terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

A CASA SINCRONIZADA VENCE PRÉMIOS SPA


Ontem, o júri dos Prémios SPA distinguiu um livro com música dentro: A Casa Sincronizada (Caminho), de Inês Pupo e Gonçalo Pratas, os mesmos de Canta o Galo Gordo, vencedores na categoria de Literatura – Melhor Livro Infanto-Juvenil. Finalmente, este ano, os ilustradores também já têm direito de cidadania na concepção da obra e podem subir ao palco, em vez se serem apenas “evocados” pelos escritores. É uma sincronia merecida e em tudo desejável, que confirma o ditado “água mole em pedra dura”, etc., etc… No caso, as ilustrações são assinadas por Pedro Brito, autor de BD, o mesmo do fabuloso Tu és a mulher da minha vida, ela a mulher dos meus sonhos (a meias com João Fazenda, nas Edições Polvo). E agora, toca a afinar essas cordas vocais para fazer o próximo livro.

A TODOS OS ILUSTRADORES DISTRAÍDOS


Senhoras e senhores ilustradores, a vida não acaba (ou começa) na Feira do Livro Infantil de Bolonha. Toca a convocar o vosso imenso talento e técnica para desenhar a futura mascote da rede de livrarias Bertrand. O concurso “Leitores de todos os tamanhos” está aberto até ao dia 9 de Março (sim, há que despachar) e o autor do trabalho escolhido receberá 2500 euros, que dão sempre jeito. O regulamento está disponível em http://www.grupobertrandcirculo.com/ e na página do Facebook.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

AS CASAS, 11


A invenção das clarabóias

No princípio, aprenderam a ter medo e protegeram-se.
Construíram casas de pedra e lama, pequenos refúgios
onde não tardaram a sentir-se cada vez mais sós.

Sonharam que, um dia, um feixe de luz haveria
de afagá-los. E, fascinados pelo céu, desenharam
óculos pelos telhados.

Tiveram, desde logo, a companhia das estrelas.
Hoje os deuses ainda passam os olhos pelas suas casas
todas as noites, antes de adormecerem.

(in A Casa e o Cheiro dos Livros, de Maria do Rosário Pedreira, Quetzal. Na imagem: uma clarabóia no Porto.)

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

AS CASAS, 10


A casa do mundo

Aquilo que às vezes parece
um sinal no rosto
é a casa do mundo
é um armário poderoso
com tecidos sanguíneos guardados
e a sua tribo de portas sensíveis.

Cheira a teias eróticas. Arca delirante
arca sobre o cheiro a mar de amar.

Mar fresco. Muros romanos. Toda a música.
O corredor lembra uma corda suspensa entre
os Pirinéus, as janelas entre faces gregas.
Janelas que cheiram ao ar de fora
à núpcia do ar com a casa ardente.

Luzindo cheguei à porta.
Interrompo os objetos de família, atiro-lhes
a porta.
Acendo os interruptores, acendo a interrupção,
as novas paisagens têm cabeça, a luz
é uma pintura clara, mais claramente lembro:
uma porta, um armário, aquela casa.

Um espelho verde de face oval
é que parece uma lata de conservas dilatada
com um tubarão a revirar-se no estômago
no fígado, nos rins, nos tecidos sangúíneos.

É a casa do mundo:
desaparece em seguida.

(in O seu a seu tempo, de Luiza Neto Jorge, Assírio & Alvim. Na imagem: janela de uma casa de Matosinhos.)

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

AS CASAS, 9



Morada

Habitamos
uma casa quando
a sombra dos nossos gestos
fica mesmo depois
de fecharmos a porta.

(in Curso Intensivo de Jardinagem, de Margarida Ferra, & etc.)

domingo, 19 de fevereiro de 2012

AS CASAS, 8


“A casa é a casa de família, é para lá pôr as crianças e os homens, para os manter num lugar feito para eles, para conter a sua perdição, para os distrair desse humor de aventura e de fuga que é o deles, desde o princípio dos tempos. Quando se aborda esse tema o mais difícil é chegar ao material liso, sem asperezas, que é o pensamento da mulher em torno dessa empresa demente que uma casa representa. A de procurar o ponto de união comum às crianças e aos homens.”

(“A casa”, in A Vida Material, de Marguerite Duras, Difel)

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

AS CASAS, 7


The Bustle in a House

The Bustle in a House
The Morning after Death
Is solemnest of industries
Enacted opon Earth –

The Sweeping up the Heart
And putting Love away
We shall not want to use again
Until Eternity –

(Emily Dickinson)

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

AS CASAS, 6


As casas

Há sempre um deus fantástico nas casas
Em que eu vivo. E em volta dos meus passos
Eu sinto os grandes anjos cujas asas
Contêm todo o vento dos espaços.

