domingo, 30 de novembro de 2008

ISTO PARA MIM É FINLANDÊS


Além de Tove Jansson, “mãe” da série dos Moomins (na ilustração acima), o mundo dos ilustradores finlandeses deve ser desconhecido para a maioria – e aqui me incluo. Assim deverá continuar, já que a exposição recém-inaugurada no Palácio Galveias – “Truth and Tales” – não vai contribuir para grandes esclarecimentos. Ali se acumulam, sem qualquer noção inteligível de ordem – cronológica, temática ou outras –, alguns trabalhos de 29 ilustradores finlandeses de livros para crianças, produzidos nos últimos 40 anos. Não vi nada que ultrapassasse as fronteiras do convencional, mas o que aborrece mesmo é a ausência de um catálogo, um programa ou meia dúzia de textos em placards que contextualizem o percurso do visitante incauto. É tudo ao molho e fé em Deus, numa mistura de datas, livros, nomes e sequências de ilustrações por vezes arbitrárias, acompanhadas de legendas que pouco ou nada dizem. Pronto, já sei que é tudo muito difícil, que há pouco dinheiro e não sei que mais, mas não vale a pena atravessar a montanha desde lá das auroras boreais para chegar aqui e parir um rato.

“Truth and Tales” é apresentada pela Bedeteca de Lisboa e produzida pela Associação de Ilustradores Finlandeses, com o patrocínio do Ministério da Educação da Finlândia e da Fundação para a Cultura da Finlândia e o apoio da Embaixada da Finlândia.
NÃO HAVIA PORTUGUESES A BORDO

O jornalismo está cheio de lugares-comuns. Na imprensa, há os “prados verdejantes” e o “país de contrastes”, entre outros “pequenos recantos” onde se abriga a falta de imaginação. Pior, porque inútil e oportunista, é aquela mania de os telejornais fecharem notícias sobre acidentes aéreos com a expressão “não havia portugueses a bordo”. É uma informação que interessa, exclusivamente, às famílias e amigos de quem viajou naqueles dias; e sabe-se como as más notícias correm depressa. O resto é irrelevante, do ponto de vista jornalístico. Por que é que a morte de um português num desastre de avião na Tailândia tem mais peso do que a de um colombiano nas cheias ou a de um japonês num tremor de terra? A morte é absoluta, não importa se se trata de uma ou de mil pessoas. Sim, eu sei que há isso a que chamam o “critério da proximidade geográfica”, mas juro que não entendo. Não entendo como é que a morte pode ser assim uma coisa tão portuguesa, que entre em casa à hora do jantar com o pretexto de sossegar as consciências, anunciando o vazio informativo: “Não havia portugueses a bordo”. Isso que dizer que podemos comer descansados?

sábado, 29 de novembro de 2008

ESTÁ UM TEMPO WELLINGTONEANO


Wellington, capital da Nova Zelândia, é uma das cidades mais ventosas que conheço. Quando o vento se revolta no estreito de Cook, a travessia de ferry-boat entre as duas ilhas não soa propriamente como uma canção de embalar. “Windy Wellington”, chamam-lhe. Quanto a Big Weather, uma colectânea de poetas neozelandeses, é muito mais do que uma conversa sobre o tempo e a cidade das cem colinas. “The strong queen of the south”, “the last colonial outpost”, “a delicatessen visited by Walt Whitman”, “sterile whore of a thousand bureaucrats” – Wellington é tudo isso, um melting pot a meio caminho entre o Oceano Pacífico e o Pólo Sul. Um dos meus poemas preferidos, de Iain Sharp:

The Desperadoes

Hand in hand we skip
down Molesworth Street.
It’s good to be alone
in a capital city.
It’s good to steal flowers
from the parliamentary gardens
while the ministers are in session.
Ah, look at your face.
You’re as beautiful as jazz,
as jasmine.
We chuck pebbles
at the night sky.
Cracks appear in the moon.

Big Weather – Poems of Wellington, vários autores, selecção de Gregory O’Brien e Louise White, ed. Mallinson Rendel, 2000

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

HOJE É DIA DE ENID BLYTON


Enid Blyton morreu a 28 de Novembro de 1968, faz hoje precisamente 40 anos. Mais ou menos o mesmo tempo que durou a sua carreira de escritora, ao longo da qual assinou largas centenas de livros. Está traduzida para cerca de 90 idiomas. A colecção d’Os Cinco continua a ser a mais vendida em todo o mundo, mas actualmente a febre “blytoneana” diz respeito ao Noddy, agora transformado num boneco-brinquedo sem grande graça – que os miúdos adoram, eu sei. Li quase tudo d’Os Cinco e alguns do Clube dos Sete. Achava a Ana mariquinhas, o David enigmático, o Júlio convencido e a Zé a personagem mais interessante. Um verdadeiro “role-model”, melhor dizendo, rebelde e solitária como convém. Também passei pela fase do Colégio das Quatro Torres e das Gémeas no Colégio de Santa Clara; cheguei a pedir à minha mãe que me inscrevesse num colégio interno, pretensão a que ela não deu o mínimo cabimento, como seria de esperar. No Reino Unido, Enid Blyton foi recentemente eleita como a escritora “mais querida” dos leitores, que devem ter achado esta edição especial comemorativa uma delícia. E é mesmo.

