo, jornalismo literário, jornalismo narrativo, não-ficção criativa, romance de não-ficção ou outros termos de difícil tradução para português, estamos sempre a falar da arte de contar histórias verdadeiras. Histórias que podem ter por título «Frank Sinatra Has A Cold» («Frank Sinatra Está Constipado»), como quis Gay Talese, enviado a Los Angeles pela Esquire no Inverno de 1965. Subitamente indisponível e mal-humorado, Sinatra esquivou-se à entrevista agendada; o resultado foi um perfil excepcional e uma peça jornalística de antologia. «A curiosidade é o princípio» e não se aprende nas faculdades, garante Gay Talese, um dos pesos-pesados que figuram em Telling True Stories. Ao todo, são 99 pequenos ensaios seleccionados dos últimos cinco anos de conferências sobre jornalismo narrativo promovidas pela Nieman Foundation, agregada à Universidade de Harvard. Recomendado como «um guia para escritores de não-ficção», contém uma série de pensamentos inteligentes sobre um género de jornalismo que, parafraseando o título desta secção da LER, procura transformar bons apontamentos em grandes histórias.
Como consegui-lo, eis a questão. Em textos curtos, 51 jornalistas e escritores de não-ficção contam o que aprenderam com a sua experiência. Gay Talese lembra a época em que se afastou do jornalismo diário e das suas óbvias limitações de tempo e espaço. Tom Wolfe evoca o escritor Stephen Crane como um caso pioneiro da capacidade de chegar ao «núcleo emocional da história». David Halberstan recomenda ler bons romances policiais para saber construir a estrutura narrativa de uma reportagem. Nora Ephron diz o que pode haver em comum entre jornalistas e guionistas. Tom French explica o ritmo de uma sequência de texto. Roy Peter Clark assinala os dois princípios éticos que presidem à separação entre factos e ficção: «Não acrescentes. Não enganes».
Para além de pequenas divergências (usar gravador ou gravar mentalmente o que se ouve?), o que sobressai destes textos é a forte ligação dos jornalistas à sua prática profissional. Se são «as emoções, não os factos, que chamam os leitores», como escreve Tom Wolfe, encontrar o «núcleo emocional das histórias» é a questão fundamental para jornalistas e editores, numa época em que se discute o futuro dos jornais e revistas. O resto é técnica. Pesquisar, reportar, pensar, escrever, reescrever. No fundo, a lição de Telling True Stories é simples: não há bom jornalismo sem esforço.”
(Telling True Stories, AA.VV., Plume, 2007)
CURSO DE JORNALISMO LITERÁRIO
quinta-feira, 23 de julho de 2009
ESCLARECIMENTO E DÚVIDA
PODOLOGIA: UMA QUESTÃO DE BASE
quarta-feira, 22 de julho de 2009
MUNDOS INCOMUNICANTES
terça-feira, 21 de julho de 2009
INFORMAÇÃO DA PESADA
UMA CAMPANHA E PÊRAS
Além de marketing e promoção da leitura, a campanha tem uma vocação solidária: dentro dos livros encontra-se um postal que deverá ser enviado à escritora com uma mensagem ou um desenho de parabéns, revertendo depois em favor das bibliotecas de Timor. Ou seja: por cada postal recebido, a Leya oferece um livro ao país com o qual Alice Vieira “tem uma relação especial”, segundo comunicado de imprensa. Todos os pormenores da campanha, bem como notícias e entrevistas, podem ser acompanhados no novo blogue: http://alicevieira.wordpress.com/
BOA VIZINHANÇA
“Os projectos são respostas a problemas específicos da cidade de Lisboa. Os sítios escolhidos foram Alfama e Castelo porque são bairros consolidados da cidade, onde a proximidade é tema forte e porque é urgente reflectir sobre os nossos centros históricos, onde muitas vezes existem espaços abandonados e expectantes, vazios urbanos parados no tempo.”
Infelizmente, a exposição ficará pouco tempo visível ao público: apenas até 26 de Julho, das 12h00 às 24h00.
segunda-feira, 20 de julho de 2009
QUANDO OS AUTORES VÃO ÀS ESCOLAS
Quinze minutos volvidos sobre o início da primeira sessão, achei que tinha nascido para aquilo. Senti-me um verdadeiro Liberace da promoção da leitura, uma one-girl-show de biblioteca… Os miúdos, dos seus sete ou oito anos, faziam perguntas curiosas e inteligentes, que revelavam uma leitura prévia estimulante por parte do professor, e mesmo os mais tímidos se mostravam atentos – não sei se às respostas, se à minha movimentação imparável de animal de circo em noite de estreia, um hábito progressivamente corrigido. No fim, depois dos autógrafos e beijinhos, o optimismo e a confiança eram já os meus nomes do meio, e ostentava a oferta do ramo de flores como se de uma lança em África se tratasse.
