terça-feira, 31 de agosto de 2010

TONY DITERLIZZI A SOLO


Não sou grande fã das Crónicas de Spiderwick, o best-seller de Tony DiTerlizzi e Holly Black que já passou ao grande ecrã. Sempre me fez confusão a escrita “a quatro mãos”, a “seis mãos” ou no regime de qualquer outro múltiplo. Para mim, a escrita corresponde a um pensamento individual, único, original. Não sei como duas pessoas conseguem pôr-se de acordo sobre o que escrever, quando se trata de contar a mesma história; e muito menos sobre como editar o que “o outro” escreveu. Enfim, provavelmente tudo se explicará pela minha inexperiência no assunto. Ainda assim, comparando Spiderwick com o registo a solo de Tony DiTerlizzi, não há dúvida de que o segundo ganha por larga vantagem, no estilo e na construção da narrativa. Cheio de piscadelas de olho ao cinema e de homenagens aos clássicos da literatura (a começar por O Vento nos Salgueiros, de Kenneth Grahame) Kenny e o Dragão foi um livro de leitura compulsiva, que me fez fazer batota e espreitar o final da história, não fosse dar-se o caso de morrer entretanto e ficar sem saber como acaba o livro (para quem não se lembra, esta ideia já foi levada ao cinema por Billy Cristal, num dos melhores gags do filme When Harry Met Sally). Falarei do livro numa das próximas edições da LER.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

O QUE FAZ CORRER SAMMY?



Lembro-me deste título: «O que faz correr Sammy?». Li-o quando era miúda, numa revista das Selecções do Reader’s Digest que havia em casa da minha avó, algures na indefinição dos anos 70. Intrigou-me para o resto da vida. Now, é preciso dizer que naquela altura não percebia muito bem os títulos das Selecções do Reader’s Digest – a começar por aí mesmo, nessas palavras que me faziam pensar em estômagos e esófagos e sucos digestivos, já para não falar da rubrica que dava pelo nome de «Eu sou o fígado de João», «Eu sou o pâncreas de João» e outras coisas assim viscerais; só mudava o órgão. Não compreendia como é que alguém podia ser o fígado ou o pâncreas de outra pessoa – e só mais tarde aferi os propósitos de divulgação científica dessas páginas que compuseram as minhas primeiras memórias anatómicas da leitura, feitas de árvores, baloiços e penedos cobertos de musgo.

Continuo sem saber «o que faz correr Sammy?», porque nunca li o livro de Budd Schulberg nem vi o filme homónimo. Mas sei muito bem o que me faz correr: as narrativas. «Destino: de um lugar para outro lugar, mas entre os dois é onde tudo se passa.»* Estou aqui, quero chegar ali. Devagar, depressa, devagar. Sei para onde vou, não me interessa se faz mau tempo no canal ou na ilha de Kiloran.

Correr? Correr é outra coisa. E estava capaz de falar disso, não fosse a desistência súbita – mas justificada – da malta do Correr Para Contar, que cancelou o treino de hoje à tarde no Parque das Nações, meu habitat próximo. Agora vão ter de me convencer a calçar de novo os MBT.

(* Sam Shepard, Lua Falcão, Quetzal, 1988)

SIT DOWN AND RELAX


Sempre à la page, a Miss T. apresentou ontem o novo figurino do blogue De Olhos Bem Fechados, concebido pela ilustradora Lucy Pepper. Digam lá se não apetece logo a uma pessoa reclinar-se e ficar a ler?

O LEÃO E O POÇO: UMA HISTÓRIA EXEMPLAR


“Era uma vez um leão que caiu num poço com dois metros de profundidade. Todos os animais das redondezas, a começar nas águias (essas rapinas que gostam de abrir as asas com espalhafato, mesmo quando voam baixinho) e a acabar nos dragões (esses bichos imaginários com menos fogo nas goelas do que pensam), toda a fauna se debruçou na beira do poço e fez pouco do leão ferido, lá em baixo, aparentemente conformado com a sua má sorte e morte certa.”
E depois? Depois... o José Mário Silva conta o resto da história aqui. E acreditem nela. Aconteceu ontem.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

BANANAS & TOTÓS


Ora bem, já tínhamos o Diário de Um Banana, de Jeff Kinney. Chega agora o que parece ser uma versão feminina do molde, o Diário de Uma Totó, de Rachel Rennée Russell. Ambos vestem a camisola do “Campeonato de personagens aparentemente desinteressantes que dão best-sellers”. Do outro lado do campo, mantém-se a horda de vampiros, lobisomens, gárgulas, fantasmas, elfos, trolls, dragões e restante equipa de criaturas fantásticas – com ou sem asas – que tem animado o mercado editorial infanto-juvenil nos últimos anos. Não é por nada, mas pergunto: será que a vida real perdeu o interesse? Isto é: será que NÓS perdemos o interesse? É que tenho a impressão que deste campeonato “ninguém sai vivo”, como dizia o outro.