(in Dia do Mar V, de Sophia de Mello Breyner Andresen, Caminho. Na imagem: Palácio de Monserrate, Sintra)

RESPOSTAS COM BICHO

No blogue O Bicho dos Livros, cinco perguntas feitas pela Andreia Brites, a propósito do Onde Moram as Casas. Ler aqui.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

AS CASAS, 5


Ruínas

Por onde quer que tenha começado,
pelo corpo ou pelo sentido,
ficou tudo por fazer, o feito e o não feito,
como num sono agitado interrompido.

O teu nome tinha alturas inacessíveis
e lugares mal iluminados onde
se escondiam animais tímidos que só à noite se mostravam
e deveria talvez ter começado por aí.

Agora é tarde, do que podia
ter sido restam ruínas;
sobre elas construirei a minha igreja
como quem, ao fim do dia, volta a uma casa.

(in Como se Desenha uma Casa, de Manuel António Pina, Assírio & Alvim.)

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

AS CASAS, 4


Falemos de casas, do sagaz exercício de um poder
tão firme e silencioso como só houve
no tempo mais antigo.
Estes são os arquitectos, aqueles que vão morrer,
sorrindo com ironia e doçura no fundo
de um alto segredo que os restitui à lama.
De doces mãos irreprimíveis.
- Sobre os meses, sonhando nas últimas chuvas,
as casas encontram seu inocente jeito de durar contra
a boca subtil rodeada em cima pela treva das palavras.

Digamos que descobrimos amoras, a corrente oculta
do gosto, o entusiasmo do mundo.
Descobrimos corpos de gente que se protege e sorve, e o silêncio
admirável das fontes –
pensamentos nas pedras de alguma coisa celeste
como fogo exemplar.
Digamos que dormimos nas casas, e vemos as musas
um pouco inclinadas para nós como estreitas e erguidas flores
tenebrosas, e temos memória
e absorvente melancolia
e atenção às portas sobre a extinção dos dias altos.

Estas são as casas. E se vamos morrer nós mesmos,
espantamo-nos um pouco, e muito, com tais arquitectos
que não viram as torrentes infindáveis
das rosas, ou as águas permanentes,
ou um sinal de eternidade espalhado nos corações
rápidos.
- Que fizeram estes arquitectos destas casas, eles que vagabundearam
pelos muitos sentidos dos meses,
dizendo: aqui fica uma casa, aqui outra, aqui outra,
para que se faça uma ordem, uma duração,
uma beleza contra a força divina?

Alguém trouxera cavalos, descendo os caminhos da montanha.
Alguém viera do mar.
Alguém chegara do estrangeiro, coberto de pó.
Alguém lera livros, poemas, profecias, mandamentos,
inspirações.
- Estas casas serão destruídas.
Como um girassol, elaborado para a bebedeira, insistente
no seu casamento solar, assim
se esgotará cada casa, esbulhada de um fogo,
vergando a demorada cabeça para os rios misteriosos
da terra
onde os próprios arquitectos se desfazem com suas mãos
múltiplas, as caras ardendo nas velozes
iluminações.

Falemos de casas. É verão, outono,
nome profuso entre as paisagens inclinadas
Traziam o sal, os construtores
da alma, comportavam em si
restituidores deslumbramentos em presença da suspensão
de animais e estrelas,
imaginavam bem a pureza com homens e mulheres
ao lado uns dos outros, sorrindo enigmaticamente,
tocando uns nos outros –
comovidos, difíceis, dadivosos,
ardendo devagar.

Só um instante em cada primavera se encontravam
com o junquilho original,
arrefeciam o resto do ano, eram breves os mestres
da inspiração.
- E as casas levantavam-se
sobre as águas ao comprido do céu.
Mas casas, arquitectos, encantadas trocas de carne
doce e obsessiva - tudo isso
está longe da canção que era preciso escrever.

- E de tudo os espelhos são a invenção mais impura.

Falemos de casas, da morte. Casas são rosas
Para cheirar muito cedo, ou à noite, quando a esperança
Nos abandona para sempre.
Casas são rios diuturnos, nocturnos rios
Celestes que fulguram lentamente
Até uma baía fria – que talvez não exista,
como uma secreta eternidade.

Falemos de casas como quem fala da sua alma,
Entre um incêndio,
Junto ao modelo das searas,
na aprendizagem da paciência de vê-las erguer
e morrer com um pouco, um pouco
de beleza.

(Poema de Herberto Helder, in Ofício Cantante, Assírio & Alvim. Na imagem: uma das casas mais bonitas de Matosinhos.)

domingo, 12 de fevereiro de 2012

AS CASAS, 3



Casa branca

Casa branca em frente ao mar enorme,
Com o teu jardim de areia e flocos marinhas
E o teu silêncio intacto em que dorme
O milagre das coisas que eram minhas.

