quarta-feira, 23 de novembro de 2016
A CAMINHO DE SANTIAGO
Vai ser bom voltar a Santiago de Compostela, onde já não vou desde o início dos anos 90. O pretexto é o encontro «Desfacendo a Raia», promovido em conjunto pela livraria Ciranda e a a Gálix - Asociación Galega do Libro Infantil e Xuvenil, cujo convite agradeço. Nos dias 25 e 26, no belíssimo espaço da Galeria Sargadelos (na foto), vai falar-se de escrita, crítica literária, ilustração, edição, literatura nas escolas e o que mais se verá. Pela parte de Portugal, vão estar presentes Joana Estrela, ilustradora e autora de Mana (Planeta Tangerina); Benedita Barros (da editora Máquina de Voar) e moi-même. A fechar, no sábado à tarde, há um espectáculo musical com Uxía Senlle e Sérgio Tannus. O programa completo pode ser visto aqui (cliquem na imagem para aumentar):
sábado, 19 de novembro de 2016
JOSÉ SARAMAGO, HOMEM-RIO
«Ao contrário de um rio, um escritor tem muitas margens. De um rio, sabemos onde nasce e onde desagua; a um rio, conhecemos a margem direita e a margem esquerda. Já um escritor tem tantas margens quantas as palavras que existem — as que ele mesmo escreve e as que, antes dele, outros escreveram.» A colecção de biografias Grandes Vidas Portuguesas, uma parceria editorial do Pato Lógico com a Imprensa Nacional Casa da Moeda, já ganhou mais um título: Homem-Rio, de Inês Fonseca Santos (texto) e João Maio Pinto (ilustração). Hoje, pelas 16h30, na Fundação José Saramago, os autores vão estar presentes para dar a conhecer a obra.
sexta-feira, 18 de novembro de 2016
JOANA ESTRELA, AS MANAS, OS IOGURTES E AS KARDASHIANS
A eterna
rivalidade entre irmãos deu o mote a uma (quase) estreia prometedora: Joana Estrela. Nascida em Penafiel, em 1990, e formada em Design de Comunicação pela
Faculdade de Belas-Artes do Porto, publicou um dos mais curiosos livros deste ano. Editado pela Planeta Tangerina, Mana ganhou, e muito bem, o I Prémio
Internacional de Serpa para Álbum Ilustrado 2015. Joana Estrela será uma das
convidadas portuguesas do primeiro encontro Desfacendo a Raia, que acontece
daqui a uma semana em Santiago de Compostela. Já lá voltaremos. Para já, fica a
entrevista – em versão «estendida» – que saiu na última edição da LER, secção Leituras Miúdas:
Diz que «o texto e a imagem são
melhores quando estão
juntos». Sendo assim, porque é que há tantas relações falhadas?
Todos os consultórios amorosos das revistas cor-de-rosa dizem que o segredo de uma boa relação está na comunicação. Se o texto e a imagem não se conhecem, nem se complementam, nem estão dispostos a adaptarem-se um ao outro, dá em divórcio.
Como reage à resposta «o seu estilo não se enquadra na nossa linha editorial»?
Bem, ao menos responderam.
Gosta de fazer listas. Confesse sete coisas que as/os
irmãs/irmãos mais velhas detestam.
juntos». Sendo assim, porque é que há tantas relações falhadas?
Todos os consultórios amorosos das revistas cor-de-rosa dizem que o segredo de uma boa relação está na comunicação. Se o texto e a imagem não se conhecem, nem se complementam, nem estão dispostos a adaptarem-se um ao outro, dá em divórcio.
Como reage à resposta «o seu estilo não se enquadra na nossa linha editorial»?
Bem, ao menos responderam.
Gosta de fazer listas. Confesse sete coisas que as/os
irmãs/irmãos mais velhas detestam.
A roupa que desaparece do armário. O
último iogurte que desaparece do frigorífico. O gato que adoptou sem me
perguntar primeiro. Quando ela cresce e começa a ler livros muito mais
inteligentes que eu. Quando se muda para a Holanda. Quando fico eu aqui com o
gato dela, e sem companhia para ver as Kardashians (mas com a roupa e os
iogurtes intactos!).
Está a trabalhar num projeto sobre Antónia
Rodrigues (n. 1580, Aveiro), a adolescente que se vestiu de marinheiro e cortou o
cabelo para ir combater no norte de África. Como imagina esta personagem?
Imagino que foi uma mulher
desenrascada, corajosa e que, enquanto viveu como homem, carregou o peso de
quem vive com um segredo.
