terça-feira, 30 de junho de 2009

A MAÇÃ ENVENENADA


Na próxima vez que um tipo de collants me quiser beijar, atiro-lhe com um livro da Germaine Greer à cabeça, pode ser que o gajo me deixe dormir em paz.


("Fallen Princesses", um trabalho fotográfico de Dina Goldstein. A Bruaá só mostra coisas boas.)

COMER OS LIVROS, 1


Quando a Casa da Leitura me pediu a lista de “Os Livros da Minha Infância”, estive vai-não-vai para incluir As 100 Mais Famosas Receitas do Mundo, uma edição do Círculo de Leitores datada de 1977 que moldou para sempre a minha consciência do paladar. Nas primeiras vezes a que me abalancei a fazer um Irish Stew ou um Ratatouille guiei-me pelas indicações do autor, Roland Gööck. Houve até uma fase em que pensei dedicar-me à crítica gastronómica, mas razões de cobardia estética travaram-me o impulso e sucumbi aos augúrios da balança. Ainda hoje esta decisão me pesa na consciência, de vez em quando.


Isso aconteceu muito mais tarde, claro. Aos oito ou nove anos, apenas achava estranho que uma parte do mundo se alimentasse exclusivamente de “milho, painço e sorgo”, como resumia O Atlas do Nosso Tempo, outro livro transformado em companheiro de brincadeiras (nessa altura, os livros eram tão raros e estimados que as leituras, de tão repetidas, lhes davam uma existência paralela à nossa). As 100 Mais Famosas Receitas do Mundo constituiu o contraponto a essa desolada trilogia alimentícia em que apenas um dos ingredientes, o milho, me era familiar. Ainda hoje, “painço e sorgo” remetem-me para um continente desconhecido onde creio que dificilmente sobreviveria à fome, real ou simbólica.


Devo a Roland Gööck a primeira introdução ao Caril de Galinha, ao Chili com Carne, ao Risotto, ao Chop Suey, ao Nasi Goreng, à Paella, ao Zabaione, ao Ossobuco, ao Cuscus, ao Chateaubriand e a outros pratos a que me entregava com uma gula contemplativa que deixaria as suas marcas (algumas delas bem visíveis, hélas!). Havia injustiças, é certo. Agora que penso nisso, interrogo-me sobre a ausência de qualquer representação gastronómica da Grécia, do Brasil ou da Tailândia, só para dar três exemplos notórios. Que qualquer prato de peixe figurasse entre estas 100 maravilhas do mundo culinário, parecia-me, à época, ainda mais revoltante. Idem para os sombrios pimentos recheados da Turquia, a esquálida salada de endívias da Bélgica ou o monocromático molho verde italiano, que a meu ver não merecia ocupar um lugar entre os eleitos (era só um molho, caramba!).


Porém, a ordem do mundo compunha-se perante a visão das elegantíssimas Peras Belle Hélène ou da voluptuosa Moussaka, a que as pinceladas de verniz indispensáveis à fotografia davam ainda mais graça; e a realidade ganhava consistência perante a simples possibilidade de imaginar o sabor dos Boston Baked Beans, o prato aventureiro do “pioneiros” e dos “lenhadores da fronteira canadiana” em que imediatamente me transformava, frente à lareira acesa. Não sei se pela curiosidade de se apresentarem em potes de louça em vez de pratos, se por causa daquelas fatias redondas de “pão de aveia” que me faziam lembrar as deliciosas belouras fritas, os Boston Baked Beans ocupavam o meu top de preferências. Com eles soube o que era a vontade de comer os livros, um gosto que me ficou para sempre.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

CITY-BREAKS: ERICEIRA


... e embora o clima da Ericeira não se compare aos Mares do Sul, é mesmo para lá que vou daqui a pouco. O Jardim Assombrado fica a banhos até à próxima terça-feira. Au revoir!

OS MARES DO SUL, 5: COCONUT RADIO

OS MARES DO SUL, 4: CIVILIZAÇÃO MODERNA

OS MARES DO SUL, 3: HOW TO GO NATIVE

OS MARES DO SUL, 2: LE TRUCK

OS MARES DO SUL, 1


Há quem sonhe com os desertos, com as paisagens geladas, com a África ou com o Oriente. O meu imaginário geográfico é quase totalmente ocupado pelos antípodas e pelos mares do sul. Questão de clima interior, para não dizer mais. Publicado nos EUA em 1961, Let’s Travel in the South Seas foi mais uma das descobertas nas Livraria Sá da Costa. Tem subtítulos do género: “Fiji, colónia imperial de antigos canibais”, “”Tahiti, pérola do Pacífico”, “Samoa, paraíso polinésio”, “Samoa, o mais pequeno reino do mundo.” Ou seja, toda a colecção de clichés conduzida por um discurso paternalista e etnocêntrico, acrescentada por legendas absolutamente impagáveis. Aqui fica uma selecção (cliquem nas imagens para aumentar).


quarta-feira, 24 de junho de 2009

O CÉU NA NOVA ZELÂNDIA


Amanhã de manhã estará assim. Se eu embarcar imediatamente no Cruzeiro do Sul ainda chegarei a tempo?

PROFISSÕES DO FUTURO: CATWOMAN


Estive hoje à tarde no Colégio da Bafureira, na Parede, para um encontro com a turma do 2º ano da Professora Ana Patrícia Teixeira, colega do curso de Pós-Graduação em Livro Infantil. Foi uma das visitas mais originais e gratificantes a que já tive direito. Os miúdos receberam-me como se não soubessem quem era, encenando a leitura do Não Quero Usar Óculos e comentando o livro entre eles, fazendo de conta que me ignoravam, ali sentadinha na cadeira. Depois, “desmascararam-se” e começaram a fazer perguntas, a primeira das quais sobre a minha idade. Brinquei e disse que era muito velha, velhíssima, com mais de 120 anos – ao que eles responderam com um “Aaaaaaaaahh!” de “a mim não me enganas tu”. Por fim lá disse a verdade: 40 anos. Notei que consegui diminuir a impressão de antiguidade, embora não completamente. Resposta do Tiago, após as primeiras reacções dos colegas: “40 anos não é muito, para uma senhora.” Um perfeito cavalheiro. Houvesse mais assim e o mundo funcionaria melhor.