Dez minutos depois, a sessão seguinte, com miúdos de idades semelhantes mas de outras escolas, foi pouco menos do que um desastre, e dei por mim a desejar que aquela hora passasse depressa. Não só as perguntas eram repetitivas e banais, como traduziam uma obsessão inédita pela minha vida privada (“Tem filhos?”, “Tem irmãos?”, “É casada?”) que me parecia de todo desajustada à situação. Lá fui respondendo como pude, enquanto a voz me doía. Olhava para os miúdos e olhava para as professoras, enviando-lhes um S.O.S. desesperado, mas só obtinha em troca um assentimento próximo do sadismo.
Sem protagonizarem qualquer intervenção ou encorajamento dos alunos, terminada a sessão, as professoras despediram-se com um cumprimento seco e formal, que desfez em pó as ruínas da minha pobre auto-estima. Soube, mais tarde, que não tinham concordado com o convite e a escolha de O gato e Rainha Só, por lhes parecer uma história muito urbana e com referências difíceis para alunos de um ambiente rural e semi-rural – argumentos absurdos, para quem conhece o livro. Não perceberam que o desinteresse ostensivo na leitura e interpretação da história, servindo como arma de arremesso, só prejudicou as próprias crianças, privando-as do direito à leitura literária e da visão do mundo de um autor.
Três anos depois deste episódio, com mais dois livros publicados, creio que a falta de investimento e preparação dos professores ou mediadores na leitura das obras é o principal factor de desmotivação na ida dos autores às escolas. Apesar de muitas experiências correrem de forma exemplar, há um momento em que estes se perguntam, inevitavelmente: valerá a pena perder tempo quando se pode ficar em casa a escrever?
PARA O ANO HÁ MAIS
quinta-feira, 16 de julho de 2009
SE ISTO É A REALIDADE...
A ÚLTIMA AGULHA NO PALHEIRO
NÃO É CONVERSA MOLE
ESTE HOMEM DEVIA ESCREVER CONTOS
quarta-feira, 15 de julho de 2009
APRENDER COM OS BURROS
“Burros conta a história enternecedora de um casal de burros que celebra o aniversário das suas bodas de prata. Porém, uma pequena discussão e muita casmurrice fazem com que cada um siga o seu caminho em busca de novo parceiro. Depois de vários encontros e desencontros, acabam por perceber que não é assim tão fácil substituírem-se um ao outro…Uma história de amor, teimosia e reconciliação contada com humor e forte expressividade gráfica.”
Nas livrarias a partir de 24 de Julho.
REGRESSO ÀS ORIGENS
ARRISCAR, ARRISCAR
And up she grew so tall,
She ate from a plate called TASTE ME.
And down she shrank so small.
And so she changed, while other folks
Never tried nothing’ at all.
(“Alice”, um poema do livro Where the Sidewalk Ends, de Shel Silverstein. Imagem da Alice no País das Maravilhas de Tim Burton)
terça-feira, 14 de julho de 2009
AINDA FALTAM UNS DIAS
O Ainda Falta Muito? está mais do que pronto e já seguiu para a imprensa e outros meios. Devia ter chegado às livrarias no dia 9, mas foi adiado para próxima segunda-feira. A razão por que isto acontece transcende-me em absoluto e não encontro uma explicação lógica. Só sei que não é bom para os livros nem para os autores. Mas é assim.
(Ilustração de Alex Gozblau)
NOS 30 ANOS DA ANTÍGONA
(…)
Valerá a pena lembrar que o medo também fascina? Que uma bandeira negra ainda provoca um arrepio e que esse arrepio é bom? Nas brincadeiras de infância, quando se está do lado da transgressão, só se pode ser pirata ou índio. A própria vida de um pirata, ainda segundo Lapouge, “não é mais do que o concretizar de um sonho da infância”. Ter tudo, suprimir as regras, jogar o jogo, celebrar em irmandade, às vezes morrer. Mas, nesse caso, atira-se o corpo à água e pouco mais. Nem elegias nem cemitérios. Não será uma maneira de dizer “eu agora não morria”?