The Famous Five’s Survival Guide, vários autores, Hodder Children’s Books, 2008

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

MORRER DE AMOR, 2


O texto de Filipe Nunes Vicente remete para algo que está, para mim, entre os maiores mistérios: a morte quase sucessiva de duas pessoas que partilharam longos anos de vida em comum, com ou sem casamento oficial. De vez em quando surgem casos assim, que nos deixam a pensar. Giulietta Masina morreu a 23 de Março de 1994, cinco meses depois de Federico Fellini. Idêntico lapso de tempo separa as mortes de Suzanne Descheveaux Dumesnil, a 17 de Julho de 1989, de Samuel Beckett, a 22 de Dezembro desse mesmo ano. Johnny Cash não sobreviveu mais do que quatro meses à perda da mulher da sua vida e companheira de palco, June Carter Cash; ambos faleceram em 2003. E Auguste Escoffier, celebrado chef da cozinha francesa e inventor do famoso Pêssego Melba, morreu a 12 de Fevereiro de 1935, apenas duas semanas depois de Delphine Daffis, com quem esteve casado durante 55 anos.

Há, com certeza, incontáveis exemplos, a maior parte dos quais diz respeito a pessoas de quem nunca se ouviu falar. O que está em causa é sempre o mesmo e ultrapassa os limites da coincidência. É como se o sobrevivente tivesse perdido um órgão vital e renunciasse à continuidade de uma aliança que se desfez para sempre, com o desvanecer da respiração do outro. Até que ponto esta renúncia é voluntária – isto é, até que ponto as pessoas se deixam morrer –, é algo que escapa às explicações racionais de quem está do lado de fora, a assistir à metamorfose que acompanha qualquer perda dolorosamente insuportável.

Há quem se mate por amor, mas morrer de amor é outra coisa. Outros Romeus e Julietas.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

MORRER DE AMOR, 1


“Quando nos morre alguém, para lá de tudo o mais, passa a existir um espaço mental e físico desalinhado. Quem perdemos fazia parte de um ritmo antigo, de uma repetição cadenciada de experiências que se nos entranhou na pele. Esta perturbação é mais subtil do que a tristeza imensa, mas não menos letal. Aparece sob a forma de uma cadeira vazia à mesa de jantar, coisa com a qual já contávamos mas que mesmo assim nos surpreende; como uma campainha habitualmente pontual mas agora inexplicavelmente muda; ou, ainda, vestida de uma voz cujo silêncio, naquele exacto momento, nos arranca as orelhas.”

Amor e Ódio , de Filipe Nunes Vicente, Quetzal, 2008.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

E AGORA PARA ALGO REALMENTE IMPRESSIONANTE

Via Bruáa, este pequeno filme no site do New York Times: miúdos filmados pelo fotógrafo Robbie Cooper, completamente concentrados nos jogos de video. Os olhos não mexem, como os bonecos do Noddy ou do Ruca, e as expressões limitam-se a uma mudança de frames, rodando e basculando sobre o corpo praticamente imóvel. Ironicamente, o vídeo chama-se Immersion, designação do sistema de aprendizagem de línguas estrangeiras adoptado nos Estados Unidos, que consiste em “mergulhar” as crianças no contexto linguístico e cultural de um idioma sem recorrer ao uso da sua língua de origem. Para ver clique aqui.

ROCK E LITERATURA, 2


"The House That Jack Kerouac Built", The Go-Betweens (Tallulah).


ROCK E LITERATURA, 1


O Bibliotecário de Babel descobriu um blogue com uma lista enorme de nomes de bandas inspiradas por livros: Bookride. Além das que já foram acrescentadas nos comentários, aqui ficam mais algumas, após rápida passagem pela estante discográfica:

Genesis
The Divine Comedy
The Godfathers
The Tiger Lillies (Tigerlily é a princesa índia de Peter Pan)
The Go-Betweens (no singular, é um romance de Leslie Poles Hartley)
E ainda um escritor que resultou em nome de banda: Marquis de Sade.

É um mundo. Já sei que vou andar o dia todo a pensar nisto…

A TRISTEZA É UM LUGAR SEM FUNDO


Como é que se conta a uma criança o que é perder um filho? A desesperada tristeza que há entre a perda e o luto? Não faço a mínima ideia. Por isso, quando pego neste livro de Michael Rosen (o mesmo de Vamos à Caça do Urso) e Quentin Blake, acredito que tenho nas mãos qualquer coisa de raro e precioso. Onde se lêem coisas assim:

“I write:

Sad is a place
that is deep and dark
like the space
under the bed

Sad is a place
that is high and light
like the sky
above my head

When it’s deep and dark
I don’t dare go there

When it’s high and light
I want to be thin air.

This last bit means that I don’t want to be here.
I just want to disappear."

Michael Rosen’s Sad Book, Walker Books, 2004. Ilustrações de Quentin Blake.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

domingo, 23 de novembro de 2008

HOMENAGEM AO LEIXÕES


O Leixões continua à frente nos jogos da Liga. Ganhou ao Porto, ganhou ao Sporting e o meu desejo é que ganhe também ao Benfica. É uma questão de igualdade de oportunidades. Sendo sportinguista por parte do pai e leixonense por parte do avô, considero-me ilibada de qualquer imparcialidade. A minha escolha é meramente política. Gosto quando os pequenos ganham aos grandes. Deve ser uma coisa um bocado de esquerda.
HERÓIS

Não é por acaso que o post anterior está na etiqueta “Heróis”. Manuel João Vieira faz parte desse tipo de pessoas que considero inspiradoras, ao contrário dos cínicos, dos cépticos e dos moralistas. Não é um heroísmo do tipo épico, mas um heroísmo do dia-a-dia que desafia o cinzentismo e o conformismo, essa coisa acabrunhante que é às vezes sentir-se português. Pessoas desalinhadas, espíritos livres, originais, desprendidos, com tendência para o excessivo – gosto disso. Manuel João Vieira, mas também J.P. Simões, Manuel António Pina, Alberto Pimenta, Herberto Helder. E ainda Mário Viegas, Natália Correia, Agostinho da Silva, António Variações, Luiz Pacheco, Mário Cesariny, Al Berto, Alexandre O’Neill…

Não importam as discórdias entre eles. Não importa concordarmos sempre com o que dizem ou disseram. Fazem falta, é tudo. E desaparecem. Estão sempre a desaparecer-nos.
É UM MUNDO CATITA

Hoje ninguém vai querer perder isto. Às 23h40, na RTP 2.