IT'S A BOOK, STUPID!



Lane Smith é um dos autores do blogue Curious Pages – recommended inappropriate books for kids, que já divulguei na LER e desde há muito se encontra aí na lista dos Blogues ao Sol. Pelo menos dois livros dele já me passaram pelas mãos: The Stinky Cheese Man e The True Story of the Three Little Pigs, mas há mais aqui, para quem quiser saber. Via Cadeirão Voltaire, descobri há pouco o booktrailer de It’s a Book, um repto bem-humorado aos Kindles e outros aparelhómetros que servem para ler livros, guardar livros, descarregar livros e “essas coisas”. Pela conversa, já se percebeu que nesta matéria sou uma reaccionária. É verdade. E depois de ter lido a entrevista de Alberto Manguel no Ípsilon, confesso que fiquei pior.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

EDWARD GOREY: BELAS TATUAGENS



Siobhan Magnus, finalista do programa American Idol, deu nas vistas com a tatuagem dos Gashlycrumb Tinies, magna criação de Edward Gorey. Evidentemente, o fait-divers foi pretexto para uma visita à casa do autor, em Yarmouth Port, Cape Cod. O apresentador é irritante de tãaaaao americano, mas se quiserem espreitar o video, aí está ele. Sem imagens em movimento, a reportagem feita há quase três anos para a Notícias Magazine continua a poder ser lida aqui.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

ONZE DICAS PARA ESCREVER PARA CRIANÇAS

"There are two aspects to any great book: the quality of the writing and the quality of the plotting. You need to have a strong, individual, fresh voice that pulls the reader in – but you also need a great story to tell." Via The Greenhouse, agência literária inglesa especializada em literatura para crianças e adolescentes. Ler o resto aqui.

sábado, 21 de agosto de 2010

NOVIDADES DA KALANDRAKA




“A este feroz pirata/chamam-lhe Pata de Lata./Não é vesgo nem zarolho,/mas traz uma venda num olho.” De Xosé Manuel González 'Oli' e Ramón Trigo, O Pirata da Pata de Lata é um divertido picture book para pré-leitores ou leitores iniciais, com ilustrações de tons quentes que misturam as aguarelas com outras técnicas, imprimindo um forte cunho pictórico. Aguarelas que também predominam em Oh, As Cores!, de Jorge Luján e Piet Grobler, seleccionado no catálogo de 2009 The White Ravens, e muito longe das abordagens habituais dos livros “sobre cores”. Para leitores autónomos e amantes da Natureza, há mais um novo título da colecção de grande formato Animais Extraordinários, agora dedicado às espécies que têm uma visão arquitectónica dos seus habitats – dos castor aos corais, das térmitas aos cães-da-pradaria. Tal como o anterior (Nascer), Construtores é assinado por Xúlio Gutiérrez (texto) e Nicolás Fernández (ilustrações) Três bons livros da Kalandraka que chegaram com o Verão, para durarem por muito mais tempo.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

A PAIXÃO DOS FORTES





"Alone and foresaken", de Hank Williams, gravado em 1949, é um dos melhores temas incluídos na especialíssima colectânea que acompanha a Uncut de Setembro. Straight to You - The Gothic Country & Blues That Inspired Nick Cave, título do CD gratuito, contém um punhado de canções de amor e ódio permeadas de desejo insano, paixões fortes e álibis assassinos. O tipo de histórias que faz Cave dizer: “As far back as I can remember, there was something that thrilled me about telling a story, and it’s absolutely the way I think, and when I sit down and try and write a song, I think in a narrative way”.