Piratas e índios encontram-se na Terra do Nunca, onde Peter Pan combate o Capitão Gancho, seu alter-ego de menino castigado. Seria injusto deixá-lo de fora deste fascínio; afinal, é um pirata tão trágico como os de carne e osso. Mais elegante do que o velho John Silver de A Ilha do Tesouro, muito mais autêntico do que o Capitão Blood incarnado por Errol Flynn, cujo fantasma também anda por aqui. Nascido gentleman, desamparado na solidão dos adultos, James Gancho morre como um pirata: a rir-se dos seus tormentos. Derrubado pelo pontapé de Peter Pan, cai na boca do crocodilo, gritando, trocista: “Más maneiras!”. E não é que tinha razão? Sacana do Gancho.
(Excerto do texto “Os Piratas – Vagabundos do Mar”, publicado na Notícias Magazine, secção “Coisas que Fascinam”, em Fevereiro de 2003. Fortemente inspirado pelo livro Os Piratas, de Gilles Lapouge, ed. Antígona, 1998)
segunda-feira, 13 de julho de 2009
DE PROFUNDIS - AGORA É QUE É
MULHERZINHAS, 2
MULHERZINHAS, 1
quinta-feira, 9 de julho de 2009
POLÉMICA? QUAL POLÉMICA?
ESTREIA-SE HOJE NO CINEMA
Nessa casa viviam, apaixonados, uma mulher que tocava violoncelo e um pintor fascinado pelo Mar e pelas suas criaturas, pelos segredos que as suas profundezas guardavam, pelos seres magníficos que na sua imaginação o povoavam e pelas margens das terras longínquas do outro lado do mundo às quais, se se descortinasse o rumo, as suas águas podiam conduzir.”
(De Profundis, de Miguelanxo Prado, Ed. Asa. Para aceder ao trailer do filme clique aqui.)
terça-feira, 7 de julho de 2009
ONDE ESTÁ A BRUAÁ?
PRIMEIRA REVISTA B:MAG
DN JOVEM EM TESE DE MESTRADO, 2
- “Com a migração de 1996 e a passagem de caderno a página única, o DN Jovem perdeu o seu estatuto de unicidade em papel e não o conquistou no meio digital.
- O destino do DN Jovem não foi alheio à turbulência interna vivida no jornal que o acolhia (DN mudou do Grupo PT para a Controlinveste em Agosto de 2005; o jornal teve cinco directores desde 1996).”
Na imagem, alguns livros de autores que passaram pelas páginas do DN Jovem: José Mário Silva, António Manuel Venda, José Eduardo Agualusa, José Riço Direitinho, Pedro Mexia e Rita Taborda Duarte, entre outros. A tese chama-se “O DN Jovem entre o Papel e a Net – Dinâmicas, implicações e consequências de uma transição extemporânea”. Esperamos que alguém tenha a boa ideia de a editar em livro, um destes dias.
DN JOVEM EM TESE DE MESTRADO, 1
“Publicado pela primeira vez em Maio de 1983, o DN Jovem (DNJ) foi, por mais de 20 anos, berço de jornalistas, escritores, fotógrafos e ilustradores. O suplemento do Diário de Notícias (DN) sofreu, contudo, um duro revés em Junho de 1996, com a migração para uma Internet então inacessível à generalidade dos portugueses. A sua última edição neste suporte foi em Março de 2007, quando faltava cerca de um ano para celebrar um quarto de século. A nossa investigação procurou enquadrar e compreender uma transição que consideramos prematura e fê-lo no plano externo ao DN, à luz da dicotomia papel versus digital, e no plano interno, averiguando que leitura do DNJ era feita pela Administração/Direcção e pelo departamento comercial do jornal que o publicava.”
A tese foi defendida há uma semana, no ISCTE, com a classificação unânime do júri, constituído por três sociólogos: António Firmino da Costa, Fernando Almeida e José Rebelo (este último, orientador da dissertação). A saber: “Muito bom”, nota máxima. Apenas alguns dos comentários: “Uma dissertação que se lê como um romance”; “um daqueles raros trabalhos que nos vai deixar saudades de como eram os mestrados antes do Processo de Bolonha”; “um trabalho que revela uma capacidade de pensar criticamente a profissão, não apenas a nível académico mas também de cidadania, e que mostra as consequências de se tomarem decisões apenas com base em razões economicistas”.
