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terça-feira, 19 de setembro de 2017

BEST OF OSCAR WILDE



«O atual tratamento das crianças é terrível, sobretudo por pessoas que não compreendem a psicologia peculiar da natureza da criança. A criança pode entender um castigo infligido por um indivíduo, como um pai ou um educador, mas não consegue entender um castigo imposto pela sociedade. Não consegue perceber o que é a sociedade.» (Oscar Wilde)



Num mundo onde as crianças já não têm só medo do escuro, de aranhas ou de fantasmas, mas passaram também a recear a guerra e os ataques terroristas, estas palavras são de uma profunda atualidade. Estamos todos – e não só as crianças – com dificuldade em «perceber o que é a sociedade». Ler estes contos talvez ajude os leitores mais jovens a compreender valores essenciais que os adultos não sabem ou não têm tempo para explicar. Valores como a amizade, a solidariedade, a coragem, a justiça e a bondade. Depois, há o lado lúdico da leitura que nos remete para o humor inimitável de Wilde – e nos recorda que os grandes leitores raramente são pessoas aborrecidas. Mais: que podem tornar-se grandes contadores de histórias. Para ajudar uma criança a não ser um adulto aborrecido, é importante dar-lhe bons livros a ler e encorajá-la a contar histórias que tragam significado para si e para os outros. Não é uma receita, é um projeto de vida. Plenos de sabedoria e graça, os contos de Oscar Wilde são indispensáveis na construção desse projeto. 

(Contos Escolhidos, Oscar Wilde, ed. Fábula, Setembro de 2017. Tradução e prefácio de Carla Maia de Almeida.)

quarta-feira, 19 de abril de 2017

NOITE ESTRELADA



No escuro, os olhos de Kenny ficaram maiores.
– Como é que cheguei tão longe? – perguntou.
– Pediste um desejo, e um desejo é meio caminho andado para chegares onde quiseres.
Kenny encostou a cabeça à janela e imaginou um cavalo preto e brilhante, e um navio pintado de branco.
– É quase de manhã – disse o galo. – Tenho de me ir embora.
Abriu as asas e voou em direção ao céu.
– Adeus, Kenny.
Nas luzes cantantes da cidade, Kenny viu-o desaparecer.
– Adeus – murmurou.
Kenny ouviu os ruídos da cidade atravessarem o vidro da janela. Eram como as canções que eleinventava quando estava contente. Fechou os olhos e os ruídos tornaram-se numa canção sobre um cavalo que fumegava pelas narinas e soltava chispas prateadas com os cascos.
Kenny adormeceu com a cabeça encostada ao parapeito da janela. E a canção tornou-se num sonho sobre um cavalo. Kenny ia montado num cavalo negro e brilhante. Partiram os dois a galope, deixando as casas para trás, e as pessoas viam-nos das janelas e batiam palmas. Correram o mundo inteiro, até chegarem à beira do oceano. E lá estava um navio pintado de branco, com um quarto a mais para um amigo. 


(excerto do final de A Janela de Kenny, um texto filosófico e encantatório de Maurice Sendak - aqui, também autor das ilustrações - que tive o privilégio de traduzir. Acabadinho de sair pela Kalandraka.)

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

QUANDO HITLER ROUBOU O COELHO COR-DE-ROSA


(...)

Podemos pôr poucas coisas numa mala de viagem, e foi assim que o coelho cor-de-rosa se perdeu para sempre, tal como se perdeu a vida feliz e tranquila de Anna em Berlim. Isto sucedeu pouco antes de Hitler chegar ao poder, mas foi mesmo a tempo. Anna e a família – os pais e um irmão mais velho – conseguiram salvar-se e tudo fizeram para se manterem unidos. Da Alemanha para a Suíça, da Suíça para a França, da França para a Inglaterra, Anna conta como passou por experiências e emoções muito fortes, que fizeram crescer nela a vontade de escrever ficção. (Sim, esta é uma história semiautobiográfica...)
Neste livro há muita coragem, afecto e sentido de humor, como vais ver. A parte que achei mais interessante foi quando a família está quase a separar-se, e Anna se zanga com os pais. Porque, se ficar sozinha, tem medo de se sentir mesmo como uma refugiada, diz ela. É como se, até ali, a família fosse ainda o seu país... Um país que nunca se pode abandonar. Fiquei a pensar nisto durante muito tempo. Quando estiveres sozinho a ler este livro tão bonito, tão sensível e tão humano, talvez te sintas também assim, e então poderemos conversar sem que ninguém nos ouça.»

