terça-feira, 31 de março de 2009

LIVROS PORTUGUESES EM BOLONHA



O ano passado, foram 13 os ilustradores portugueses em destaque na Feira do Livro Infantil de Bolonha, reunidos numa exposição intitulada “Ilustrações.pt”. Este foi o segundo ano em que a Direcção-Geral do Livro e das Bibliotecas (DGLB) esteve ali representada com um stand, um investimento que “faz toda a diferença na promoção e divulgação dos autores portugueses, sejam escritores ou ilustradores”. O feed-back foi-nos dado por Ana Castro e Assunção Mendonça, as duas responsáveis pelo Sector Internacional da DGLB, que ao longo dos quatro dias do evento estiveram sempre disponíveis para falar das dezenas de livros em amostra no escaparate, traduzindo-os para outras línguas – au moment – sempre que editores estrangeiros se mostravam interessados ou apresentando a publicação em inglês produzida para a feira, Portuguese Children’s Books.

A selecção dos livros presentes abrangeu edições de 2008, por isso o Não Quero Usar Óculos também lá esteve (e posso dizer que a capa do André Letria chamou a atenção…). Foram feitos muitos contactos para possíveis vendas de direitos – por parte da França e da Coreia do Sul, nomeadamente – e em breve as editoras portuguesas vão receber uma lista dos eventuais interessados.

Isto é a notícia. Mas como este é um blogue pessoal (que também dá notícias), quero agradecer aqui à Ana e à Assunção pela eficácia, disponibilidade e simpatia que demonstraram. Gostei muito de as conhecer em Bolonha. Pertencem àquele género de pessoas que reagem a elogios com um sorriso e um encolher de ombros, e dizem só: “Ah! É o nosso trabalho.” Pois é. Quem leva a sério o que faz costuma responder assim.

segunda-feira, 30 de março de 2009

NOS 80 ANOS DA FABER


Uma das preciosidades com direitos à venda na última Feira do Livro Infantil de Bolonha foi a nova edição de Old Possum’s Book of Practical Cats, o livro de poemas de T.S. Eliot sobre gatos, originalmente publicado pela Faber em 1939. Inserida nas comemorações do 80º aniversário da editora, anuncia-se a publicação para Setembro de 2009, agora com ilustrações de Alex Scheffler, o mesmo de O Grufalão. Olhem só que delícia.

sábado, 28 de março de 2009

NO REGRESSO DE BOLONHA


Ainda a desfazer as malas e a tentar pôr os assuntos em dia, fica a promessa (para breve) de mais notícias e comentários sobre a Feira do Livro Infantil de Bolonha que - posso já dizer - adorei!

sexta-feira, 20 de março de 2009

CITY-BREAKS: BOLONHA


Tudo a postos para uma estreia absoluta na Feira do Livro Infantil de Bolonha. Se as condições atmosféricas tecnológicas assim o permitirem, darei notícias via Blogtailors. O Jardim Assombrado vai estar em pousio até 27 de Março, ou seja, durante uma semana. Até breve!

Fotografia de Alessandro Salomoni.

POE: POESIA COMPLETA


Mais uma edição imperdível da Tinta-da-China: Edgar Allan Poe – Obra Poética Completa, com tradução de Margarida Vale de Gato e ilustrações de Filipe Abranches. O lançamento está marcado para a próxima quarta-feira, 25 de Março, às 18h30, na FNAC Chiado.


MAY YOUR PATH BE YOUR OWN


Delicadeza e rugosidade: as duas palavras que me ocorrem para definir Dream of Life, o filme de Steven Sebring sobre Patti Smith – ou melhor, o filme de Patti Smith sobre todas as pessoas, vivas e mortas, que compõem o seu mundo precioso. Patti a tocar numa velha Gibson com um Sam Shepard desdentado. Patti com os pais, já idosos, numa casa modesta rodeada de árvores e esquilos. Patti com os membros da banda e amigos como Michael Stipe e Philip Glass. Patti aplaudida por milhares de pessoas, a cantar, a dizer poesia ou a gritar contra George Bush. Patti com os dois filhos e os seus mortos, os mortos que dão sentido à frase “toda a gente traz um cadáver amarrado ao pulso”: Robert Mapplethorpe e Fred “Sonic” Smith, companheiros de guerra; o irmão, com quem tinha uma ligação profunda; Burroughs, Blake, Rimbaud e todos os que evocam a espiritualidade da arte e vivem agora à volta dela, como gatos passeando-se pelas redondezas de um jardim. É talvez isso que mais impressiona: como se pode viver rodeado de perdas terríveis e, ainda assim, não perder a inteireza e a integridade. Amo esta mulher, de verdade que amo.

