Soube recentemente do triste caso de um/a professor/a bibliotecário/a que se vê em palpos de aranha para conseguir trazer um escritor à sua escola, inserida num agrupamento com largas centenas de alunos e numa região economicamente «não deprimida». Motivo: os/as colegas boicotam qualquer iniciativa deste género, alegando não ter tempo nem disponibilidade para preparar a visita. Dito de forma mais simples: não estão para se chatear. Eu compreendo. Há escritores que também não estão para se chatear com visitas a escolas. Feitas as contas, talvez a proporção entre os que dão «negas» de parte a parte seja equilibrada. O problema é que, neste caso,
menos por menos não dá mais e quem se lixa é o mexilhão. Talvez seja o meu romantismo a falar, mas quando conheço crianças que ainda têm uma imagem idealizada do escritor (percebe-se pelo tipo de perguntas que fazem), parece-me que há aqui um capital afectivo e simbólico a explorar no que toca à formação de novos leitores.
Dez anos depois de começar a ser convidada a visitar escolas, na sequência da publicação do meu primeiro livro (
O gato e a Rainha Só, Caminho, 2005), constato que o sucesso e os riscos deste tipo de actividade são difíceis de calcular. Nesta matéria, faço parte do núcleo dos «positivistas de serviço». Na maior parte das vezes, as coisas correm bem ou muito bem: há curiosidade e entusiasmo, há comunicação, há criatividade, há cortesia, há livros para autografar. Outras vezes, a indiferença e até hostilidade dos professores é tão notória que convém ter
poker face para conduzir uma sessão até ao fim. Como às vezes peco por não ter
poker face, quando percebo que as coisas vão dar para o torto procuro concentrar-me nas crianças e num providencial espírito de missão que evite a catástrofe. Não é a sensação de tempo perdido que me angustia, mas a da exposição pessoal, quando inútil e confrangedora. Lembro-me de uma vez ter caído de pára-quedas no meio de uma turma do 9º ano e de pensar: «Tenho dez segundos para os agarrar ou isto vai ser um suplício.» Escapei por pouco, mas sempre se sai com algumas sequelas.
Às vezes levo a minha «mala de tesouros» (falei dela
neste post), mas só na altura é que sei se a vou abrir ou não. Porque isto de mostrarmos de que massa somos feitos tem que se lhe diga e requer intimidade, silêncio, atenção, empatia, curiosidade. Naquele momento, são as crianças que me estão a ler e a «mala de tesouros» é um instrumento de mediação leitora, ao ligar a pessoa aos livros e à escritora.
A semana passada, no âmbito do programa
«Os escritores vão às escolas», uma ideia da Divisão de Educação da Câmara Municipal de Sintra em articulação com a APE, estive na E.B./J.I de S. Marcos nº1. É uma escola do concelho de Sintra onde a vista para a serra ilude, durante algum tempo, a paisagem descarnada dos prédios sem árvores à volta. Olha-se com mais cuidado e percebe-se que muitas daquelas crianças não terão uma vida fácil. «A escola é o lugar onde elas se sentem seguras», disse-me depois o director, que também esteve presente na sessão. Éramos poucos, só uma turma do 4º ano, mas havia bastantes pais a assistir, e que a escola tenha conseguido esse envolvimento parece-me extraordinário nos tempos (desinteressados) que correm.
Os miúdos mostraram o que tinham feito à volta do
Onde Moram as Casas e do
Não Quero Usar Óculos. Além da criatividade, é de salientar a autonomia com que as professoras os deixaram conduzir a sessão. Via-se que estavam contentes e orgulhosos (os pais também). No fim das perguntas, abri a mala e mostrei alguns dos objectos que estavam lá dentro. Desafiei-os a fazerem o mesmo, para um dia terem também tesouros para partilhar. Quando fechei a mala e saí daquele lugar seguro, sem dúvida que levava mais coisas lá dentro. Foi uma das visitas mais bonitas a que já tive direito. Muito obrigada a todos.