[Do prefácio a Quando Hitler Roubou o Coelho Cor-de-Rosa, um romance indispensável da literatura infantojuvenil, escrito e ilustrado por Judith Kerr - hoje com 92 anos - e publicado na colecção Caminho Jovens em 1992, com tradução de António Pescada. Há muito tempo que andava ausente dos escaparates e foi um privilégio traduzi-lo para a nova edição da Booksmile. Como a literatura tem o dom de se antecipar à dita «realidade», o acaso e as circunstâncias providenciaram para que reaparecesse no ano em que a Europa enfrenta a maior vaga de refugiados desde o tempo da Segunda Guerra Mundial. Chega hoje à livrarias.]

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

CHEGAR A BOM PORCO


Nem só de banda desenhada se fala no blogue Ler BD. As críticas aprofundadas de Pedro Moura abarcam também muitos álbuns ou picture books, bem como leituras ensaísticas que de outra forma tenderiam a passar despercebidas. Ainda não há muito tempo, saiu um texto sobre Chico-Chorão (Kalandraka), obra de Maurice Sendak que me deu especial gozo traduzir; sem deixar de partir a cabeça, como todos os outros. 

Explica Pedro Moura que «este Bumble-Ardy suíno, ou na sua versão portuguesa incontestável e segura, Chico-Chorão, é órfão de ambos os pais, transformados em chouriço (uma leitura abusiva quase que poderia explorar vias alucinadas, de projecções do Holocausto – nada estranho na obra de Sendak – nesta família de… porcos), e encontra no seu nono aniversário (alguma cerimónia especial, passível de interpretações simbólicas?) uma ocasião para a libertação de todas as regras. Não quer isso dizer que se chegue a bom porto.»

Muito acertado. Aqui deixo o prólogo, para abrir o apetite:

«Quando Chico-Chorão fez um ano, não houve festa.

(A família riu-se e franziu a testa.)

O segundo ano, o terceiro e o quarto foram propositadamente esquecidos.

E o quinto, sexto e sétimo, nem sequer referidos.

Mas eis que Chico-Chorão completou os oito.

(Oh, que porquinho tão afoito!)

A família ia engordando, enquanto isso.

Até acabar feita em chouriço.

Então veio Adelina, essa tia deliciosa,

e adoptou Chico-Chorão mal ele fez nove.

Não foi uma sorte prodigiosa?

Ah, pois foi...»

sexta-feira, 24 de abril de 2015

MAURICE SENDAK: O QUE ESTÁ LÁ FORA


Era só para avisar o clube de fãs de Maurice Sendak que chegou ontem às instalações da Kalandraka mais um título deste maldito, maravilhoso, complexo, irritante, genial, rompe-cabeças, inimitável escritor e ilustrador. Pronto. Ainda não o tenho em mãos (já tremo...), mas aqui fica, em primeira mão, a capa de O Que Está Lá Fora (Outside Over There), sobre cuja génese e efeitos secundários falei neste post. Sem dúvida, foi um dos livros mais difíceis de traduzir de toda esta saga, mas também um dos mais estimulantes. E não, a saga ainda não chegou ao fim.

quinta-feira, 23 de abril de 2015

NAMORA UMA RAPARIGA QUE LÊ


Este é, sem dúvida, um dos posts mais namorados do Jardim Assombrado. O texto, originalmente em inglês, é atribuído a Rosemarie Urquico, escritora filipina de quem pouco se sabe. Deu origem a muitas reproduções e algumas réplicas curiosas, incluindo a versão oposta masculina, sarcástica, despudorada e também convincente: «Namora Uma Rapariga que Não Lê» (You Should Date an Illiterate Girl, por Charles Warnke). Porque todos os dias são dias do livro e todos os dias são bons para namorar, recupero o post, ligeiramente revisto mas não aumentado:


«Namora uma rapariga que lê. Namora uma rapariga que gaste o dinheiro em livros em vez de roupas. Ela tem problemas de arrumação porque tem demasiados livros. Namora uma rapariga que tenha uma lista de livros que quer ler, que tenha um cartão da biblioteca desde os doze anos.