PS – Desta vez, os óculos inventados eram em cartão pintado, em formato tridimensional, razão por que não os posso reproduzir aqui. Mas trouxe o desenho da Diana, que imaginou uns óculos para estar sempre na companhia de um gato. Não podia estar mais de acordo. Tão de acordo que até vejo a triplicar.

terça-feira, 23 de junho de 2009

O BLOGGER RELUTANTE


O blogger anda armado em parvo, não sei porquê. Dá-me mensagens de erro de cada vez que publico um post, criando problemas acrescidos para colocação de links ou imagens. Decidiu aumentar o corpo de letra das mensagens sem que lhe tivesse dado ordens para isso, criando um efeito inestético que muito me desagrada. Se é uma piadinha em relação às minhas 13 dioptrias, acho de péssimo gosto. Vou tentando enganá-lo como posso, mas fico sempre com a sensação de que um dia isto desembocará num verdadeiro ataque de nervos. Mas enfim, como se diz no post anterior, vamos indo e vamos vendo. Se se notar alguma coisa realmente estranha, queiram desculpar.

VAMOS INDO E VAMOS VENDO

Desde miúda que ouço esta expressão muito lá do Norte: “Vamos indo e vamos vendo.” Aplica-se às mais diversas situações, conjugando uma certa aptidão cautelosa com a inevitabilidade da acção concreta, ainda que formulada no gerúndio. Se apenas fôssemos “indo”, cairíamos em atitudes irreflectidas. Se, pelo contrário, nos limitássemos a ir “vendo”, acabaríamos por fazer coisa nenhuma. Assim, enquanto “vamos indo e vamos vendo”, a vida faz-se e ninguém nos pode acusar de má vontade. Exemplo: uma pessoa tem uma grave doença crónica, mas não desiste; vai indo e vai vendo, evitando prognósticos definitivos. A maionese está a ficar deslaçada, mas continuamos a adicionar azeite; vamos indo e vamos vendo, para depois cantar vitória ou enfiar tudo no lixo. O novo namoro está a revelar-se uma desilusão, mas ainda não perdemos totalmente a paciência; vamos indo e vamos vendo, até que a criatura revele a sua verdadeira natureza. E assim por diante. Ir indo e ir vendo é uma boa estratégia para evitar desistir à primeira, à segunda, ou mesmo para o resto da vida.

PARA TI, MICHELITO


“E viu-se – o que nunca se tinha visto e que possivelmente nunca mais tornará a ver-se. Viu-se Cravozito, o enorme touro de grandes peitorais e chifres aguçados, ir-se embora a trote ao lado dum rapazito comovido, que fazia baixinho a jura de nunca vir a ser toureiro.”


(Mais uma relíquia desencantada das estantes da Livraria Sá da Costa que dedico ao Michelito, o puto mexicano de 11 anos impedido de tourear no Campo Pequeno, depois de uma providência cautelar interposta pela ANIMAL. Não é que o livro seja exemplar, como se pode ver pela amostra... Mas a causa, sim.)

AMIGOS ESTRANHOS

O Edifício Barbosa du Bocage, que tem como slogan “prestígio no coração de Lisboa”, quer ser meu amigo no Facebook. É uma das propostas mais estranhas que tenho recebido ultimamente. Receio bem que o meu modesto apartamento alugado em Alvalade, sem jacuzzi nem aquecimento central, não tenha afinidades com este amigo de elevado estatuto imobiliário. Pese embora o eterno sentimentalismo das minhas águas-furtadas, vou ter de recusar o pedido de amizade, a menos que a cave me faça encontrar razões profundas para não o fazer. Para já, despeço-me, piscando uma tímida persiana ao Barbosa du Bocage, e garantindo-lhe que não estou com a telha. Não hoje.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

ESTAMOS NA CASA DA LEITURA


A Casa da Leitura, o projecto da Gulbenkian que se rapidamente se tornou uma indispensável fonte de recursos documentais e não só, desafiou-me a fazer uma lista de títulos para integrar a secção “Os Livros da Minha Infância”. São muitos. Depois de um aturado corta-e-cola, cheguei a esta. Segue-se o texto completo que talvez explique algumas idiossincrasias.


- Os Mistérios da Floresta Negra, Emílio Salgari

- Cândido, Voltaire

- A Fada Oriana, Sophia de Mello Breyner Andresen

- Um Dia Feliz, Pearl Buck

- A Princesinha, Frances H. Burnett

- O Meu Pé de Laranja Lima, José Mauro de Vasconcelos

- Coração, Edmundo de Amicis

- A Cabana do Pai Tomás, Harriet B. Stowe

- A Nau Catrineta

- O Livro de São Cipriano

- O Atlas do Nosso Tempo, Selecções do Reader’s Digest

- Séries Os Cinco, Quatro Torres e As Gémeas, Enid Blyton



Uma chantagem feliz


O meu primeiro livro foi conquistado por via da chantagem, quando me propuseram trocar a chupeta por O Gato das Botas, aos dois anos. Aceitei, sem saber onde me metia. Comecei a ler cedo, por volta dos quatro anos, e as pessoas pensavam que eu decorava o jornal. Felizmente nessa altura não se falava de crianças “índigo” nem nada do género, por isso pude crescer em paz com os meus medos e fantasmas, sem os quais hoje não saberia escrever. Os livros foram os meus melhores amigos, sempre. Lia o que apanhava à mão e o que me apetecia. Assim ignorei a Odisseia, Jules Verne (excepto Miguel Strogoff) e outras coisas recomendáveis, trocando-as pelos feitiços de O Livro de São Cipriano. Nunca me disseram “não leias isso, que não é para a tua idade”. Aos oito ou nove anos apaixonei-me pelo Cândido, de Voltaire, que interpretei como uma fantástica aventura, com piratas e tudo. Li-o várias vezes. Se tivesse que escolher um, talvez fosse A Princesinha, de Frances Hodgson Burnett, uma heroína com quem me identifico totalmente. Podia fazer uma lista três vezes maior do que esta, porque os livros da minha infância continuam a ser aqueles de que me lembro melhor. É raro o dia em que não pense neles.