Fotografia de Robert Mapplethorpe para a capa de Horses.

BAD WOMAN BLUES


"Bad Woman Blues", Spain (She Haunts My Dreams).
Fotografia de Guto Ferreira.

PRIMAVERA COMILONA


A Primavera chegou mais cedo. A imagem que hoje abre o Google é uma homenagem ao clássico de Eric Carle, The Very Hungry Caterpillar (1969), a festejar agora 40 anos. Foi editado em português pela Kalandraka, com o título A Lagartinha Muito Comilona, em 2007. Já agora, lembramos o artigo sobre Eric Carle que saiu recentemente no The Guardian, aqui e aqui. Para aceder à página oficial do autor pode clicar aqui.

quinta-feira, 19 de março de 2009

PAI HERÓI, 1


“O meu pai é óptimo.
O meu pai não tem medo de NADA… nem sequer do Lobo Mau.
Ele é capaz de saltar por cima da Lua e de andar na corda bamba (sem cair).
Ele era capaz de lutar com gigantes ou de ganhar facilmente a corrida dos pais no dia dos desportos.
O meu pai é óptimo.
O meu pai é capaz de comer como um cavalo e de nadar como um peixe.
Ele é forte como um gorila e alegre como um hipopótamo.
O meu pai é óptimo.
O meu pai é tão grande como uma casa e tão fofo como o meu ursinho de peluche.
Às vezes parece que sabe tudo, outras vezes nem por isso.
O meu pai é óptimo.
O meu pai é um grande dançarino e um brilhante cantor.
É fantástico no futebol e faz-me rir. Muito.
Eu adoro o meu pai.
E sabem que mais?
O MEU PAI ADORA-ME!
(E vai adorar-me sempre!)”

O Meu Pai, Anthony Browne, ed. Caminho, 2008

PAI HERÓI, 2


“Esta é uma obra de cariz fotobiográfico e documental sobre a figura ímpar de Aristides de Sousa Mendes, a sua vida e o sublime acto de humanismo que protagonizou em 1940 salvando mais de 30 000 pessoas da perseguição nazi. Exibir imagens que ilustram a caminhada pessoal de um homem íntegro e que também comprovam a carreira de um diplomata exemplar, repor a legítima verdade com o auxílio rigoroso de documentos oficiais provenientes do Arquivo Histórico Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros são os elementos que constituíram o propósito da elaboração do livro. E contra factos não há indubitavelmente argumentos. O comportamento reprovável e iníquo que o Antigo Regime reservou à figura de Aristides de Sousa Mendes, após esta edição, ficará sem defesa.”

Aristides de Sousa Mendes – Um justo contra a corrente, Miriam Assor, ed. Guerra & Paz, 2009 (nas livrarias a partir de hoje)

quarta-feira, 18 de março de 2009

LEITURAS DE VIAGEM


Resistindo à tentação de levar mais livros do que aqueles que vou conseguir ler, a selecção vai ser espartana, tendo em conta que tenciono fazer compras, estar com as pessoas e aproveitar ao máximo a Feira do Livro Infantil de Bolonha (e ainda dar um salto a Ferrara e Veneza, que estão ali a dois passos de comboio). O critério é simples: um livro de ensaio e outro de ficção, para adequar ao estado de espírito e às circunstâncias. No primeiro caso, vou ler, finalmente, A Infância é um Território Desconhecido, da Helena Vasconcelos (Quetzal). No segundo, uma leitura de trabalho-barra-entretenimento: o primeiro volume de Century (Quidnovi), que por acaso é de um autor italiano, Pierdomenico Baccalario (n. 1974). Confesso que não sou aficionada das sagas fantásticas, mas há aqui qualquer coisa que me atrai:

“Quatro amigos, quatro cidades do mundo, quatro elementos da Natureza e mistérios muito antigos que os unem a todos. Conseguirão Electra, Sheng, Mistral e Harvey resolver os enigmas,
apesar das forças negras que se lhes opõem, e salvar o planeta?
Para isso, terão de aceitar o desafio de Century.