Encontra uma rapariga que lê. Vais saber que é ela, porque anda sempre com um livro por ler na mala. É aquela que percorre amorosamente as estantes da livraria, aquela que dá um grito imperceptível ao encontrar o livro que procurava. Vês aquela miúda com ar estranho, cheirando as páginas de um livro velho, numa loja de livros em segunda mão? É a leitora. Nunca resistem a cheirar as páginas, especialmente quando ficam amarelas e usadas.

Ela é a rapariga que lê enquanto espera no café ao fundo da rua. Se espreitares para a chávena, verás a espuma a pairar à superfície, porque também ela está enlevada. Perdida num mundo feito pelo autor. Senta-te. Ela pode ver-te de relance, porque a maior parte das raparigas que lêem não gostam de ser interrompidas. Pergunta-lhe se está a gostar do livro.

Oferece-lhe outra chávena de café.

Diz-lhe o que realmente pensas do Murakami. Descobre se ela foi além do primeiro capítulo da Irmandade do Anel. Entende que, se ela disser ter percebido o Ulisses de James Joyce, é só para soar inteligente. Pergunta-lhe se gosta da Alice ou se gostaria de ser a Alice.

É fácil namorar com uma rapariga que lê. Oferece-lhe livros no dia de anos, no Natal, em datas de aniversários. Oferece-lhe palavras como presente, em poemas, em canções. Oferece-lhe Neruda, Pound, Sexton, cummings. Deixa-a saber que tu percebes que as palavras são amor. Percebe que ela sabe a diferença entre os livros e a realidade – mas, caramba, ela vai tentar fazer com que a vida se pareça um pouco com o seu livro favorito. Se ela conseguir, a culpa não será tua.

Ela tem de arriscar, de alguma maneira.

Mente-lhe. Se ela compreender a sintaxe, vai perceber a tua necessidade de mentir. Atrás das palavras existem outras coisas: motivação, valor, subtileza, diálogo. Nunca será o fim do mundo.

Desilude-a. Porque uma rapariga que lê compreende que falhar conduz sempre ao clímax. Porque essas raparigas sabem que todas as coisas chegam ao fim. Que podes sempre escrever uma sequela. Que podes começar outra vez e outra vez e continuar a ser o herói. Que na vida é suposto existir um vilão ou dois.

Porquê assustares-te com tudo o que não és? As raparigas que lêem sabem que as pessoas, tal como as personagens, evoluem. Excepto na saga Crepúsculo.

Se encontrares uma rapariga que lê, mantém-na perto de ti. Quando a vires acordada às duas da manhã, a chorar e a apertar um livro contra o peito, faz-lhe uma chávena de chá e abraça-a. Podes perdê-la por um par de horas, mas ela volta para ti. Falará como se as personagens do livro fossem reais, porque são mesmo, durante algum tempo.

Vais declarar-te num balão de ar quente. Ou durante um concerto de rock. Ou, casualmente, na próxima vez que ela estiver doente. Pelo Skype.

Vais sorrir tanto que te perguntarás por que é que o teu coração ainda não explodiu e espalhou sangue por todo o peito. Juntos, vão escrever a história das vossas vidas, terão crianças com nomes estranhos e gostos ainda mais estranhos. Ela vai apresentar os vossos filhos ao Gato do Chapéu e a Aslam, talvez no mesmo dia. Vão atravessar juntos os invernos da vossa velhice e ela recitará Keats, num sussurro, enquanto tu sacodes a neve das tuas botas.

Namora uma rapariga que lê, porque tu mereces. Mereces uma rapariga que te pode dar a vida mais colorida que consegues imaginar. Se só lhe podes oferecer monotonia, horas requentadas e propostas mal cozinhadas, estás melhor sozinho. Mas se queres o mundo e os mundos que estão para além do mundo, então, namora uma rapariga que lê.

Ou, melhor ainda, namora uma rapariga que escreve.»