domingo, 21 de junho de 2009

VERÃO AZUL NA BAHIA


Do Parque da Bela Vista, em Lisboa, entram-me em casa os últimos ecos do mega-piquenique (o maior do mundo, dizem) em que Tony Carreira foi a grande vedeta. Who cares? A minha ideia do Verão que hoje começa está ligada uma praça vazia e uma igreja azul na cidade de Canavieiras, a 120 quilómetros de Ilhéus, na Bahia (sim, gosto de escrever Bahia com “h”). Abençoada por um dia, comi um dos melhores bobós de camarão da minha vida, na Casa Verde de Maria José Brigham, uma mulher esplêndida, maravilhosa… O nome da casa tem a ver com as origens cabo-verdianas, não com o Sporting, aproveito para esclarecer. Aqui, tão próxima do Parque da Bela Vista e dos milhares de portugueses que amam Tony Carreira, lembro-me de sensação de estar em família, sem outra preocupação no mundo que não fosse a de calcular o efeito das caipirinhas na incrementação do molho picante da senhora Brigham, ou vice-versa. A minha ideia de Verão corresponde à alimentação deste tipo de pensamentos, sob uma temperatura nunca abaixo dos 30º. Quando era pequena, chamavam-me “lagartixa”. E eu sonhava com o cowboy insolente a quem chamavam Trinitá.


sexta-feira, 19 de junho de 2009

MAIS UM PARA O MUSEU DOS QUEIJOS


Será que o Senhor Palomar, tão interessado na civilização, geografia e psicologia dos queijos, sabe que existe um sinal rodoviário em Portugal que indica a proximidade dos mesmos? Este fica ali para os lados das Caldas da Felgueira.

UM NOVO AUDIOLIVRO


Hoje, às 19h00, a editora 101 Noites apresenta o audiolivro O Banqueiro Anarquista, de Fernando Pessoa, lido por Filipe Vargas e musicado por Alexandre Cortez. Integrado no Festival Silêncio!, o lançamento tem lugar no Jardins dos Sons do Goethe-Institut Portugal (Campo dos Mártires da Pátria, 37, em Lisboa). Um excerto do comunicado da 101 Noites:

“De uma actualidade surpreendente, este delicioso conto constitui uma das obras narrativas mais emblemáticas da vasta obra pessoana. Num estilo incisivo e imbuído de ironia, a personagem paradoxal do banqueiro discorre sobre o ideário anarquista. Publicado pela primeira vez em 1922 na revista Contemporânea, O Banqueiro Anarquista é considerado um dos melhores textos ficcionais de Fernando Pessoa.”

CONSELHOS DO SENHOR PALOMAR


“O senhor Palomar decidiu que daqui para a frente redobrará as suas atenções: em primeiro lugar, para não deixar fugir os apelos que lhe chegam das coisas; em segundo lugar, para atribuir à operação de observar a importância que ela merece.”

Este (outro) Senhor Palomar também é um bom observador, mas o negócio dele são os livros. Aqui.

DICIONÁRIO DO LIVRO, 3

Chicha: Apontamento manuscrito, tradução de um livro para o estudo ou como auxiliar da memória. Cábula. Chouriça. # Tradução interlinear.

(in Dicionário do Livro – Da escrita ao livro electrónico, de Maria Isabel Faria e Maria da Graça Pericão, Almedina)

quinta-feira, 18 de junho de 2009

PALAVRAS DITAS


A editora 101 Noites, o espaço MusicBox, o Goethe-Institut Portugal e o Instituto Franco-Português juntaram-se para lançar em Lisboa um festival internacional dedicado às novas tendências artísticas e urbanas que cruzam a música com a palavra. O Festival Silêncio! começa hoje, com um debate dedicado ao tema: «O Audiolivro: uma nova forma de leitura». Participam Aurélie Kieffer, Francisco José Viegas, Kilian Kissling, Mafalda Lopes da Costa e Sandra Silva. A moderação estará a cargo de Oriana Alves. Às 18h00, no Goethe-Institut. Às 22h30, há festa de abertura do Festival com DJ Set, no MusicBox, com entrada livre. Até dia 27 de Junho, Lisboa vai ser a «capital da palavra». O programa completo pode ser consultado aqui.

A EXPERIÊNCIA DE OUVIR LER


“A experiência de ouvir ler está, em parte, associada aos livros para crianças e à tradição dos contadores de histórias. Poderá daí advir alguma resistência do consumidor adulto em relação ao audiolivro. Na incontornável Uma História da Leitura, Alberto Manguel conta como, aos nove ou dez anos, o director da sua escola “disse que ouvir ler era apropriado somente para crianças pequenas”, remetendo esse gosto para um território censurável. O escritor inculcou a ideia de “que tudo o que dava prazer era de certa forma doentio”, e só recuperou o hábito mais tarde, quando a leitura em voz alta se tornou um acto partilhável com a pessoa amada. No fim do capítulo intitulado “Leitura ouvida”, conclui que esta experiência é ambivalente, na medida em que “enriquece e simultaneamente diminui o acto de leitura”. Para a maioria, ler implica entregar-se a uma solidão voluntária que não tolera a intromissão de uma terceira voz entre quem lê e quem escreve. Para outros, será justamente o contrário. Ouvir ler – em casa, no carro, no Ipod… – apela a uma atenção apaziguadora e envolvente.”