Desta vez o desafio começará em Roma, a cidade do Fogo, e os escolhidos são a italiana Electra, o japonês Sheng, a francesa Mistral e o americano Harvey. Até há pouco tempo não se conheciam, agora encontram-se debaixo do mesmo tecto, num hotelzinho em Roma, e descobrem que têm algo em comum: todos nasceram no mesmo dia - 29 de Fevereiro! Como se não bastasse essa estranha coincidência, quando saem do hotel às escondidas, na noite de 29 de Dezembro, para irem explorar a cidade coberta de neve, são seguidos por um estranho homem que lhes entrega uma mala e desaparece.”

ANJOS DE CARA SUJA


Outra ausência inevitável durante a semana de Bolonha: o lançamento do livro da minha querida Helena Vasconcelos – A Infância é um Território Desconhecido –, que acontece no dia 24 de Março, às 18h30, na Livraria Bertrand do Chiado, com apresentação de Inês Pedrosa. Espera-se grande afluência de membros da Comunidade de Leitores da Culturgest. O livro vai na bagagem.

O ILUSTRADOR ILUSTRADO


Durante a semana em que decorre a Feira do Livro Infantil de Bolonha, eis uma daquelas coisas que vou ter pena de perder: “O Ilustrador Ilustrado”, um debate promovido pelo Instituto Cervantes de Lisboa, no dia 26 de Março, quinta-feira, às 18h30. Em síntese: “Dois ilustradores, Teresa Lima [Prémio Nacional de Ilustração 1998 e 2006] e Roger Olmos, vão falar sobre a sua profissão, desenvolvida em Portugal e em Espanha respectivamente, da importância dos seus trabalhos neste género e da forma como as histórias os inspiram. Um escritor, José Campanari, falará sobre a sua experiência como escritor e narrador de histórias e da sua interacção, ou não, com o ilustrador.”

terça-feira, 17 de março de 2009

CAMINHOS DA INFÂNCIA


Numa aula do curso de Pós-Graduação em Livro Infantil, um contador de histórias quis saber qual era a primeira recordação de infância, pergunta que achei impossível de responder. Que idade tínhamos quando o enorme gafanhoto verde pousou na perna e fixou a imagem da monstruosidade? Que dia era aquele em que colámos o olhar ao musgo e nos pareceu ver um vasto bosque pré-histórico? O cheiro do peixe frito da véspera no armário da cozinha parte exactamente de quando? Não faço a mínima ideia. A infância é uma espécie de tempo mítico e, como tal, não tem princípio nem fim. Não é uma sucessão de acontecimentos assinaláveis no calendário; é antes um chamamento permanente, abismo e claridade, um eco a ressoar no escuro. É isso que também diz uma entrevista memorável de José Tolentino de Mendonça a Tonino Guerra (saiu na Pública, em 2002), cujo título era este: “Um artista tem sempre os olhos na sua infância”. Com Tonino Guerra respondo ao desafio lançado pela Tânia Raposo, que me convidou a procurar um poema que evocasse uma recordação. Ou vice-versa. Não sei se ela vai responder, mas gostava que a Mónica Marques fizesse o mesmo. Ou algo parecido.


Onde vais?

A primeira palavra que ouvi
na minha vida
foi “onde vais?”
Num aposento sentados
em sacos de milho
eu e a minha mãe.

Tinha apenas um ano
e não sabia ainda
o que eram as palavras
e onde me poderiam levar.

Tonino Guerra, Histórias Para Uma Noite de Calmaria, ed. Assírio & Alvim, 2002.

(A fotografia acima é da autoria do jardineiro convidado do blogue, que anda a treinar canteiros fotográficos panorâmicos.)