“Filmada em HDv e em película, a série é uma viagem ao imaginário de Manuel João Vieira, em que os sonhos se misturam com uma cinzenta realidade, e onde seguimos o protagonista numa sucessão de aventuras e desventuras. É uma comédia de costumes, um conto de Natal, e um épico romance.
De tanto em tanto tempo surge uma série tão especial que mudará para sempre a história da televisão.
Esta não é uma delas.”

Os meus sinceros agradecimentos ao João Tordo.

sábado, 22 de novembro de 2008

TÃO PERTO E TÃO LONGE


O senhor coelho e o senhor pato vivem perto um do outro. Cruzam-se a caminho do trabalho e no regresso a casa. Cruzam-se quando vão à praça, quando viajam e quando vão ao parque. Não se conhecem, nem se cumprimentam. “É realmente uma pena… poderiam ser grandes amigos.”

Com texto e ilustração da argentina Natalia Colombo, Perto é uma edição da Kalandraka para o livro contemplado este ano com o 1º Prémio Internacional Compostela para álbuns ilustrados. Um pequeno grande livro. Esperemos que não passe despercebido com o barulho das luzes do Natal.
RECLAMAÇÃO: ORTOGRAFIA E GRAMÁTICA

Numa Livraria Bertrand, hoje de manhã. A senhora põe um papelinho escrito diante da livreira, pousa no balcão o livro que traz na mão e diz, com voz tímida: “Bom dia. O assunto que me traz aqui é grave e delicado.” Prevê-se o pior na fila de espera. Um pedido urgente para ajudar alguém, um comunicado caridoso de alguma nova igreja ou algo mais insólito. Mas não. A senhora reclama porque o livro que comprou numa outra livraria, editado pela Bertrand, está, alegadamente, cheio de “erros ortográficos e gramaticais gravíssimos.” A senhora cora, a timidez ganhou matizes de irritação: “Eu comecei a ler e nem queria acreditar. Apontei os erros todos, estão aqui”, diz, mostrando o papelinho com uma lista de frases e palavras antecedidas pelo número de página. “A Bertrand não se pode dar ao luxo de publicar livros assim. Um livro que custa mais de vinte euros! Eu sinto-me enganada. Nunca mais compro livros da Bertrand, isso de certeza.” A livreira ouve com atenção e, no fim, responde: “Tem toda a razão. Vou dar-lhe um número de telefone para onde pode reclamar.” A senhora desfaz-se em agradecimentos. Até que enfim, alguém que não se limita a sacudir a água do capote. Se chegar a ligar o número – e parece determinada a isso – é que vão começar as verdadeiras dificuldades.

PS – Qual é o livro? Beatriz de Portugal, de Paula Cifuentes. Quem tiver em casa, pode confirmar ou desmentir a reclamação. Mas parece-me escusado.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

SEM RECEITA MÉDICA


O trabalho braçal é um excelente antídoto quer para a imobilidade quer para a inquietação do espírito. Uso regularmente.

RED, HOT AND BLUE


As pohutukahas são também conhecidas, em Portugal e nos seus antípodas, como a “Árvore-de-Natal-da-Nova-Zelândia” (New Zealand Christmas Tree). A explicação está na cor, a lembrar o vermelho do azevinho, razão por que os primeiros colonizadores europeus a elegeram como árvore simbólica da época natalícia. A diferença é que, lá, o Natal é também sinónimo de praia e t-shirts – e diz a tradição que quanto mais intensas na cor e exuberantes forem as flores, melhor vai ser o Verão nesse ano. Por cá, as pohutukahas (palavra que significa “salpicada pelo mar”, em maori) dão pelo nome de metrosíderos. Florescem no nosso Verão e encontram-se facilmente nos jardins botânicos e costeiros. Podem chegar aos vinte metros de altura ou mais. É uma árvore conhecida pela resistência da madeira (do grego síderos, ferro) e pela resiliência aos climas agrestes marítimos. Toda a zona da Foz do Porto até ao Castelo do Queijo está plantada com dezenas de metrosíderos de porte médio; o maior exemplar centenário que me lembro de ver encontra-se na Madeira, Funchal, na Estalagem Casa Velha do Palheiro. Os jardins do início do século XIX são magníficos e não é preciso estar lá hospedado para os conhecer.

NATAL NA NOVA ZELÂNDIA


As pohutukawas estão em flor nos antípodas. Na região costeira de Coromandel, Ilha Norte, o festival dedicado às árvores mais amadas da Nova Zelândia começa hoje. Prevê-se que este ano o Natal seja mais quente do que o habitual. Ai, quem me dera estar aqui.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

PRÉMIO MATILDE ROSA ARAÚJO DE REVELAÇÃO


Na sua 4ª edição desde 2000, o prémio Matilde Rosa Araújo de Revelação na Literatura Infantil e Juvenil, atribuído pela Câmara Municipal de Cascais, foi agora para João Hoffman e Margarida Araújo, autores de A Ilha dos Guardadores de Aranhas. É o primeiro volume da série “A Lenda da Cidadela”, já continuada com O Mistério dos Mantos Negros. Para o início de 2009 está programada a saída de A Aliança das Orquídeas de Bronze, terceiro capítulo de uma aventura em cinco volumes, aposta da QuidNovi.

O REGRESSO DE J.K.


A 4 de Dezembro, chega às livrarias a tradução em português do novo livro de J.K. Rowling pós-Harry Potter. Tenho alguma curiosidade, sem exageros. Fica a informação da Editorial Presença: “Os Contos de Beedle, o Bardo incluem cinco histórias de magia e feitiçaria ligadas a Hermione Granger por Albus Dumbledore, no sétimo e último livro da saga, Harry Potter e os Talismãs da Morte. Apenas uma dessas histórias – O Conto dos Três Irmãos – é citada no livro. As restantes quatro histórias são reveladas pela primeira vez em Os Contos de Beedle, o Bardo.”