PS - Na última NS, revista de sábado do Diário de Notícias e Jornal de Notícias, foi publicada uma reportagem assinada por mim, com o título “Um lugar ao som”. A ideia foi fazer um breve apanhado do segmento do audiolivro em Portugal, falando com as três editoras mais activas (101 Noites, MIHJ e A Boca), a pretexto, evidentemente, do Festival Silêncio! Por razões que ainda não compreendi totalmente, o texto saiu muito cortado; e quando digo muito, quero dizer em cerca de um terço (32 por cento, para ser mais exacta). Não é uma prática habitual, pelo menos nos meios para os quais colaboro, onde existe uma relação de confiança recíproca, e daí a minha perplexidade. O primeiro prejudicado é sempre o leitor. Porque quando se corta um texto com menos de 7000 caracteres em cerca de um terço, é evidente que se perde uma parte importante da sua integridade e do seu interesse. O excerto que reproduzi acima é um parágrafo que não foi publicado.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

PRECIOSIDADE


Depois dos últimos três posts, sinto-me na obrigação limpar o jardim com esta pequena maravilha, a versão mais extraordinária da história do Capuchinho Vermelho que alguma vez li: Boca de Lobo (ed. Thule) O autor, que escreve e ilustra, chama-se Fabián Negrín e é argentino, radicado em Itália. Alguma informação e imagens podem ser vistas no blogue La Tormenta en un Vaso. O livro encontra-se à venda na Amazon inglesa, mas depois de ter lido o original em espanhol umas dez vezes, desconfio que vai ser difícil pensá-lo noutra língua. Em qualquer caso, recomenda-se. Apaixonadamente.

terça-feira, 16 de junho de 2009

PÉROLAS, 3: OS DOIS PRÍNCIPES


Outra obra-prima do autor citado antes. A capa, acho-a muito à frente. Reparem nas grandes questões contemporâneas ali tratadas subliminarmente: casamento gay, sado-masoquismo, violência doméstica, novos estilistas portugueses, construção civil e ascese espiritual, cortes de cabelo à futebolista, uso de collants que melhoram a circulação sanguínea, etc. À parte isso, a história é mesmo de fugir.

PÉROLAS, 2: A BRANCA E A PRETA


Mais uma pérola de outros tempos desencantada nas estantes da livraria Sá da Costa, que aqui reproduzo abreviadamente. O autor é o mesmo das inefáveis Flores Para Crianças, “um dos maiores escritores de literatura infanto-juvenil da actualidade”, segundo definição do próprio. Comentários para quê? É um case-study português.

“Branca de Neve brincava
com mil brinquedos que tinha,
nada a ela lhe faltava
em sua rica casinha.

Tinha bonecas que andavam,
carrinhos e caminhetas,
tinha aviões que voavam,
pianos, tambores e cornetas.

(…)

Tinha tudo, assim parecia,
mas é bom de adivinhar
que faltava companhia
para com ela brincar.

E ao Caracol perguntou
o que havia de fazer.
– Pede à Fada – explicou –
tudo o que desejas ter.

Quero uma menina, Fada,
p’ra brincar sempre comigo.
E logo a nova criada
trouxe uma filha consigo.

Era triste o seu olhar,
muito bom seu coração,
mas nem sabia brincar.
Era a Negra de Carvão.

(…)
Branca deixou-a brincar
com os brinquedos que tinha,
Negrita ficou a olhar
boca aberta, pasmadinha.

(…)

Foi um dia de encantar!
Sonhavam ser sempre assim…
Mas não as deixam brincar
e o princípio fez-se fim!

- Menina Branca de Neve
não posso brincar consigo:
sua Mãezinha me teve
duas horas de castigo.

Branca de Neve correu
a saber qual a razão
do castigo que a Mãe deu
à Negrita de Carvão.

- Na cozinha a lavar
ou limpando o corredor
é que a preta deve estar.
Ela é pobre e doutra cor!

(…)

[Porque receio bem nesta altura já ter perdido os meus últimos cinco leitores, aqui fica o já final da história e respectiva moral.]

Branca aprendera a lavar,
a engomar e a coser,
Negrita a saber brincar,
a bem ler e a escrever.

[Que bonito.]

segunda-feira, 15 de junho de 2009

PÉROLAS, 1: MAIAKOVKSI PARA CRIANÇAS


A Livraria Sá da Costa, ao Chiado, descobriu uma série de caixotes empoeirados cheios de relíquias. Dizem que há mais no armazém de onde estes vieram, por isso é andar atento. Desde o muito bom ao muito mau – o que depende sempre de uma escala subjectiva de valores –, encontra-se lá de tudo. Por exemplo, este Maiakovski Para Crianças 1 – O que é bom e o que é mau, numa tradução directa do russo datada de 1983 e publicada pela defunta editora Polemos. Vejam o que aqueles adultos ainda imbuídos do espírito pós-revolucionário de Abril davam então a ler às ‘criancinhas’ indefesas. Felizmente, nessa altura já tinha 14 anos e andava mais interessada nas temáticas da droga e do rock’n’roll. Refiro-me, é claro, ao clássico Os Filhos da Droga, os diários de Christiane F., que li viciadamente umas 12 ou 13 vezes. Juro. Sempre era mais estimulante do que isto:

“O menino pequenino ao pé do papá chegou e perguntou:
‘O que é bom e o que é mau?’

Para mim não há segredos.
Oiçam, meninos: a resposta do papá neste livro está.

Se o vento os telhados leva sem aviso.
Se cai com força o granizo: já se sabe que é mau para quem anda na rua.

A chuva caiu e passou.
O Sol a terra iluminou.
Isto é muito bom para grandes e pequenos.

Se o menino se enfarruscou e a cara toda sujou,
claro que é mau para a pele do marau.

Se o menino gosta de sabonete e de pasta de dentes,
é porque é asseado e bem comportado.

Se bate com maldade num menino mais pequenino,
não o deixo sequer neste livro aparecer.

Vejam como este grita: ‘Não batas naqueles que são mais pequenos!’
Este menino é tão bom, nada somenos!