AMANHÃ NA BIBLIOTECA NACIONAL


Lídia Jorge é a convidada do programa Livros/Leituras/Autores, uma iniciativa da Biblioteca Nacional e da Direcção-Geral do Livro e das Bibliotecas. A escritora, recentemente distinguida com o prémio Charles Bisset 2008, atribuído pela Associação Francesa de Psiquiatria (a pretexto do romance Combateremos a Sombra), vai estar acompanhada na sua apresentação por Ana Paula Ferreira e Fernando Pinto do Amaral. Os actores João d’Ávila e Maria José Pascoal conduzirão a leitura de textos. Amanhã, às 17h30, no Auditório da Biblioteca Nacional. Entrada livre.

AMANHÃ NA CASA FERNANDO PESSOA


A Edição de Livros e a Gestão Estratégica, de José Afonso Furtado, tem lançamento oficial marcado para amanhã, na Casa Fernando Pessoa, às 18h30. A apresentação será feita por Vasco Teixeira, da Porto Editora. Parabéns aos Booktailors, agora também a agitar as águas no capítulo da edição.

segunda-feira, 16 de março de 2009

ROCK E LITERATURA, 5


Isto promete. Nos dias 6, 7 e 8 de Abril, a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa vai estar ocupada com o ciclo de debates «Poéticas do Rock em Portugal – Perspectivas críticas de uma literatura menor». O programa é enorme e inclui, além das comunicações e mesas-redondas, um ciclo de cinema na Cinemateca Portuguesa, concertos no Cabaret Maxime e uma exposição intitulada “No Tempo do Gira-Discos: Um Percurso pela Produção Fonográfica Portuguesa 1960-1980)”, a decorrer na própria universidade a partir de 31 de Março. Entre as muitas comunicações propostas, algumas abrem-nos especial apetite. Por exemplo:

- “Na pandra bomba ainda jinga a hidra samba – A revolução sintáctica dos Mler Ife Dada”, por Gonçalo Zagalo e João Diogo Zagalo (6 de Abril);
- “Mão Morta e Maldoror ou os Cantos do Recreio em Poema”, por Raquel Guerra (7 de Abril);
- “Os anos 80 e as tribos musicais do Rock Rendez-Vous”, por Rita Bénis;
- “A Glória será não esquecer. O acontecimento português num devir – Joy Division”, por António Alías (7 de Abril);
- “A intervenção divina no Rock Português – Um caminho do punk à poesia”, por Luís Filipe Cristóvão (8 de Abril);
- “As Letras como Poesia”, por Vitorino Almeida Ventura (8 de Abril).

A imagem acima reproduz a capa do livro The Velvet Underground, uma investigação do jornalista Michael Leigh, publicada em 1963, que desenterrou algumas das práticas sexuais tidas como desviantes na sociedade norte-americana. Não fez história, mas deu nome a uma das melhores bandas de sempre, fundada pouco tempo depois por Lou Reed e John Cale. Cá está o primeiro homem numa interpretação a solo de "Venus in Furs".

sábado, 14 de março de 2009

sexta-feira, 13 de março de 2009

MUITO EM BREVE


OS QUE FICAM

Eu não conheci o João Mesquita. Troquei umas palavras com ele o ano passado, num encontro de freelancers promovido pelo Sindicato dos Jornalistas, onde alguém me chamou “jornalista da velha guarda”, a propósito já não sei de quê. “Mas eu só tenho 39 anos”, contestei, ao que a mesma pessoa anuiu, indiferente à minha estupefacção: “Pois… Da velha guarda”. Ok. Não me aborrece nada ser considerada “da velha guarda”, muito pelo contrário, mas há algo de inquietante quando um jornalista de vinte e tal ou trinta anos faz esse juízo tão desmemoriado. O João Mesquita, sim, era da velha guarda. Ele e o Torcato Sepúlveda, o Rodrigues da Silva e, a seu modo, a Tereza Coelho, para lembrar algumas pessoas que desapareceram há pouco e deixaram o jornalismo ainda mais pobre do que está. Também eu gostava de lhes prestar homenagem, dizer aqui qualquer coisa de sentido, de verdadeiro, como sempre vejo noutros blogues. Mas não posso, porque não tive a sorte de trabalhar com eles, de almoçar com eles, de tomar café com eles no corredor de um jornal. Essa é a única mágoa que tenho de ser freelancer: paga-se muito caro o preço do individualismo. Quando alguém como o João Mesquita desaparece, desaparece mais um pouco dessa ilusão já antiga: que um dia ainda vou ter a sorte de aprender com os da velha guarda.