AS NOVAS CENTRALIDADES PERDIDAS


Saí de manhã cedo e só há pouco liguei o computador, por isso as notícias dos blogues apanharam-me de surpresa. O post que coloquei ontem à noite parece-me agora uma premonitória coincidência de mau gosto. Há já algum tempo que se falava da precariedade da Byblos, mas, sinceramente, não pensei que este desfecho chegasse tão cedo. O sentimento preponderante é de tristeza e desilusão; e digo isto a partir de um lugar confortável, imaginando apenas vagamente o que estarão a passar os livreiros e outros trabalhadores que hoje tiveram de ler a palavra “encerrado”, como fotografou o José Mário Silva (e, provavelmente, tiveram de ser eles próprios a escrever e a afixar o papel…). A localização, como sabe qualquer pessoa de bom senso, foi o grande calcanhar de Aquiles da Byblos. Por muito boa vontade da florista francesa e da loja de vinhos adjacentes, aquele sítio é um corredor de vento poluído por tubos de escape, a meio de lugar nenhum. Américo Areal estava redondamente enganado quando pensou que poderia, com a Byblos, influenciar “as novas centralidades” de Lisboa, como então me explicou. Mas o problema não foi só esse, claro. No texto que escrevi para a Notícias Magazine (e não, não sou eu a “articulista” citada por Eduardo Pitta), publicado a 16 de Dezembro de 2007, ficou evidente o entusiasmo pelo novo projecto; o resto é informação, sem juízos de valor. Abstive-me apenas de reproduzir a imagem dos “camiõezinhos” cheios de dinheiro da venda da Asa, porque não quis que o homem parecesse um tonto. Outras pessoas não tiveram essas pruridos. O que me incomoda, agora, é ler a conclusão desse texto e perceber que houve aqui algo mais que ultrapassou um entusiasmo pueril e inconsciente:

“Haverá, certamente, entre os 150 mil títulos da Byblos, algum que nos explique as razões do optimismo enquanto visão do mundo. Américo Augusto Areal adianta: «Não nos podemos deixar abater com o que os outros pensam. Este é um conceito diferente, é natural que suscite dúvidas. Pensa que não as tenho? Claro que tenho! Agora, há uma coisa importantíssima: nós temos meios de gestão fantásticos para analisarmos os dados e as estatísticas e mudar o leme quando for preciso. Sem nunca alterarmos o nosso grande objectivo: o livro.»”

Onde estiveram, ao longo de um ano, esses “meios de gestão fantásticos” de que Américo Areal falava com tantas certezas? É isto que me chateia.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

PARADOXO


Um pouco de humor negro nunca fez mal a ninguém.

O HOMEM QUE MATOU SIDÓNIO PAIS


A partir de amanhã nas livrarias, O Homem que Matou Sidónio Pais, um trabalho de investigação do jornalista Paulo Barriga (actual gerente da livraria Vemos, Ouvimos e Lemos, em Serpa), desta vez assinado em parceria com Alberto Franco. É o segundo título publicado pela Guerra & Paz, depois de Terra Vermelha – Crença e Submissão no Alentejo, na continuidade de um género que dá espaço e tempo ao jornalismo, ao arrepio da tendência actual. Surge no momento em que se assinalam 90 anos sobre o assassinato do “Presidente-Rei” Sidónio Pais por José Júlio da Costa, acontecimento que pôs fim a um percurso político tão fulgurante como contestado. Aqui, há histórias dentro da História.

TREAT HER GENTLY


"Treat Her Gently", Lou Rhodes (Beloved One).
Fotografia de Guto Ferreira.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

ALCAMEH ESTÁ DE VOLTA

Competente e completo, o blogue de Maria do Sameiro Pedro (uma das principais dinamizadoras dos encontros "No Branco do Sul as Cores dos Livros") esteve parado nos últimos dois meses, para desgosto dos que querem ter notícias frescas sobre o mundo dos livros para os mais novos. Confesso: apaguei a semana passada o link que vigorava aí na lista dos Blogues ao Sol, resignada com este aparente desaparecimento. Mas eis que, via Blogtailors, descubro que o Alcameh está vivo e recomenda-se no sítio do costume. E leio o programa do Congresso Internacional de Promoção da Leitura, que em Janeiro do próximo ano vai trazer à Gulbenkian nomes como Fernando Savater, Daniel Pennac e Teresa Colomer. Caso para dizer que uma boa notícia nunca vem só.

RAÇAS HUMANAS, 3: MONA LISA BANTO


“Rapariga Banto

O Quénia é um monte de 5,500 metros de altura, em cuja base se estende o território com o seu nome a leste da África equatorial. É habitado pela raça banto e consta de uma colónia e um protectorado inglês. Esta raça tende a extinguir-se.”

PS – A colecção “Raças Humanas” é de 1956, ano da primeira edição da Agência Portuguesa de Revistas. Teve origem em Espanha, na catalã Editorial Bruguera, segundo informações recolhidas por João Manuel Mimoso, autor do site http://www.cromos.com.pt/. Pode matar saudades ou curiosidade sobre esta e outras colecções aqui.