Se tu o livro rasgaste todo e a bola estragaste,
toda a gente se põe a pau: ‘Que menino tão mau!’
Se um menino gosta de estudar e o livro segue com o dedo,
eu escrevo sem hesitar: é um bom rapaz.

Este até dos pombos tem medo, o medricas.
Este menino é um maricas.
O que é muito mau.


Este, embora só de palmo e meio, de nada tem receio.
Bom rapaz, valente, à vida fará frente.

Este na lama chafurda galhofeiro de camisão carvoeiro.
Por isso dizem ao culpado: és mau, desmazelado.

Este engraxa as botas e escova bem as fatiotas: apesar de pequenino é um bom rapazinho.

Todos os meninos se devem disto lembrar.
Saibam as crianças recordar: em porcos se tornam os meninos,
se os meninos são porquinhos.
Correu o menino alegremente e disse como um valente: ‘Vou bem proceder e mau não ser.’"

domingo, 14 de junho de 2009

UM CONTO MUITO INADEQUADO



El Contador de Cuentos, de Saki, pseudónimo do escritor de origem anglo-birmanesa Hector Hugh Munro (1870-1916), tem pouquíssimas hipóteses de alguma vez ser conhecido em português (nem sequer o encontro na Amazon). Publicado pela editora venezuelana Ekaré, foi o livro vencedor na categoria New Horizons – distinção reservada a obras de qualidade vindas dos países árabes, América Latina, Ásia e África – da última Feira do Livro Infantil de Bolonha. Não era suposto estar à venda ao público no stand da feira, mas cada um faz pela vida; e se as grandes editoras europeias ou norte-americanas se podem dar ao luxo de recusar compradores ocasionais, outras não farão o mesmo. Por mim, encantada.

Com ilustrações de Alba Marina Rivera, El Contador de Cuentos narra um episódio passado durante uma viagem de comboio, sendo desde logo admirável o book jacket que envolve o livro, reproduzindo a carruagem. A história começa a ser contada desde aí. Se na capa interior é a imagem do contador de contos que surge destacada – é a única figura colorida –, no book jacket vê-se uma família bem composta mas em estranho sobressalto. A tia, de feições duras e obviamente zangada, repreende as crianças, que por sua vez parecem alheadas da influência que esta lhes pretende impor. Dir-se-ia que estão no mundo delas, um reflexo salutar, como se percebe no fim…

Será assim tão difícil “contar contos que as crianças possam entender e apreciar ao mesmo tempo”, como pretende a tia? O homem que viaja sozinho e partilha a mesma cabine de comboio não está de acordo. Perante a inabilidade da senhora em acalmar as crianças, decide contar ele mesmo uma história cuja protagonista é uma menina “horrivelmente boa”, expressão que cativa de imediato a atenção dos miúdos. Era uma menina tão boazinha, mas tão boazinha, que as medalhas de boa conduta, obediência e pontualidade que sempre trazia pregadas ao vestido – e que chocalhavam tanto, as horríveis medalhas – acabaram por denunciá-la quando tentava escapar de um lobo, escondida num arbusto, tremendo de medo. Não se aguentava o ruído de tanta bondade junta, estão a ver... O seu último pensamento foi: “Se não tivesse sido tão extraordinariamente boa, a esta hora estaria a salvo.” Depois veio o lobo e comeu-a. Eis o que disse a tia, no fim da história:

– “É um conto do mais inadequado que há para crianças pequenas. Acaba de deitar a perder o trabalho de anos de esmerada educação.”
– “Em qualquer caso – disse o homem, enquanto recolhia a bagagem e se dispunha a abandonar o vagão – mantive-os calados durante dez minutos, o que é mais do que a senhora conseguiu.”
– “Pobre mulher! – disse para si próprio enquanto chegava à plataforma da estação de Templecombe –; durante os próximos seis meses, mais ou menos, as crianças não deixarão de a perseguir diante de toda a gente, pedindo-lhe um conto inadequado.”

sábado, 13 de junho de 2009

EVELINA OLIVEIRA


A co-autora de O Cão Triangular (Campo das Letras, 2008) define-se como “uma pintora que ilustra”. Em Santa Maria da Feira, uma exposição de pintura/instalação na Galeria Ao-Quadrado (www.ao-quadradogaleria.com) dá a ver trabalhos seus até ao dia 30 de Junho. Podem espreitar o blogue aqui.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

PROFISSÃO: VISITANTE DE CASAS


Numa escola, há pouco tempo, um miúdo perguntou-me que profissão gostaria de ter, “se não fosse escrever”. Respondi-lhe que a profissão dos meus sonhos não existe. Consistiria em entrar nas casas de outras pessoas apenas para estar lá dentro. Casas antigas, grandes e sólidas, com outra dignidade e franqueza que raramente se encontra nos nossos vulgares apartamentos. Gostava de poder entrar e ver de perto a arrumação dos objectos, aspirar o cheiro das madeiras, abrir gavetas e mexer na roupa de cama, conhecer os mortos pelas fotografias. Depois, ir-me embora e trazer tudo para as histórias. Comentário do miúdo: “Mas afinal... era tudo para escrever!”. Quem é que quero enganar?