Conhecendo a Helena de Sousa Freitas e tendo acompanhado à distância este trabalho feito de persistência, honestidade e rigor, sei que tudo isto é verdade; ela faz parte daquele escassíssimo grupo de pessoas a quem o desencanto com os meandros da profissão (tudo o que não tem a ver com o jornalismo, basicamente) não conseguiu roubar o que há de mais essencial. Porque é dela.
segunda-feira, 6 de julho de 2009
DE BARCELONA A MATOSINHOS
Fátima Pombo
Trinta por Uma Linha
Não é fácil escrever para adolescentes, sobretudo quando se envereda por um registo afastado dos ambientes de mistério ou magia. Vencedora do Prémio Fnac/Teorema de 2002, com O Desenhador, Fátima Pombo impõe-se pelo sentido de ritmo narrativo, a que não será alheia a sua formação superior em música. Mais: as descrições não descambam em lições de história; os diálogos evitam expressões pré-datadas (como «bué da nice» e afins); e os personagens são mais do que kalkitos presos à sua bidimensionalidade. Dito isto, é preciso notar que as aventuras de Rafa – já em segundo volume – não se parecem com as de qualquer rapaz de 15 anos. Rafa é catalão, vive entre Girona e Barcelona, é filho de pais divorciados que passam férias no sul de França e vão a restaurantes de sushi. Gosta de jazz, conhece o Palau de la Musica e lê (com algum esforço) Haruki Murakami, por influência de uma rapariga esperta e bem-humorada. Apesar das aparentes facilidades, as suas inquietações e medos são semelhantes aos de qualquer adolescente. Numa viagem solitária que o leva de Barcelona a Matosinhos, Rafa não hesita e escolhe «a estrada menos percorrida».
(Texto publicado na LER nº 82)
ARMANDA PASSOS E A ANIMAL
A pintora Armanda Passos ofereceu um quadro à associação ANIMAL, que neste momento – ou especialmente neste momento – precisa de fundos para continuar o seu trabalho. Quem quiser adquiri-lo pode contactar pelo email campanhas@animal.org.pt. Há muitas formas de ajudar. Eu também já contribuí.
BOAS E MÁS NOTÍCIAS
sexta-feira, 3 de julho de 2009
SOUVENIR DA ERICEIRA
Apesar de o recente city-break na Ericeira ter sido algo decepcionante, graças à chuva e ao festival de reggae que martelou “there’s a rat in my kitchen” até depois das duas da manhã (impressionante como estas coisas são permitidas dentro das localidades), trouxe de lá uma curiosidade descoberta numa loja de velharias. Dois audiolivros em vinil de nursery rhymes, com páginas interiores escritas e ilustradas in an old fashion way. Um euro cada. Mesmo bastante riscados, são irresistíveis.
AINDA SOPHIA
O último documentário da série “Grandes Livros”, exibido às sextas-feiras na RTP2, foi dedicado a Sophia de Mello Breyner Andresen – completaram-se ontem cinco anos sobre a sua morte. Naturalmente, o destaque foi para a obra poética, mas os contos ditos “para crianças” também tiveram direito aos seus cinco minutos de fama, colados à ideia de “veículo para” a arte maior da poesia. Ou seja: ler A Fada Oriana ou O Cavaleiro da Dinamarca, sim, mas sobretudo se isso servir para a iniciação de leitores que um dia descubram os ideais da cultura helénica. A dado passo, referindo-se à inevitabilidade dos contos, Fernando Pinto do Amaral usa esta expressão extraordinária: “não nos podemos revoltar com isso” (ou “por isso”). Não percebi. Por que razão haveríamos de nos “revoltar” com a referência de Sophia na literatura infantil? Ou apenas literatura, ponto. Suponho que a resposta de Fernando Pinto do Amaral tenha surgido – como se costuma dizer – descontextualizada. Ou então estava apenas a ser irónico.
NÃO QUERO USAR ÓCULOS NO PNL
quinta-feira, 2 de julho de 2009
COMER OS LIVROS, 2
Então Portugal era isto: uma mesa posta sem toalha, um copo de vinho, um prato de louça rústica e uns talheres enferrujados. Naquele que foi um dos “Livros da Minha Infância”, o grande desgosto era ver o meu país representado por apenas duas receitas (Carne de Porco à Alentejana e Fatias de Tomar), uma das quais me enchia de vergonha. Quem é que teria dito ao senhor Roland Gööck que os portugueses eram uns javardos à mesa? Por que não teríamos também direito a uma toalha de pano e a uns talheres decentes, como todos os países de As 100 Mais Famosas Receitas do Mundo? Já não pedia o bule de prata que acompanhava a Sachertorte austríaca, nem o serviço de louça inglesa usado para servir a Mockturtle-Soup, mas ao menos uma mesa bem posta, senhores…
O problema é que esta imagem não me era de todo estranha – e daí a zanga projectada no autor. Que uma aldeia do Minho nos anos 1970 fosse, afinal, tão parecida com uma aldeia do Alentejo, dois extremos unidos por uma certa ideia de pobreza à volta do prato cheio. Uma fome do espírito que também doía no estômago, se percebem o que quero dizer.