RAÇAS HUMANAS, 2: NEFERTITI NEGRA


A antiga colónia belga da África Equatorial, ex-Zaire e actual República (pouco) Democrática do Congo está neste momento em estado de sítio, com o leste do país sufocado por milhares de deslocados sem comida, água e medicamentos. O filme é o do costume: tropas rebeldes em confronto armado com o exército do governo, no que parece ser o culminar de anos de deriva marcada pelo oportunismo político, violência e corrupção. Um cenário comum a outros países de África, muito diferente do que a colecção “Raças Humanas” permitia perceber. Aqui, o planeta dividia-se entre bárbaros e civilizados, tout court. Os primeiros eram, frequentemente, “cobardes e preguiçosos”, “muito fanáticos”, “sanguinários” e cheios de “instintos maus”, visto que ainda não tinham assimilado “os princípios da civilização”. Os karakrits, no Darfur, podiam mesmo lamentar-se de ter “as mulheres mais feias do continente africano”. Já os segundos eram “muito patriotas” e “apegados a velhos e ancestrais costumes”, exibindo “indivíduos garbosos e prestantes” e mulheres “geralmente muito belas”, por vezes dotadas de “grande sentido artístico” e mesmo de uma “alma imperecível”. E assim corria o mundo, engrenado na sua ordem infalível, como a legenda do cromo acima descreve:

“Preta do Congo Belga

As mulheres que, como esta, adornam o penteado com tiras de couro e flores, são as esposas dos chefes. Estes negros vivem na selva tropical, em pleno Equador, onde a humidade e o calor insuportável tornam a vida difícil ao branco que tente residir ali.”

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

RAÇAS HUMANAS, 1: LOLITA SEVILHANA


“Raças Humanas”, uma colecção de cromos da Agência Portuguesa de Revistas – dos anos 1950, creio – foi um dos highlights da minha infância, chegando por via familiar. Passei horas a olhar para aquelas figuras, estranhando certos pormenores da roupa ou dos adereços, imaginando histórias e casamentos entre eles, e cada detalhe ficou gravado para sempre na minha memória: as orelhas esticadas por brincos da “Mulher Dayak”, as longas tranças da “Rapariga da Guatemala”, o chapéu alto da “Aldeã da Selva Negra”, o sorriso do “Guerreiro Mau-Mau”, o penteado em caracol da “Rapariga de Nepal”, a mão na anca da “Alsaciana em Traje de Festa”, a pose seráfica do “Dignitário Mongol”, o cocar do “Tipo Siux”, os discos redondos nos lábios da “Mulher de Jara-Djingé” (que eu não compreendia como podia ser “uma beleza”). Uma das minhas preferidas era a “Jovem Sevilhana”, que tinha flores no cabelo e um vestido espampanante. Achava-a lindíssima. E depois, o texto:

“A Andaluzia conserva, latentes e vivos, os vestígios da dominação árabe, que instituiu nesta região o seu califado. Com a “Giralda” e a “Torre do Ouro” como fundo, esta bela sevilhana sintetiza na sua imagem, a graça do seu povo, feliz e folgazão.”

Qual é a miúda que, aos seis ou sete anos, não gostaria de ser também assim?

domingo, 16 de novembro de 2008

DOMINGO É DIA DO SENHOR JOHNNY CASH


Lord, I've never lived where churches grow
I loved creation better as it stood
That day you finished it so long ago
And looked upon your work and called it good

I know that others find you in the light
That sifted down through tinted window panes
And yet I seem to feel you near tonight
In this dim, quiet starlight on the plains

I thank you, Lord, that I'm placed so well
That you've made my freedom so complete
That I'm no slave to whistle, clock or bell
Nor weak eyed prisoner of Waller Street

Just let me live my life as I've begun
And give me work that's open to the sky
Make me a partner of the wind and sun
And I won't ask a life that's soft or high

Let me be easy on the man that's down
Let me be square and generous with all
I'm careless sometimes, Lord, when I'm in town
But never let them say I'm mean or small

Make me as big and open as the plains
And honest as the horse between my knees
Clean as a wind that blows behind the rains
Free as the hawk that circles down the breeze

(…)

A versão integral e canónica de Oh, Bury Me Not, por Johnny Cash (do álbum American Recordings), pode ser ouvida aqui. Para espíritos subversivos, recomenda-se também a audição da versão pagã, pelos inimitáveis The Residents. Aqui.

sábado, 15 de novembro de 2008

TIPOGRAFIA LILLIPUTIANA


Ao que se sabe, é uma colecção única no mundo: “Miniaturas Tipográficas”, agora parte integrante do espólio do Museu Nacional da Imprensa, é obra de um homem só, Américo da Silveira. Tipógrafo, antigo aluno das Oficinas S. José, no Porto, foi mestre em várias escolas técnicas e chefe de tipografia em empresas de Portugal e Angola. Ao longo de 40 anos, dedicou-se a construir miniaturas da imensa maquinaria que compõe a história da imprensa, desde Gutenberg até à actualidade. No total, são cerca de 150 peças lilliputianas que remetem para o fascínio que há entre o muito grande e muito pequeno; a faculdade da imaginação em “libertar-nos das imagens primeiras, de mudar as imagens”, como escreve Bachelard no início de O Ar e os Sonhos. Reduzir o gigantismo do mundo a um microcosmos ordenado é uma tentação comum. Américo da Silveira conseguiu dar-lhe esta forma.

Para ver a partir de hoje, incluindo aos domingos e feriados, das 15h00 às 20h00. O Museu Nacional da Imprensa está perto da Ponte do Freixo e da Estação CP/Metro de Campanhã, no Porto.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

PORQUÊ WINNIE-THE-POOH?