quinta-feira, 11 de junho de 2009

FAMÍLIAS FELIZES


Sábado, num restaurante de hotel, uma família almoça em sossego. Pai, mãe e três meninas de idades compreendidas entre os 9 e os 12 anos – calculo, a curta distância. Discretos, educados, sem tiques de socialite nem alarvidades de novo-riquismo. Concentrada no meu carpaccio de bacalhau e numa revista, desvio os olhos como quem não quer a coisa e apuro os ouvidos de tísica (os míopes ouvem bem, por via de regra… Alguma vantagem tinha de haver, caramba). Não consigo perceber a mãe, que está de costas, mas não me desperta curiosidade. O pai é, nitidamente, o elemento dominante: é ele quem orquestra os diálogos, distribui a comida e manda as meninas sentarem-se, se alguma delas se levanta por momentos. Temperamento brando, mas firme. É óbvio que o português e a gramática fazem parte dos seus temas preferidos de conversa. Surgem à mesa questões do género: “Os macacos comem laranjas. Qual é o tempo, o modo e a pessoa?”. As meninas vão respondendo, entre o aborrecimento e um treinado sentido de responsabilidade que será o prenúncio de uma vida estável. Quase a terminar a refeição, todos se dirigem ao buffet de sobremesas. O pai brinca com o empregado e diz-lhe que filme este momento raro em que os adultos escolheram doces e as crianças optaram por fruta, “sem que ninguém as obrigasse”. Diz ele: “Isto é extraordinário.” Na verdade, tudo bate certo. O conforto e a angústia familiar em maravilhosa harmonia, uma arte sem paralelo.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

À ESPERA DE JULHO


No Bosque do Espelho, de Alberto Manguel, a publicar em Julho pela Dom Quixote. "Uma viagem fantástica ao mundo dos livros" (comentário de Germaine Greer).

terça-feira, 9 de junho de 2009

LITERATURA PARA TOTÓS


Há quem diga que eu e a minha obsessão pela Nova Zelândia, e tal, e não sei quê, e isto e aquilo, e coiso, e porquê, e mais não sei das quantas. É tudo verdade. Pois bem, para mostrar que nem tudo o que vem de lá é bom, espreitem esta campanha do New Zealand Book Council, a instituição nacional de promoção da leitura, livros e autores que… enfim, tomáramos nós.

A ideia foi pegar em textos de poesia e prosa de autores neozelandeses e não só – lá estão Edgar Allan Poe, Tolstoi, F. S. Fitzgerald, Oscar Wilde… – e aplicá-los ao ambiente Windows, com muitos gráficos de barras, setas, tópicos alinhados, mapas, calendários e outras aplicações usadas em Power Point. O projecto chama-se Read at Work e, como o nome indica, pretende promover a leitura no escritório. Não percebo como é que alguém pode querer ler um poema de Emily Dickinson como se assistisse à demonstração de um novo produto para limpar casas ou à reformulação do organigrama lá da empresa. Se é só para ter graça, confesso não vislumbrar. Nem se lê, nem se trabalha, é o que eu acho. Mas se alguém estiver cansado e quiser fazer uma pausa Kit Kat, clique aqui para assistir a este admirável mundo novo aplicado à literatura. Eu vou pegar num livro.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

DANIEL SILVESTRE DA SILVA


Um novo ilustrador português (que, por acaso, já tem alguns livros publicados) a descobrir urgentemente. Alguns dos trabalhos a caneta preta fazem lembrar a técnica de Edward Gorey. Vejam o blogue.

domingo, 7 de junho de 2009

A CRÍTICA DA CRÍTICA, 2

Fico um bocado sem jeito quando me agradecem notícias, reportagens, entrevistas ou o que quer que esteja relacionado com esta desgraçada profissão que escolhi. Tivesse eu seguido os conselhos dos mais velhos e não teria sido jornalista (muito menos professora ou juíza, como também sugeria o oráculo), mas uma fluente gestora discursiva de línguas estrangeiras – quantas mais, melhor. As minhas raízes são aéreas, como as de certas árvores, e a mobilidade profissional tornou-se um valor que muito prezo. Com uma profissão um pouco mais exportável, a esta hora já me teria posto a milhas deste país cinzento que hoje vai a votos, palavra de honra. Mas enfim... “Vamos em frente que atrás vem gente”, diz-se lá na terra que me legou os melhores genes.

Fico um bocado sem jeito quando me agradecem, dizia, porque parto sempre do princípio que estou a fazer o meu trabalho, pelo qual sou paga – mal ou bem, não interessa. Não, não é falsa modéstia. É claro que gosto de ter feed-back acerca daquilo que faço; gosto que me digam “isto ficou bem” ou “enganaste-te aqui, totó”. Simplesmente, não estou à espera nem de uma coisa nem de outra. É mais saudável assim.

Surpreendeu-me, por isso, um e-mail do editor da Booksmile, Manuel de Freitas, sobre a nota crítica ao Galope!, publicada na última LER e também aqui. Não se trata de um mero agradecimento de circunstância, mas de atenção ao que, curiosamente, foi o aspecto menos conseguido que destaquei no livro: a adaptação do texto para português. Mais do que o fair-play revelado por Manuel de Freitas – e o fair-play é outro valor que muito prezo –, parece-me fundamental compreender que a crítica ao livro infantil não se pode eximir do papel de esclarecer quem lê, acabando de vez com esse preconceito de que não há nada a dizer de livros “fofinhos” e inofensivos que têm pouco texto e muitos “bonecos”. Devemos, pelo menos, tentar. Sem qualquer espírito de cruzada, porque as cruzadas dão sempre mau resultado.

A CRÍTICA DA CRÍTICA, 1


Existe, em Portugal, crítica literária ao livro infanto-juvenil? E a quem interessa, em primeiro lugar? Aos pais, aos professores, aos educadores, aos bibliotecários, aos estudiosos, aos leitores em geral? A todos estes, menos ao destinatário principal dos livros – ou seja, as próprias crianças? Como pode a crítica, muitas vezes reduzida à mera divulgação de títulos e textos de contracapa, desligar-se da função utilitária/educativa que historicamente está associada à literatura infantil? Questões em debate na última sexta-feira, na Biblioteca Municipal de Estarreja, onde todas as atenções estavam viradas para a campanha eleitoral que se fazia sentir mesmo ali ao lado.