A ti eu voltarei após o incerto
Calor de tantos gestos recebidos
Passados os tumultos e o deserto
Beijados os fantasmas, percorridos
Os murmúrios da terra indefinida.

Em ti renascerei num mundo meu
E a redenção virá nas tuas linhas
Onde nenhuma coisa se perdeu
Do milagre das coisas que eram minhas.


(Poema de Sophia de Mello Breyner Andresen, in Poesia I, 1944)

sábado, 11 de fevereiro de 2012

AS CASAS, 2


“Apaixonamo-nos pelas pessoas, quando as escutamos. Amamo-las. E só deixamos de as desejar quando deixamos de as ouvir. Com as casas passa-se o mesmo. Depois fica apenas uma ténue lembrança. Grata. Porque cheia de memórias.
Permitam-me que insista. As casas são como as pessoas. Porque também haveremos de amá-las mais quando elas deixarem de nos ser. Quando as perdermos. E, então, das duas uma: ou haveremos de desejá-las em ruínas, ou haveremos de desejar a nossa morte. Ou as duas. Depois, não teremos coragem nem para uma coisa nem para outra. Guardaremos essa mágoa. Sobreviveremos.”

(in As Casas, de Dóris Graça Dias, João Azevedo Editor, 1991)

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

AS CASAS, 1


Oh as casas as casas as casas

Oh as casas as casas as casas
as casas nascem vivem e morrem
Enquanto vivas distinguem-se umas das outras
distinguem-se designadamente pelo cheiro
variam até de sala pra sala
As casas que eu fazia em pequeno
onde estarei eu hoje em pequeno?
Onde estarei aliás eu dos versos daqui a pouco?
Terei eu casa onde reter tudo isto
ou serei sempre somente esta instabilidade?
As casas essas parecem estáveis
mas são tão frágeis as pobres casas
Oh as casas as casas as casas
mudas testemunhas da vida
elas morrem não só ao ser demolidas
Elas morrem com a morte das pessoas
As casas de fora olham-nos pelas janelas
Não sabem nada de casas os construtores
os senhorios os procuradores
Os ricos vivem nos seus palácios
mas a casa dos pobres é todo o mundo
os pobres sim têm o conhecimento das casas
os pobres esses conhecem tudo
Eu amei as casas os recantos das casas
Visitei casas apalpei casas
Só as casas explicam que exista
uma palavra como intimidade
Sem casas não haveria ruas
as ruas onde passamos pelos outros
mas passamos principalmente por nós
Na casa nasci e hei-de morrer
na casa sofri convivi amei
na casa atravessei as estações
Respirei – ó vida simples problema de respiração
Oh as casas as casas as casas

(Poema de Ruy Belo. Na imagem: casas de Matosinhos.)

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

CELEBRIDADES E BESTAS CÉLERES


Escrever livros para crianças tornou-se uma actividade integrada no star system, encarada com a mesma benevolência que antes se reservava à passagem devastadora de uma banda rock pela suite de um hotel de luxo. Em ambos os casos, é uma questão de fazer as contas. Outros campos do sistema literário têm fronteiras mais rígidas; mas a literatura infantil, à semelhança dos hotéis e aeroportos, ainda é vista como um não-lugar nesse sistema, um território devassado por onde meio mundo passa e outro tanto faz a sua perninha. Tudo bem. Também não defendo a Arábia Saudita como paradigma da liberdade de expressão. Convém apenas lembrar que as crianças não estão no mesmo pé de igualdade que os adultos; e, em especial, dos adultos cuja intenção é escrever livros para elas. Entre outras coisas, porque não possuem as mesmas capacidades cognitivas e emocionais, as mesmas competências leitoras, a mesma experiência de vida que lhes dá a possibilidade de distinguir o muito bom do puro trash. Dizer que são as crianças, em última instância, a determinar a qualidade dos livros que lhes são dirigidos é de uma desonestidade intelectual a toda a prova, quando é óbvio que essa «decisão» só se faz a posteriori; isto é, com o livro nas mãos, sob a influência dos adultos, da televisão, do marketing e de outros factores externos. Dito de forma mais simples: as crianças não são tontas, mas são facilmente manipuláveis (salvo as que entram nos filmes do John Carpenter) e raramente são os primeiros decisores. Quem frequenta os espaços infantis das livrarias sabe que assim é. Quando a oferta é qualitativamente pobre e os livros não são vistos como imprescindíveis, sobretudo em tempos de crise, o poder de escolha diminui. Novamente, é tudo uma questão de fazer as contas.

(Texto publicado na coluna de opinião “Boca do Lobo” da última LER, secção “Leituras Miúdas”.)