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

ANIMAIS BESTIAIS


Com uma nova tradução do grande Tomi Ungerer em mãos, sinto-me grata por contribuir para a reabilitação de espécies animais pouco populares nos livros para crianças. A seu tempo, o polvo Emílio irá juntar-se à jibóia Crictor e ao canguru fêmea Adelaide, todos protegidos pela chancela da Kalandraka. Capas e minibiografia de Tomi Ungerer (França, 1931), um dos últimos dos moicanos, aqui mesmo

domingo, 21 de setembro de 2014

MAIS UM SENDAK


Terminada hoje mais uma tradução de Maurice Sendak para a Kalandraka (e, para variar, nada fácil). Publicado em 2011, Bumble-Ardy pôs fim ao seu interregno de dez anos como autor do texto e das ilustrações, o que é apenas uma demonstração do tempo não-linear da escrita e da arte em geral. Nesta entrevista à Paris Review, aos 83 anos, Sendak fala da incerteza do amor familiar e da propensão humana para o caos, temas que tratou também em livros como Where the Wild Things Are e Outside Over There. Como seria de esperar, Bumble-Ardy não é um livro amável nem superficial. Pode incomodar quem não tiver sentido de humor, por exemplo. E isso para dizer o mínimo.

terça-feira, 17 de junho de 2014

O QUE ESTÁ LÁ FORA


Durante anos, persegui a origem desta imagem, publicada num artigo que escrevi para a Notícias Magazine sobre o livro Mulheres que Correm com os Lobos, de Clarissa Pinkola Estés (basicamente, a minha «bíblia»). Descobri, há pouco, no meio das traduções da obra de Maurice Sendak, tratar-se de uma pintura de Briton Rivière, datada de 1902, representando Afrodite a descer o Monte Ida, espaço sagrado da mitologia greco-romana. Ida é o nome da protagonista de Outside Over There, o último livro da «trilogia deslaçada» de Sendak, a sua obra mais pessoal e mais enigmática, da qual ele próprio confessou ter tido dificuldades em sair. «Foi a experiência mais penosa da minha vida enquanto criador. Uma verdadeira catástrofe. Foi tão duro que acabei por ter uma depressão», afirmou, numa entrevista à Horn Book Magazine, em 2003. Ida, a menina que parte em busca da irmã bebé raptada por duendes, é uma homenagem à sua irmã, Natalie Sendak, nove anos mais velha. O bebé raptado não é outro se não «o próprio» Sendak, revisitando um dos acontecimentos mais marcantes da sua infância: o rapto criminoso do bebé Lindbergh, que assustou o mundo em Março de 1932 (seria descoberto dois meses mais tarde, já morto). Maurice Sendak, então com apenas quatro anos, não compreendeu como era possível a tragédia abater-se sobre uma criança rica e superprotegida pelos pais, o seu oposto enquanto filho de emigrantes pobres que não falavam inglês, nos Estados Unidos de todas as oportunidades. Ida, a personagem-irmã de Outside Over There, menina corajosa, intensa e pletórica (tal como Afrodite) vem resgatar não apenas o bebé da história, mas toda uma possibilidade de justiça e ressurreição da vida interrompida. A essa ressurreição também se chama Arte.

Outside Over There ficou, em português, para a tradução da Kalandraka que será publicada este ano, O Que Está Lá Fora. Quero dizer: tudo o que nos assusta e que nos atrai ao mesmo tempo. Tudo o que está lá fora e cá dentro, como as muitas encostas do Monte Ida.

quinta-feira, 6 de março de 2014

NO REGRESSO DO ALTO MAR


Maurice Sendak descreveu Outside Over There (Harper Collins, 1981) como a sua obra «mais pessoal». Não só as personagens se reportam directamente à sua biografia (o rapto do bebé Lindbergh, que o traumatizou), como todo o processo de trabalho o deixou exausto e deprimido, não obstante este ser também reclamado como o «favorito» entre os seus livros. E compreende-se. Numa leitura rápida, Outside Over There consegue ser quase impenetrável. Apesar da aparente simplicidade do texto, a sintaxe é muito mais complexa (ou inventiva) do que no caso de Onde Vivem os Monstros e Na Cozinha da Noite, conservando ecos de arcaísmos e da cadência das nursery rhymes. A história é furtiva e enigmática. As ilustrações, de tendência hiper-realista, guardam numerosas referências sociais, culturais e artísticas; esclarecendo o texto, umas vezes, e confundindo-o, outras. Traduzi-lo foi um prazer e uma dor de cabeça. Acabei ontem. Mas, na verdade, parece-me impossível de acabar. Querem saber como traduzi o título? Não digo.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