Ainda assim, cerca de duas dezenas de pessoas deslocaram-se para ouvir os intervenientes do debate: Miguel Gouveia e Isabel Minhós Martins, da editoras Bruaá e Planeta Tangerina, respectivamente; Sérgio Letria e Andreia Brites, os incansáveis “bichos dos livros” que devoram quilómetros de terra para falar e mostrar livros a quem se interessa (e, pior, a quem não se interessa); e, por fim, uma convidada apresentada como “jornalista e crítica literária” que chegou lamentavelmente tarde... Os presentes aguardaram com paciência bíblica a aparição da dita pessoa, que tem neste momento em casa uma ficha de sugestões/reclamações da CP, com vista a inquirir as razões do atraso de 50 minutos do comboio Lisboa-Porto e, eventualmente, ser ressarcida dos danos causados à sua imagem. Com gente desta, dizemos nós, é óbvio que não se podem levar a sério os “livros de criancinhas”, como também há quem avise.

(Obrigada aos blogues Letra Pequena e Cadeirão Voltaire pela divulgação do debate “A Crítica da Crítica”, incluído no 2º Encontro de Literatura Infanto-Juvenil organizado pela Biblioteca Municipal de Estarreja, a quem também agradeço o convite.)

A GALOPE, SEM PARAR


Galope!
Rufus Butler Seder
Booksmile

Em 1878, um dos pioneiros do processo fotográfico, Eadweard Muybridge, captou com várias câmaras um cavalo a galope, resolvendo uma querela da época: havia ou não um momento em que nenhuma das patas tocava o chão? A resposta é «sim» e foi recuperada por Rufus Butler Seder, o autor de Galope!, um best-seller que agora chega a Portugal. Inicialmente dedicado ao cinema, mas cada vez mais fascinado por invenções ópticas, Butler Seder patenteou uma técnica chamada scanimation, responsável por todos estes animais que se mexem com o mover da página, numa reprodução bastante fiel da realidade. O texto, muito simples, centra-se numa pergunta: «Sabes galopar como o cavalo?», «Sabes caminhar como o galo?», «Sabes correr como o cão?»... Na edição original, a imagem em movimento é apenas completada por uma expressão onomatopaica relacionada com cada animal. A adaptação portuguesa acrescentou uma frase em tom de reforço positivo, o que nos parece desnecessário e mesmo invasivo da dinâmica da página. Ainda assim, Galope! é um trunfo certo na estreia da Booksmile, uma nova editora que se assume como «vocacionada para o livro ilustrado de grande público» e promete publicar 27 títulos até ao fim de 2009.

(Texto publicado na LER nº 81)

sexta-feira, 5 de junho de 2009

PORQUE ESCOLHEMOS OS ILUSTRADORES CERTOS


Esta foi a ilustração com que o Alex Gozblau acabou de ganhar o Grande Prémio Stuart de Desenho de Imprensa, atribuído pelo El Corte Inglés/Casa da Imprensa. Podem ler aqui a notícia do Público.

“Porque nos apaixonamos pelas pessoas erradas” foi publicada num artigo da revista Única do Expresso, a 13 de Setembro de 2008. Lembro-me perfeitamente de a ver e de ficar siderada. Está lá tudo exposto, não é preciso dizer mais nada. Quem sabe, sente. “Porque nos apaixonamos pelas pessoas erradas” é coisa que continuo a não perceber lá muito bem, mas não tenho dúvidas de ter acertado com o ilustrador, caraças. Que é como quem diz: parabéns! O nosso livro sairá dentro de poucas semanas e já se pode espreitar uma das páginas aqui. Vejam mais trabalhos no site (muito bem feito) que abre a lista dos Links à Sombra, à direita do jardim, ou então já aqui: Alex Gozblau.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

ESCREVER PARA CRIANÇAS É CANJA


Passar pela Biblioteca Manuel da Fonseca, em Santiago do Cacém, permitiu revisitar “Magic Pencil”, uma exposição itinerante de livros escritos e ilustrados por autores britânicos que esteve há algum tempo no CCB, em Lisboa. Um dos meus preferidos é Literary Life, de Posy Simmons, uma banda desenhada que disseca com refinado humor os mitos, os tiques e as falácias da comunidade literária e editorial. A página dedicada aos Children’s Picture Books é simplesmente hilariante. Entre outras coisas, ficamos a saber que:

- Uma história para crianças demora cinco minutos a escrever, não muito mais. Os picture books podem ser feitos durante a hora de almoço. Toda a gente pode escrevê-los.

- Nem toda a gente consegue ilustrar, mas toda a gente conhece alguém que o faz. Ilustrar livros para crianças não é exactamente trabalho, apenas umas horas aconchegantes em casa, a mexer em tintas e a ouvir a Rádio 4 (“Deve ser tremendamente divertido!”).

- Os picture books são muitas vezes escritos e ilustrados por mulheres de cabelo desmazelado que vivem em casas de campo na região de Suffolk; ou então por homens de barba aparada que usam sweaters de lã das Ilhas Aran e guardam em si uma vibrante criança interior. Ou ainda por abjectos corruptores da inocência infantil, que fazem livros sobre arrotos e outros sintomas escatológicos.

- 98 por cento das pessoas que trabalham na área editorial dos livros para crianças chamam-se Emma e usam calças de lycra pretas com mistura de lã. Em algum momento, 85,5 por cento destas pessoas estão a editar um livro sobre um gato.

- Todas as reuniões editoriais e festas com autores e ilustradores são acompanhadas por ursos e coelhos.

- Os autores de livros para crianças são tidos na mais elevada consideração. Alguns dos comentários mais ouvidos: “Oh, que engraçado! E alguma vez se dedica à escrita a sério?» Ou então: «E quanto tempo vai ficar no infantil? Suponho que queira passar para a literatura adulta.»

Oh, dear. Não é verdadeiramente… charming?

quarta-feira, 3 de junho de 2009

A NAMORADA DE WITTGENSTEIN


Só tem três meses, mas já é um dos títulos mais bonitos da blogosfera: A Namorada de Wittgenstein. Micro-histórias, greguerías e pensamentos de Maria João Freitas, uma escrevedora de quem gosto muito.