No artigo que faz capa da revista elegem-se as 30 melhores canções dos últimos 30 anos, devidamente comentadas pelo próprio, mas também por ex-Bad Seeds e outros músicos, produtores e realizadores de alguma forma relacionados com o universo caveano (do qual seremos fãs penitentes até ao dia do Juízo Final, mas nem que o homem passe a cantar rimas de berço).

terça-feira, 17 de agosto de 2010

MATAR UM RUISEÑOR


As sobras da Qué Leer chegam a Portugal com meses de atraso, facto incompreensível para uma revista feita aqui ao lado. Andando à procura de um número especial recém-saído, dedicado à literatura infantil (e não, não é este), encontrei há dias uma edição extra sobre adaptações literárias ao cinema – entre as quais as famosas Cumbres Borrascosas. Sei que é um acto de sadismo pôr um espanhol a pronunciar Wuthering Heights (O Monte dos Vendavais, Emily Brontë), mas convenhamos que Cumbres Borrascosas é um daqueles títulos impossíveis de levar a sério, tal como Cadenas Rotas (Great Expectations) ou Las Uvas de la Ira (The Grapes of Wrath). Não, não é má vontade. É mesmo vontade de rir. Quanto a Matar un Ruiseñor, como já devem ter percebido, refere-se a To Kill a Mockingbird, título da obra-prima de Harper Lee, que em português ficou Por Favor, Não Matem a Cotovia (Difel). Também não é grande espingarda.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

EMILY GRAVETT NO HORIZONTE


Quando passei por Tavira e pela livraria Lura dos Livros estava longe de imaginar que, quase dois anos depois, iria ter o privilégio de traduzir Emily Gravett para português. Ele há gente com sorte. Com a chancela da Livros Horizonte, Little Mouse’s Big Book of Fears marca a estreia desta autora com “A” grande, que tem o dom de escrever e ilustrar os seus livros. Só espero ter-lhe feito inteira justiça. O livro deverá estar pronto ainda este ano, assim o permitam os mil e um pormenores técnicos relativos à sua concepção (e quem conhece o original sabe do que estou a falar). Entretanto, vejam aqui o site, que vale a pena.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

OS POSTAIS FORAM DE FÉRIAS


“Não foi assim há tanto tempo que perdemos o hábito de enviar postais de férias, um dos mais saborosos rituais de Verão com o seu quê de frivolidade. Escrevia-se sem preocupações de rigor nem eloquência: «Chegámos bem, os miúdos adoram a piscina, um abraço». Agora que as caixas de correio são domínio quase exclusivo de cartas impressas, contas por pagar e publicidade ao take-away da esquina, sente-se a falta dessas notícias sazonais que nos traziam a lembrança de alguém através de uma letra manuscrita. Ou seria antes a lembrança de nós, num lugar estranho às nossas circunstâncias? Os postais de férias têm esse lado paradoxal, ambíguo e sempre subjectivo, sustentado pelos fios da memória que ligam o remetente ao destinatário. Gostamos de receber postais de férias porque nos lembramos dos outros ou porque os outros se lembraram de nós?

Uma coisa é certa: nos postais de férias não havia espaço para más notícias. Ninguém se dava ao trabalho de enviar vistas de Honolulu para depois registar, num acesso de mesquinhice, que o serviço de hotel era péssimo e que mais valia ter ficado em casa. Os prazeres da viagem, o tempo ameno, a tentação do ócio – eis alguns dos tópicos adequados ao rectângulo em branco do postal.

Por vezes, a tarefa já estava facilitada. Por volta de 1890, na Alemanha, surgiu a moda dos postais ilustrados que se iniciavam com a frase «saudações de…» (seguia-se o nome da cidade). Restava apenas completar o sentimento previamente inscrito, também na variante «recordação de…» ou outras mais calorosas. Só por esse exorcismo da negatividade, e também pelo espírito de síntese que nos obrigam a cultivar, os postais mereciam continuar a fazer parte dos nossos mais sólidos compromissos de Verão – como andar descalço na praia ou adormecer numa rede.

Estamos em Agosto. Ainda não é tarde para recuperar o tempo perdido.”

(Texto publicado na edição de 8 de Agosto da Notícias Magazine, revista de domingo no DN e JN, na secção "Nostalgia".)