Uma das minhas compras na Hodges Figgis foi Why Not Catch 21?, de Gary Dexter (ed. Francis Lincoln Limited, 2007), um inventário curioso das razões mais ou menos prováveis que estão por trás da escolha de um título. Catch 22 (Artigo 22, na tradução portuguesa) esteve para ser Catch 18, mas uns meses antes da publicação saiu um livro chamado Mila 18, também passado na Segunda Guerra Mundial, e Joseph Heller viu-se obrigado a alterar o título. “Partiu-me o coração. Achava que 18 era o único número”, disse mais tarde, numa entrevista à Playboy. Houve mudanças que vieram por bem: ninguém acredita que O Carteiro Toca Sempre Duas Vezes, um dos títulos mais parafraseados da História, tivesse na sua génese um anódino Bar-B-Q, que constituiu uma embirração inultrapassável para o editor de James M. Cain – felizmente para ele. Há casos em que a escolha do autor se deve mais às suas obsessões, sempre aleatórias (“A personagem de Ulisses fascinou-me desde rapaz”, escreveu Joyce), e outros em que as circunstâncias tiveram o seu peso. Quando Mary Godwin e Percy Shelley viajaram pela Europa, em 1814, encontraram, semi-arruinado, o Castelo Frankenstein, outrora morada de um alquimista expulso da Universidade de Estrasburgo por profanação e roubo de cadáveres. É uma possibilidade. Se há títulos sobre os quais surgem explicações plausíveis – como Moby Dick, inspirado numa baleia de carne e osso que fez notícia na imprensa, Mocha Dick –, outros fecham-se num enigma sem resolução à vista. À Espera de Godot é o que “convida ao maior desespero de todos”, diz o autor de Why Not Catch 21? Quanto a Winnie-the-Pooh, o clássico de A. A. Milne, foi também uma questão que perseguiu o escritor, ao ponto de este achar que quando uma crítica começava por interrogar o nome da personagem, só poderia ser má. Hipótese um: Winnie era o nome de um urso (ou melhor, uma ursa) que então vivia no Zoo de Londres. Hipótese dois: o filho de A. A. Milne, Christopher Robin, tinha uma espécie de cisne de estimação a que chamava “Pooh”, e que também poderá ter estado na origem do nome. Quem sabe? Logo no primeiro capítulo, o próprio autor não parece disposto a resvalar em conclusões:

“É Joanica-e-Puff. Não sabe o que quer dizer e?”
“Ah, sim, agora já sei”, disse eu muito depressa; e espero que vocês também, porque não vão receber mais nenhuma explicação.”

Agora, porquê a tradução em português de Winnie-the-Pooh para Joanica-Puff, também nós gostávamos de saber…
(ilustração de E. H. Shepard para a edição de Joanica-Puff, Editorial Minotauro)

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

VÍCIOS E VIRTUDES DO ALFABETO


“Se ao menos a vida fosse tão arrumada como um livro do alfabeto”. Começa assim o artigo de Becca Zerkin sobre recentes edições de livros ilustrados que utilizam o alfabeto como base de uma comunicação cognitiva e artística. Lembro, a propósito, a recolha que foi publicada no blogue da Bruaá. Um dos livros citados no NYT – pelo lado menos arrumado da vida – é The Dangerous Alphabet, de Neil Gaiman e Gris Grimley. “Divertido, assustador e confuso ao mesmo tempo”, diz a crítica. Recupero aqui o texto que saiu na secção Leituras Miúdas da LER nº 73:

The Dangerous Alphabet
Neil Gaiman
Ilustrações de Gris Grimly
Harper Collins

Atenção: o título deste livro deve ser levado à letra. Partindo de uma estrutura conhecida – a sequência do alfabeto –, conduz-nos por caminhos tortuosos onde nem as palavras são de fiar. Não é, com certeza, um livro para as crianças pequenas aprenderem a ler… The Dangerous Alphabet deve mais aos jogos perversos e ao humor negro de Edward Gorey, o autor de The Gashlycrumb Tinies (que começa com «A is for Amy who fell down the stairs»), do que às brincadeiras nonsense do Dr. Seuss e On Beyond Zebra. Neil Gaiman mergulha na sua obsessão pelos mundos paralelos, arrastando dois pequenos heróis, presumivelmente irmãos, e a sua gazela de estimação para uma aventura nos esgotos subterrâneos da cidade. Inevitavelmente, vêm à memória os cenários neo-góticos de Neverwhere – Na Terra do Nada (Presença, 2005). A galeria de personagens desenhadas por Gris Grimly, algures entre o freak show e o inferno de Dante, é prova do enorme poder da ilustração e da arte narrativa que é possível atingir quando se junta uma dupla de génio.

LIVROS PARA CRIANÇAS NO NEW YORK TIMES

O suplemento literário do New York Times de 9 de Novembro inclui 28 páginas dedicadas aos livros para crianças. A não perder.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

MAIS BIBLIOTECAS NA NOVA ZELÂNDIA


Tenho uma reacção do tipo pavloviano quando ouço as palavras "Nova Zelândia". Um dia explico aqui porquê. Hoje de manhã, na primeira volta dos blogues, encontrei isto na LER. Pouco faltou para começar logo a salivar. Não conheço a biblioteca de Blenheim, mas posso garantir na sua homónima em New Plymouth (ilha Norte) encontrei também qualquer coisa que me chamou a atenção. Conseguem ler?

EXERCÍCIO Nº 1: MORDER O CORAÇÃO


A cadeira de Ilustração do curso de Pós-Graduação em Livro Infantil, que abriu este ano na Universidade Católica Portuguesa, é dada pela Danuta Wojciechowska. Dispensa apresentações, como se costuma dizer. No outro dia, pediu-nos que imaginássemos uma história em poucas páginas, pondo os materiais, os cortes e as texturas a falar no lugar das palavras. Escolhi cartolina vermelha e preta, papel reciclado, papel de embrulhar flores a imitar raízes e uma folha de acetato transparente, entre outras coisas. Foi a primeira vez que fiz um livro do princípio ao fim, enquanto me lembrava do poema do Herberto Helder:

No deserto,
vi uma criatura nua, brutal,
que de cócoras na terra
tinha o seu próprio coração
nas mãos, e comia…
Disse-lhe: “É bom, amigo?”
“É amargo – respondeu –,
amargo, mas gosto
porque é amargo
e porque é o meu coração.