“Era uma vez uma mulher que sofria de uma estranha forma de cleptomania: gostava de roubar o que não estava à venda. Ou, se preferirem, gostava de roubar ausências, vazios, suspensões, imaterialidades. Talvez seja melhor dar alguns exemplos. Sabem o que roubava no Pingo Doce? Os buracos nas fatias de queijo Emmental. Nas livrarias, guardava o espaço em branco entre as linhas de um poema nos bolsos, até não caber mais nenhum. Nas ourivesarias, o seu objecto de furto preferido era o espaço vazio dentro de um anel com brilhantes.”
(…)

Ler aqui.

DICIONÁRIO DO LIVRO, 2: BLOGOSFERA

Blogosfera: Maneira de reabilitar a escrita e a língua.

(in Dicionário do Livro – Da escrita ao livro electrónico, de Maria Isabel Faria e Maria da Graça Pericão, Almedina)

terça-feira, 2 de junho de 2009

ÁLVARO MAGALHÃES EM ENTREVISTA À NM


(…)
Já disse que começou a escrever literatura infantil para a sua filha, personagem principal d’O Circo das Palavras Voadoras. Como é que ela reagia às história que escrevia para ela? Era crítica ou ficava toda contente por ser personagem de um livro?
Ficava, mas aconteceu-lhe a ela e a mim o mesmo que a Oscar Wilde quando se propôs escrever um livro para um sobrinho e lhe perguntou: «queres que eu escreva um livro para ti em que tu entres?». Ao que o rapaz respondeu: «Está bem, desde que não seja um livro para crianças». [Ri] Ela também me dizia isso e foi muito útil porque, de facto, um livro infantil não deve ser só para as crianças, tem que ser também para os adultos. Não há poesia nos poemas que são só para crianças. Vergílio Ferreira dizia no seu Diário que um livro para crianças deve ser para crianças, naturalmente, e elas devem compreendê-lo, mas deve aguentar-se numa nova leitura quando elas forem adultas.

E isso acontece?
Infelizmente, a maior parte dos novos livros para crianças são só para crianças porque a nossa literatura infantil transformou-se numa autêntica indústria da vulgaridade, prevalecendo o desejo de lucro e o espírito pedagógico. É preciso dar muitas voltas para descobrir livros que sejam bons para as crianças e tenham também carácter literário. Há uma convicção errónea de que as crianças não acedem ao material literário, quando é exactamente o oposto: as crianças acedem naturalmente à literatura.

Nos seus livros não existe essa tentação pedagógica?
Não, apesar de as pessoas poderem encontrar neles material pedagógico. Por exemplo, podem associar a colecção dos Contos da Mata dos Medos à preservação da natureza, mas os meus livros não têm propósitos, nos textos literários nunca existem propósitos. As pessoas encontram-nos lá da mesma maneira que nós encontramos leões e dragões nas formas das nuvens, vemo-los porque queremos ver.

Nos seus livros, que são também para crianças...
Disse muito bem, são também para crianças, era assim que deviam ser designados.
(…)

(Entrevista de Catarina Pires e fotografias de Reinaldo Rodrigues, Notícias Magazine de 31 de Maio de 2009)

F DE FALSO


No último domingo, a Notícias Magazine foi um consolo raro: entrevista de fundo com Álvaro Magalhães, um dos meus escritores portugueses preferidos, e crónica de Manuel António Pina (idem) sobre Winnie-the-Pooh; ou como este e outros clássicos que já caíram no domínio público estão a ser alvo de sequelas e adaptações assassinas. Peter Hunt abordou explicitamente o assunto no Congresso Internacional de Promoção da Leitura organizado pela Gulbenkian/Casa da Leitura, citando os casos de Beatrix Potter e Edith Nesbit como exemplos deste assalto à inteligência dos livros e dos leitores – o texto pode ser lido aqui.

Quanto a Winnie-the-Pooh, caiu nas mãos de um autor de “adaptações áudio”, David Benedictus, que se lançou a escrever O Regresso ao Bosque dos Cem Acres (já em pré-venda na Amazon) ao estilo de Milne; ou seja, um produto sucedâneo concebido a partir de um dos textos mais originais da literatura dita para crianças. Conclui Manuel António Pina: “A originalidade é algo que, como diria o burro Inhon, ‘nem todos podem, e alguns não podem, e é o que há a dizer’. Já imitar, na era da reprodutibilidade técnica (a expressão é de Walter Benjamin), qualquer um imita, e se se imitam Rolex porque não literatura?”

segunda-feira, 1 de junho de 2009

UMA COLECÇÃO DE ÓCULOS


Abandonei o jardim de modo algo intempestivo, reconheço. Passei os últimos dias numa mini-tournée em escolas EB1 do Alentejo (Cercal, Santo André e Santiago do Cacém), para falar sobre o Não Quero Usar Óculos. Voltei com uma enorme colecção de desenhos e uma corzinha saudável, graças à exposição liberal ao sol, ao ar puro e aos prazeres da boa mesa e boa conversa. Um breve mas eficaz paliativo contra os sintomas da “lisbonite aguda”, doença que progride cada vez mais depressa e obrigará a decisões drásticas, mais tarde ou mais cedo.

O tema do relacionamento dos escritores com as escolas é algo a que quero voltar proximamente; para já, aqui fica a série de óculos desenhados pelo João, da EB1 nº 1 do Cercal do Alentejo. A saber:

- Óculos para irem a outro mundo
- Óculos para ver tudo pequeno
- Óculos para ser amigo do Drácula
- Óculos para os homens ficarem apaixonados
- Óculos feitos de materiais reciclados
- Óculos para ver o interior das pessoas
- Óculos para passar os sítios rochosos
- Óculos para ser um índio verdadeiro
- Óculos ferozes
- Óculos para ver tudo cómico
- Óculos que fazem as pessoas serem peritas em matemática
- Óculos para as raparigas ficarem apaixonadas
- Óculos para dormir
- Óculos destruidores
- Óculos que amarrotam
- Óculos de luz reais
- Óculos de sol com postes em cima deles

(Começo a preocupar-me com a concorrência…)