POR DENTRO DA COZINHA DA NOITE


E pronto. Depois da rigorosa aprovação dos herdeiros da obra, entrou em trabalho de impressão o segundo livro da «trilogia deslaçada» de Maurice Sendak (a expressão pertence-lhe). Na Cozinha da Noite (1970) segue-se a Onde Vivem os Monstros (1963), já publicado em 2009 pela Kalandraka, com tradução de Elisabete Ramos, e antecede Outside Over There (1981). Note-se que entre o primeiro e o segundo livro há sete anos de intervalo; e entre o segundo e o terceiro nada mais nada menos do que onze anos... Só isto já dá uma ideia do pensamento sinuoso do Sendak, para quem escrever e desenhar - coisa que fez durante toda a vida - significou pôr a criatividade ao serviço das forças do inconsciente e não de ditâmes exteriores. Daí a sua radicalidade, o seu compromisso, a sua liberdade; e a sua influência em tantos outros autores. Foi fácil traduzir In The Night Kitchen? Não, mas estou satisfeita com o resultado. O livro deverá chegar às livrarias na segunda semana de Março.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

UM MERGULHO NA COZINHA DA NOITE


Coube-me o privilégio um pouco insano de traduzir para português grande parte da obra de Maurice Sendak (1928-2012), autor norte-americano de ascendência polaca, amado e odiado q.b., homem de mau feitio e um daqueles nomes a quem se reconhece facilmente o dom da genialidade. Trata-se de uma tarefa que me deixa entre o entusiasmo e a angústia, características geneticamente apuradas desde que nasci sob o signo de Saturno. Sendak, vencedor do Prémio Caldecott de 1964 e do Prémio Andersen de 1970 (em ilustração), entre muitos outros, vai ser finalmente editado em Portugal pela Kalandraka, o que é já um dos acontecimentos do ano na área do infantojuvenil (ver a notícia da Lusa aqui.) Com a obra-prima de 1963, Where The Wild Things Are (Onde Vivem os Monstros, já editado pela Kalandraka em 2009), Sendak protagonizou um papel seminal na emergência do picture book enquanto «género editorial» (chamemos-lhe assim) e dotou o texto e a ilustração de uma profundidade simbólica tão subtil e complexa que, até hoje, o mínimo que se pede é humildade na tradução do original inglês. Não quero entrar em pormenores, mas antes de deitar mãos à obra li duas versões em línguas europeias que me arrepiaram os cabelos, autênticos atropelos reescritos sem a noção correcta do que é um trabalho de autor... Traduzir livros para crianças não é, em muitos casos, tão fácil como parece, mas sobre esse assunto falarei nos próximos posts. Para já, aqui fica a capa de Na Cozinha da Noite, o segundo título da «trilogia deslaçada» (expressão do próprio Sendak) composta por Onde Vivem os Monstros e Outside Over There, que traduzirei a seguir. Estará nas livrarias no final de Março.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

MOCHOS E ESTORNINHOS


No site Rua de Baixo, Andreia Rasga sugere Boa Noite, Mocho!, da veterana Pat Hutchins. Foi o penúltimo livro que traduzi para a Kalandraka (ainda há aí um novo Tomi Ungerer à espera de chegar...) e deu-me um certo trabalhinho, por causa das onomatopeias e das vozes de animais. Agora, por favor, não me digam que os estorninhos «pissitam», porque esse é um verbo que não tenciono conjugar nem sob intimidação. A alternativa que encontrei é igualmente correcta e traduzir também é uma questão de ouvido e de bom senso. Espero que gostem. É um livro especialmente indicado para pré-leitores, muito bom para ler em família. Diz a Andreia Rasga: «Esta história lê-se a cantar, imitando as onomatopeias e repetindo as deixas página a página. Um folhear embalado pelos sons da floresta acordada, enquanto o mocho tenta dormir.» Texto completo aqui.

[Adenda: e enquanto o mocho tentava dormir, a crítica de Paula Pina saía também no Cria Cria.]