PELOS CAMINHOS DE PORTUGAL
Que tal um passeio guiado pela paisagem protegida das Lagoas de Bertiandos e São Pedro dos Arcos? Uma visita ao Museu Ferroviário de Valença ou ao Aquamuseu do Rio Minho? Um dia de aventura com a Melgaço Radical, Oficina da Natureza ou Ecotura? E ainda não saímos do distrito de Viana do Castelo… Para quem tem miúdos, este guia pode salvar umas férias. De norte a sul do país, há aqui muitas e boas ideias para evitar o aborrecimento familiar e coisas piores. Tendo como público-alvo as crianças e “direccionado aos pais, mas também a avós e professores”, segundo as autoras (e mesmo a tios, primos, padrinhos e pessoas sem qualquer parentesco, acrescentamos), é um roteiro turístico organizado por distritos que apenas peca por deixar a Madeira e os Açores de fora. Chegou-nos ontem às mãos. Já que falámos em passeios de Verão no post anterior, aproveitamos a boleia para o recomendar.
Volta a Portugal para Crianças, de Cecília João e Sofia Martinho, Arte Plural Edições, 2009
quarta-feira, 1 de julho de 2009
JÁ NÃO FALTA NADA
Finalmente pronto, embora ainda só tenha conseguido deitar-lhe uma vista de olhos furtiva. Agora é uma questão de dias até chegar às livrarias. Ainda Falta Muito?, o resultado da minha primeira parceria com o Alex Gozblau, não podia ter corrido melhor. Ter um editor chamado José Oliveira ajuda muito. Foi assim que imaginámos uma viagem em família da cidade para o campo (o mítico “ir à terra”), com um percurso paralelo que se desenrola na cabeça de quem ocupa o banco de trás. Ali surgem interrogações, lembranças e pequenos prazeres que só os sentidos sabem provocar – como esticar o braço fora da janela e entregá-lo ao vento.
O Verão está aí. Aproveitem, porque não haverá outro igual.
PORTUGAL NEGRO
Quatro dias fora de casa chegam para acumular leituras na blogosfera, que só agora ponho
(…) “Refiro-me a essas vilas e cidades onde, por subscrição pública ou com apoio material das câmaras municipais, se adquirem touros à ganaderias para gozo e disfrute da população por ocasião das festas populares. O gozo e o disfrute não consistem em matar o animal e distribuir os bifes pelos mais necessitados. Apesar do desemprego, o povo espanhol alimenta-se bem sem favores desses. O gozo e o disfrute têm outro nome. Coberto de sangue, atravessado de lado e lado por lanças, talvez queimado pelas bandarilhas de fogo que no século XVIII se usaram em Portugal, empurrado para o mar para nele perecer afogado, o touro será torturado até à morte. As criancinhas ao colo das mães batem palmas, os maridos, excitados, apalpam as excitadas esposas e, calhando, alguma que não o seja, o povo é feliz enquanto o touro tenta fugir aos seus verdugos deixando atrás de si regueiros de sangue. É atroz, é cruel, é obsceno. Mas isso que importa se Cristiano Ronaldo vai jogar pelo Real Madrid? Que importa isso num momento em que o mundo inteiro chora a morte de Michael Jackson? Que importa que uma cidade faça da tortura premeditada de um animal indefeso uma festa colectiva que se repetirá, implacável, no ano seguinte? É isto cultura? É isto civilização? Ou será antes barbárie?”
Entretanto, amanhã ao fim da tarde, em Lisboa, a associação ANIMAL organiza mais um protesto junto ao Campo Pequeno. Já sei o que estão a pensar, mas o que a ANIMAL tem conseguido graças ao esforço de “meia dúzia de gatos pingados” não tem precedentes nos últimos tempos.
AGRADECIMENTOS
O Jardim Assombrado tem sido alvo de gentilezas várias na blogosfera que urge agradecer. Primeiro ao blogue Bibliotecar, de Maria Angelina Pereira, que lhe atribuiu o Premio Internazionale Utopie Calabresi, de recorte humanista. Depois ao Senhor Palomar, blogue de… O Senhor Palomar (e mais não sabemos, palavra), portador do prémio Lemniscata – que reconhece “blogues que demonstram talento, seja nas artes, nas letras, nas ciências, na poesia ou em qualquer outra área e que, com isso, enriquecem a blogosfera e a vida dos leitores”. Como nos parece estar tudo em harmonia, espero que não se importem que juntemos as duas imagens e nossos “muito obrigados.”