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

DIÁRIO DE VIAGEM SUSTENTÁVEL

Na região mediterrânica o consumo de água duplica em época de férias. Um cruzeiro produz sete mil toneladas de resíduos sólidos todos os anos. Em 2010, a World Travel & Tourism Council estima que se chegue aos mil milhões de turistas e, provavelmente, eu e o leitor seremos mais dois. Há pequenas coisas que se podem fazer para diminuir o impacto do turismo a nível mundial. Não sei se comprar este diário de viagem é uma delas, mas que a ideia é boa, lá isso é. Saiba mais aqui.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

BOOKCROSSING NO MUSEU DA IMPRENSA


O Museu Nacional da Imprensa, no Porto, foi o primeiro museu português e dos primeiros da Península Ibérica a aderir ao bookcrossing, passando a funcionar como zona oficial (ou crossing zone) desde ontem.

Do press-release enviado à imprensa:

"Criado em 2001, por Ron Hornbacker, o Bookcrossing passou, de uma simples forma de rastrear livros, para um fenómeno à escala mundial, com mais de 700 000 utilizadores de 130 países e 5 milhões de livros registados.

Portugal conta com uma das maiores comunidades Bookcrosser da Europa, desde cafés a bibliotecas, escolas e serviços públicos, num total de mais de 11 000 membros.
Sendo o primeiro museu da lista da comunidade bookcrosser em Portugal, o Museu Nacional da Imprensa pretende desta forma estimular os hábitos de leitura e contribuir para a troca de experiências globais através de livros.

Para os interessados, o Museu lança o convite: “visite-nos junto ao rio Douro (Freixo), liberte as memórias das suas páginas favoritas, procure e viva outra aventura”. Depois, será só enviar e receber o resultado das experiências, fazendo parte de uma verdadeira comunidade global que interage sem ser só por via electrónica.

Para mais informações, consultar: http://www.bookcrossing.com/."

domingo, 1 de agosto de 2010

FORMIGUINHA ALTERADA


Corria a década de 1950. Palavras não eram ditas quando… apareceu a colecção Formiguinha. A expressão tantas vezes usada para convocar a força do mundo mágico repete-se nos contos, a par de outras como «era uma vez» ou «naqueles tempos». Fórmulas em que a palavra impera, remetendo-nos para o costume de contar histórias em voz alta, à luz do fogo ou da candeia. A colecção Formiguinha é contemporânea desse país alumiado a petróleo e marcado pelo lápis azul da censura. Também as edições reproduzidas nesta página não dispensaram o aval do Estado Novo: «Visado pela Comissão de Literatura e Espectáculos para Menores», lê-se.

Desde 1955, data mais provável das primeiras edições, a Majora fez sucessivas reimpressões de Maria da Silva, Bela-Feia e Feia-Bela, Os Três Irmãos e os Três Pretos, O Tesouro do Ceguinho, Os Dois Corcundinhas e muitas outras histórias. Adaptações de contos tradicionais ou de contos de fadas, portugueses e estrangeiros, reconhecem-se aqui, embora mal, os «originais» de Hans Christian Andersen, de Oscar Wilde ou dos Irmãos Grimm. As capas mudaram, nos últimos anos, mas o texto de João Sereno e as ilustrações de César Abott mantêm-se intactos. Atentem nos conselhos de mãe veiculados em A Princesa da Ervilha: «Sim, na verdade torna-se preciso que tenhas o maior cuidado na escolha, para que, em breve, não te arrependas, já que o casamento não é nenhuma brincadeira, pois dura toda uma vida.» Ora bem.

A pedido de muitos leitores saudosistas, a Majora continua a reeditar a colecção Formiguinha. Para quem não se preocupe com o politicamente correcto, é ainda a oportunidade de lembrar o significado de «manducar», «banzé», «merenda», «gamela», «chinó», «bucho», «caruma», «casinhoto» e «enjeitado», entre centenas de outras palavras ausentes dos actuais livros infantis. E o leitor, ainda sabe o que quer dizer «o marau comeu à tripa forra»?

Aviso à navegação: o texto acima corresponde ao que devia ter saído na edição de hoje da Notícias Magazine, revista de domingo no DN e JN, na secção "Nostalgia". Por razões que me são alheias, a versão publicada foi cortada no primeiro parágrafo e, pior do que isso, completada com uma legenda não assinada por mim, em que se fala de um tal “departamento de livros para menores”. Desconheço. O que escrevi foi: “Comissão de Literatura e Espectáculos para Menores”, coisa bem diferente. Não havia necessidade. Como os leitores ignoram os meandros da edição de textos nos jornais e revistas, para todos os efeitos a falha é minha…