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

OS DESASTRES DE TEODORO


Preferia ser reconhecido como um escritor que ilustrava, mas tudo o que fazia revelava esse génio criativo próprio de quem tira de si um universo tão singular quanto transbordante. Edward Gorey, cujo fantasma terá sempre um banco cativo no Jardim Assombrado, vai reaparecer em Outubro nas livrarias (depois desta edição já muito difícil de encontrar), agora com a chancela da Livros Horizonte. Quando Teodoro Encolheu (The Shrinking of Treehorn) é o primeiro título de uma trilogia que gostaríamos muito de ver continuada, com ilustrações de Gorey e texto de Florence Parry Heide (EUA, 1919), uma senhora que escrevia livros para crianças com o seu quê de excêntrico e absurdo, no tempo em que escrever livros para crianças com o seu quê de excêntrico e absurdo era, em si mesmo, excêntrico e absurdo. A tradução é nossa (Oh deuses, sede clementes!) e juramos que não encontrarão frases como a anterior.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

LULU E O BRONTOSSAURO


“Era uma vez uma menina chamada Lulu, e a Lulu era uma seca. Não era uma seca para comer. Não era uma seca para vestir. Era uma seca – uma grande seca – para tudo.

Lulu era filha única e os pais davam-lhe tudo o que ela queria. E agora, adivinhem. Lulu queria TUDO. Toneladas de guloseimas. Toneladas de brinquedos. Toneladas de horas de desenhos animados. E se o pai e a mãe lhe dissessem (e raramente diziam), «Desculpa, querida, mas agora já chega», Lulu guinchava até que as lâmpadas explodissem, atirava-se para o chão e esbracejava e dava pontapés. E logo o pai e a mãe concordavam: «Está bem, só por esta vez», e lá lhe davam o que ela queria.”

Começa assim o primeiro capítulo de Lulu e o Brontossauro, um livro delicioso – no estilo da escrita, na elaboração da história, no sentido de humor, nas ilustrações – que tive o prazer de traduzir; e, no caso das canções, de adaptar o melhor que me foi possível. Saiu o ano passado, pela Simon & Schuster, com a assinatura de dois autores norte-americanos de renome e diferentes gerações: Judith Viorst (texto) e Lane Smith (ilustrações). Lane é um nome masculino, embora não pareça, e talvez o reconheçam facilmente por causa do booktrailer que circulou por aí exaustivamente, It’s a Book (podem revê-lo aqui), cujo livro também será publicado em português. Quanto a Lulu e o Brontossauro, é um daqueles títulos para crianças que os adultos gostarão de ler, e julgo que se presta muitíssimo a ser contado em voz alta. Sairá em breve, com a chancela da Gailivro.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

DOBRADINHA EMILY GRAVETT



Um lobo que não morde (bem... não garanto) e um rato atormentado por uma série de fobias, incluindo hipopotomonstrosesquipedaliofobia, o medo das palavras grandes (sim, existe!), aparecem nos dois primeiros livros de Emily Gravett a chegar a Portugal, pela mão da Livros Horizonte. Diverti-me muitíssimo a traduzir o segundo, Grande Livro dos Medos do Pequeno Rato, pela criatividade exigida. Também precisei de usar uma lupa para ler as letras mais pequenas. Curiosos? Podem encontrá-lo na Livraria O Queijo, Centro Comercial Ratoeira, Loja 3, em A-dos-Ratos.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

MAIS DIFERENÇAS


Deste já falei aqui. Chega a tempo do Natal.

DESCUBRA AS DIFERENÇAS



Soluções: 1) Traduzir é quase tão bom como escrever, e causa menos ansiedade. 2) Por muitas revisões que se façam, há sempre qualquer coisa que escapa. 3) Nunca esquecer as palavras de Samuel Beckett: “Fail again. Fail better”.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

EMILY GRAVETT NO HORIZONTE


Quando passei por Tavira e pela livraria Lura dos Livros estava longe de imaginar que, quase dois anos depois, iria ter o privilégio de traduzir Emily Gravett para português. Ele há gente com sorte. Com a chancela da Livros Horizonte, Little Mouse’s Big Book of Fears marca a estreia desta autora com “A” grande, que tem o dom de escrever e ilustrar os seus livros. Só espero ter-lhe feito inteira justiça. O livro deverá estar pronto ainda este ano, assim o permitam os mil e um pormenores técnicos relativos à sua concepção (e quem conhece o original sabe do que estou a falar). Entretanto, vejam aqui o site, que vale a pena.