Encontrei temas de Alison Bechdel no seu trabalho: o quotidiano familiar, os desencontros comunicativos, o humor irónico, as questões de género... Bechdel é uma referência?
Não sei o quanto é influenciou o meu
trabalho, mas é sem dúvida alguém que gosto muito de ler! Admiro a maneira como
ela utiliza a biografia ou autobiografia para falar de temas mais gerais
(política, literatura, psicologia...) e vice-versa. Em relação a outras
referências, tenho a sensação de que aprendi tudo o que sei de banda desenhada
com a Turma da Mónica. Leio esses «gibis» desde que sei ler, e nesses 20 anos
devo ter absorvido muita coisa. Sempre gostei que não houvesse heróis nem
vilões e que, dependendo de como a história é contada, às vezes és levada a torcer
pelos rapazes e os seus planos infalíveis, ou pela Mónica e a sua fúria e
arremesso de coelhos de peluche. Não é nada fácil fazer personagens tão
complexos parecerem tão simples.
terça-feira, 15 de novembro de 2016
TEMPOS DO TEMPO
DIA DE OUTONO
Senhor: é tempo. O verão foi muito longo.
Lança a tua sombra sobre os relógios de sol
e solta os ventos sobre as campinas.
Manda que os últimos frutos se arredondem;
dá-lhes inda dois dias mais meridionais,
leva-os à perfeição e faze entrar
a última doçura no vinho pesado.
Quem agora não tem casa, já não vai construí-la.
Quem agora está só, longo tempo o será,
fará vigílias, e lerá, escreverá longas cartas
e vagueará, de cá para lá, nas alamedas,
agitado, quando o vento arrasta as folhas.
Rainer Maria Rilke, Poemas I, ed. Instituto Alemão da Universidade de Coimbra, 1967. Prefácio, selecção e tradução de Paulo Quintela.
domingo, 13 de novembro de 2016
ADEUS, OLHO DE RELÂMPAGO
Esta é Dharma, a husky que entrou na pele (ou devo dizer no pêlo?) de Malik, o cão-lobo do meu livro. Morreu no passado domingo, com 14 anos, e tenho a certeza de que nunca lhe faltou amor. Conheci-a no verão de 2012, quando andava a escrever o Irmão Lobo. Precisava desesperadamente de ver um husky de perto, ir além da pesquisa enciclopédia, e pedi ajuda pelo Facebook. Várias pessoas me responderam, amavelmente, entre as quais o Mário Rufino, que se prontificou a apresentar a (sua) Dharma. Combinámos encontrar-nos no Vale do Silêncio, aqui perto de casa, e passeámos os quatro pelos trilhos do parque; a Ana e o Mário a explicarem-me, com toda a paciência, que os huskies não ladravam (ou raramente ladravam), mas produziam um som que depois descrevi como «um uivar soletrado, uma espécie de código morse dos huskies». Era parecido com a fala do Chewbacca, do Star Wars, insistia o Mário. Eu, burra, fiquei na mesma; foi preciso conhecer a Dharma e a sua estupenda família para colmatar essa falha cinéfila. Bom, então lá seguia ela, muito tranquila no seu andar gingão, sem me conceder a graça de um olhar, um olharzinho que fosse. Só quando o Mário lhe disse qualquer coisa é que a deusa levantou a cabeça e me encarou, fulminando-me ali mesmo, implacável; nem dez segundos aguentei a profundidade daquele azul-estalactite. Digo-vos, é preciso coragem para acolher os olhos de um cão. Agora que a Dharma se foi embora deste mundo, repito a pergunta que fiz ao Malik, seu irmão lobo: «Em que pradarias corres agora, Olho de Relâmpago? Solta o teu ladrar de trovão para eu saber onde estás.»
sexta-feira, 11 de novembro de 2016
LEONARD COHEN (1934 - 2016)
QUE FAÇO AQUI?
Não sei se o mundo mentiu
Eu menti
Não sei se o mundo conspirou contra o amor
Eu conspirei contra o amor
O ambiente de tortura não é agradável
Eu torturei
Mesmo sem a nuvem em forma de cogumelo
ainda assim teria odiado
Escutai
teria feito as mesmas coisas
mesmo que a morte não existisse
Não me deterei como um bêbado
sobre a fria corrente dos factos
Recuso o álibi universal
Como uma cabine telefónica vazia na noite
da memória
como os espelhos de uma sala de cinema
como uma só saída
como uma ninfomaníaca que se une a mil seres
em estranha fraternidade
espero
que cada um de vós confesse.
(Leonard Cohen, Que faço aqui?, in Filhos da Neve, ed. Assírio & Alvim, 1985. Versões de Jorge Sousa Braga e Carlos Tê.)
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