(As Magias, ed. Assírio & Alvim)

O REGRESSO DE VOLTAIRE

O Cadeirão Voltaire - blogue sobre livros e não só da Sara Figueiredo Costa - mudou-se para uma nova sala. Os leitores fiéis podem agora encontrá-la aqui.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

JARDIM BOTÂNICO: 130 ANOS E UM LIVRO


O Jardim Botânico da Universidade de Lisboa faz hoje 130 anos. Não há dinheiro para grandes festas nem inaugurações, já se sabe. Mesmo os projectos de requalificação, que nos últimos meses envolveram alguns dos melhores ateliers de arquitectura de Lisboa, correm o risco de ficar no papel se não houver mecenas para dispensar os fundos necessários. Estamos a falar da recuperação de toda a zona urbana envolvente, desde o Príncipe Real até à Avenida da Liberdade, e não apenas do jardim em si mesmo. Vamos ver o que acontece, até porque as eleições estão à porta... Para já, é hora de dar os parabéns a um dos lugares mais bonitos de Lisboa e ver com curiosidade o livro a ser lançado hoje, o primeiro de uma colecção de bolso que pretende facilitar a orientação do visitante: Jardim Botânico – Flores, com texto de Irineia Melo e fotografias de José Cardoso. A apresentação está a cargo de Fernando Catarino, que já não é director mas continua um mestre na arte de comunicar. Os Amigos do Botânico contam mais pormenores.

UMA COISA SIMPLES, PARA VARIAR


Tenho cartão de leitor Bertrand, mas ontem não pude usufruir do desconto de 20 por cento das segundas segundas-feiras do mês, porque não tive tempo de sair. Também tenho cartão Fnac, mas cada vez me apetece menos ir à Fnac, pelas razões que muita gente partilha e também porque embirro com aquele truque de obrigarem uma pessoa a voltar dia após dia, se quiser acumular mais três pontos. Por que é que as coisas não funcionam de outra maneira? Em Dublin, a livraria Hodges Figgis deu-me um desconto imediato de 20 euros, numa conta que trouxe alguma angústia momentânea no momento de encaixar o total: 184 euros e 64 cêntimos (glup). O sistema é simples: cada 10 euros em compras dá direito a um carimbo no cartão preenchido naquele momento, o Hodges Figgis Loyalty Card. Ainda tentei argumentar: “Mas eu não vivo em Dublin.” “Não faz mal”, respondeu o livreiro. “Mas eu não sei quando vou voltar cá”, insisti. “Não há problema.” E pôs mais um carimbo no cartão. Fiz um sorriso satisfeito, paguei e fui embora com os meus sacos. Os vinte euros deram para mais umas quatro ou cinco pints de Smithwick’s.

OLD KING


"Old King", Neil Young (Harvest Moon).
Fotografia de Guto Ferreira.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

ESTAMOS NA LISTA

Olha, olha: Não Quero Usar Óculos está na longlist para Melhor Capa Infanto-Juvenil dos Prémios LER/Booktailors. É conferir aqui no lado direito. A ideia para a capa deve-se inteiramente ao André Letria. Não desfazendo no trabalho do Júlio Vanzeler para O gato e a Rainha Só, devo dizer que gostei muito. O que faz uma pessoa numa altura destas? Agradece, claro. E fica genuinamente contente por ser segunda-feira e o mundo regressar ao normal.

PS - Já o termo "infanto-juvenil" não é muito do meu agrado. Lembra-me infantes e pajens vestidos de collants, a saltitar em jardins de castelos medievais. Mas pronto, é o vocabulário que temos. E como dizia o outro na defunta Kapa, uma pessoa tem de se governar "com o cacá."

CADERNO PRETO Nº 13


No Verão de 2001 comecei a escrever nestes cadernos, porque não havia muito mais que pudesse fazer. No princípio eram só palavras torrenciais, desfeitas pelo esforço de continuar à superfície. Anotava os sonhos como se fossem guiões para a vida real e observava-me ao longe, enquanto os dias passavam em reprise. Demorou algum tempo até que as linhas quadriculadas fossem capazes de sustentar outros nomes e outros lugares; e também personagens imaginárias, diálogos inventados, ideias para trabalhos, títulos para artigos por escrever. De cada vez que começava um novo caderno, começava uma possibilidade de provocação da realidade. Por isso lhes dei títulos, seguindo uma lógica pessoal e momentânea: “Go West”, “Agosto e tudo o que veio depois”, “The Road Not Taken”, “A Casa dos Gatos”, “Homeland”, “Ossos e Vento”, “O Regresso de Ianes” e outros. São doze cadernos de capa preta e lombada de tecido azul, com os cantos desgastados pelo uso e o fundo branco um pouco sujo. Amigos que envelhecem comigo, sem segredos nem julgamentos morais.

ONDE OS REGRESSOS SE CRUZAM


A ser verdade que não devemos voltar aos sítios onde fomos felizes, também o contrário deve estar certo. Voltar aos sítios onde fomos infelizes será necessário para encontrar o que perdemos na primeira vez? Imagino o ponto onde esses caminhos se cruzam como o único lugar onde realmente importa estar. Um sofá no meio do deserto, nada nem ninguém à volta, o ar repassado de silêncio e a consciência de estar vivo ali, respirando com o tempo.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

É PREFERÍVEL NÃO VIAJAR COM UM HOMEM MORTO


If the doors of perception were cleansed
Everything would appear to man as it is... infinite
For man has closed himself up
Till he sees all things through narrow chinks of his cavern

William Blake

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

ENTRE OS DEDOS, QUASE NADA


Gosto de filmes de terror, desde que não incluam cenas de tortura física – a figuração do Mal em estado bruto, insuportável sob qualquer ponto de vista. Gostei da primeira longa-metragem de Tiago Guedes e Frederico Serra, Coisa Ruim, porque é um filme de terror atípico, tal como Dead Man (Homem Morto), de Jim Jarmusch, é um western atípico. Em Entre os Dedos, o segundo filme da dupla, também com argumento de Rodrigo Guedes de Carvalho, houve duas coisas que me impressionaram, para além do soberbo trabalho de actores: o silêncio absoluto das personagens representadas por crianças, que diz mais sobre a opressão que cerca qualquer hipótese de família; e o final do filme, sem nada de frouxo, ao contrário da forma como termina Coisa Ruim. Quando Paulo (Filipe Duarte) caminha ao encontro de Lúcia (Isabel Abreu) para regressarem juntos a casa, no território inóspito e terrível dos nossos subúrbios, é toda uma vitória contra o desprezo que se anuncia. Num casamento, o desprezo é o inimigo mais implacável que se pode afrontar, pior do que a própria a luta pela sobrevivência. Por momentos, desejamos que Paulo e Lúcia acabem por dar as mãos, subindo juntos a ladeira, mas isso seria enveredar pelo conforto da mentira. Uma vez instalada, essa coisa ruim não se vence assim tão facilmente. Desafiar o desprezo já é um acto maior de coragem.
COMUNIDADE DE LEITORES DE BANDA DESENHADA

O Cadeirão da Sara Figueiredo Costa é tão apetecível que um bicho informático qualquer resolveu ocupá-lo desde segunda-feira, mandando no que não é dele. Não está certo. A interrupção levou a Sara a enviar um email colectivo, solicitando a divulgação da Comunidade de Leitores de Banda Desenhada que começa já no próximo sábado. Aqui fica a informação retirada do site da Bedeteca:

O Grupo de Leitores de Banda Desenhada (GLBD) é uma actividade da Bedeteca de Lisboa, concebida em colaboração com Sara Figueiredo Costa e Pedro Moura, tendo sido este último o moderador das sessões anteriores. Neste novo ciclo será Sara Figueiredo Costa a moderar. O objectivo principal deste GLBD é a partilha das leituras de um conjunto de títulos de banda desenhada. Este conjunto está seleccionado e será apresentado pelo moderador na primeira sessão, assim como a sua justificação e a metodologia de trabalho a seguir. A metodologia geral prevê a leitura de cada título antes da sessão correspondente, na qual será facultado apoio documental. Leitura entre pares, alargar os horizontes de leitura, aprender mais sobre o universo da bd são os objectivos desta iniciativa. As sessões decorrerão no auditório da Bedeteca de Lisboa, às 16h30, de 15 em 15 dias, a realizar a primeira sessão no Sábado de dia 8 de Novembro. Nesta sessão será apresentada e discutida a lista de livros para selecção.

Estão abertas novas inscrições, para pessoas a partir dos 16 anos, sem qualquer outro tipo de limitação. Poderão ser feitas através de telefone (21 853 66 76), contactando-se Marcos Farrajota ou Ana Júdice, ou o email bedeteca@cm-lisboa.pt.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

A GOOD MAN IS HARD TO FIND


"A Good Man Is Hard To Find (Pittsburgh)", Bruce Springsteen (Tracks).
Fotografia de Guto Ferreira.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

UNS ÓCULOS PARA SARAH PALIN


A senhora Sarah Palin está a precisar de mudar de óculos. É um caso difícil, já que sofre de miopia mental galopante desde muito cedo. Alguns sintomas: faz pontaria aos alvos errados, confunde criacionismo com criação (de peixes de aquário, por exemplo) e entra sem querer em igrejas onde se praticam exorcismos instantâneos, quando o que ela só queria era ir ao supermercado comprar massa de panquecas. Especialmente desenhado para ela (clique na imagem para aumentar), este novo modelo made in Portugal, modelo Instant Afro, talvez a ajude a ver as coisas de outra maneira. Se o Kazuo Kawasaki quiser, podemos negociar. O meu contacto está ali ao lado.

O SR. NADA DE NOVO E O SR. MAIS DO MESMO


Aconteça o que acontecer amanhã, pelo menos destes já nos safámos.

LIVROS COM RUÍDO DE FUNDO


Confirma-se aquilo que o José Mário Silva já tinha dito no Bibliotecário de Babel a seguir à inauguração da FNAC Vasco da Gama: o espaço para a apresentação de livros e outros eventos culturais é abaixo de cão. Entalado entre o bar e a área de livros para crianças, é um desafio à paciência auditiva de qualquer um. Além dos spots irritantes do género “tire o cartão FNAC e ganhe dez euros”, uma pessoa tem de levar com o barulho das chávenas e o ruído de fundo espontâneo da miudagem, resultando em sobreposições do género “este é um livro em que…”/“… mamã, anda cá!”/“… as personagens femininas são todas muito…”/“olha a ovelhinha! Méééé! Méééé!”

Claro que os miúdos e pais têm todo o direito de usufruir do espaço – cada vez mais limitado, aliás – que lhes foi destinado. Os escritores e respectivos convidados não têm de tirar cursos de projecção de voz. E o público assistente não tem de levar aparelhos Sonotone. A culpa é exclusivamente de quem pensou este sítio como mais um supermercado onde, já agora, também se vendem livros. Perguntei por um e não havia. A mocinha que me atendeu estava a leste do paraíso quanto ao autor e título. “Mas sabe quando vai estar disponível?”, insisti, frente ao computador. “Não sei, talvez tênhamos (sic) para a semana.” “Como?” “Talvez póssamos (sic) ter para a semana.” “Ah, ok.”

Só mesmo por amizade e solidariedade com a “causa literária” é que se aguenta isto. Mas o essencial é: parabéns, João! E agora vou ler As 3 Vidas.