GOIN’ BACK


O mais perto que alguma vez consegui estar do Neil Young foi isto (Auckland, NZ, Dezembro de 2004).

LONG MAY YOU RUN


Não foi o Ricardo Gross que se adiantou. Eu é que me atrasei. Não me passou ao lado a última MOJO, que faz capa com Nick Cave e traz um CD de homenagem, mas confesso que ainda só tive tempo de ouvir o disco e ver os bonecos. Espero pôr em dia a leitura das revistas ainda antes do Verão… Também este mês, mas na Uncut, há um especial com outro grande homem da minha vida: Neil Young. Impossível decidir, tanto mais que revistas + CDs só custam 7,50 euros cada. Fico com os dois.

AS LETRAS COMO POESIA


Enquanto se espera pelo encontro “Poéticas do Rock em Portugal – Perspectivas Críticas de uma Literatura Menor” (dias 6 e 8 de Abril na Faculdade de Letras de Lisboa), fica a notícia do lançamento do livro As Letras Como Poesia, um ensaio de Vitorino Almeida Ventura (quem se lembra dos U Nu?) sobre o melhor das palavras no pop/rock em Portugal. António Avelar de Pinho e a Banda do Casaco, JP Simões e os Belle Chase Hotel, Adolfo Luxúria Canibal e os Mão Morta, Regina Guimarães e as Três Tristes Tigres, e outros mais. Acontece amanhã, às 17h00, no Clube Literário do Porto (Rua Nova da Alfândega, 22). As Letras Como Poesia é uma edição da Afrontamento.

quinta-feira, 12 de março de 2009

ORTOPEDIA


Eu não sei falar sobre poesia, só sei calar-me sobre a poesia. Também me lembro dos sapatos ortopédicos.

Recreio

Caruma, raízes escuras, manchas
de luz entre as árvores. Enquanto
ali estávamos o colégio era um
vulto branco a arder ao sol,
lugar de gramática e geografia,
salas onde a voz do ditado
ecoava e a que nem sempre
queríamos regressar. Às vezes
a tarde imobilizava-se quando
partíamos pinhões com pedras
aguçadas e sentíamos nos dedos
a textura da resina. Jogávamos
à bola com pinhas, usávamos
cuspo para limpar o pó dos sapatos
ortopédicos, esfolávamos joelhos
– rituais infantis como tantos outros,
condenados à nostalgia.

OUTRO LIVRO A NÃO PERDER


Editado pela Relógio d'Água, este livro tem tudo para passar despercebido: a capa, o formato, o título, o autor. E vai passar despercebido, não tenho dúvidas. Maria Gripe é uma escritora sueca que, por acaso, até ganhou o Prémio Hans Christian Andersen de 1974, mas isso pouco diz à maioria das pessoas. Que chegue até nós directamente traduzido da língua original basta para fazer dele uma raridade. Fiz-lhe uma referência na secção “Leituras Miúdas” da última LER. Só posso acrescentar que me senti absolutamente fascinada. Mas eu tenho um fraco pelos velhos mestres, é certo.

UM LIVRO A NÃO PERDER


Os Irmãos Catita têm uma canção dedicada “aos malefícios do álcool e do tabagismo”. A Orfeu Negro, chancela da Antígona, lançou agora um livro dedicado aos malefícios da voracidade leitora, ou como queiram entender a história de O Incrível Rapaz Que Comia Livros, de Oliver Jeffers. Além de muito divertido, é uma lindeza de livro. Pelas ilustrações, pelas cores, pelo arranjo gráfico, pelo lettering cuidadoso. Não por acaso, recebeu o prémio de Melhor Livro Infantil 2007, atribuído pelo Irish Book Awards. E, desta vez, até a capa dura se oferece a ser roída… confirmem.

quarta-feira, 11 de março de 2009

ANTÓNIO BARRETO À LER


Só agora li a entrevista de António Barreto a Carlos Vaz Marques, publicada na última LER. Alguns excertos à volta da frase da polémica:

[Sobre a escola]
A escola foi uma ajuda muito madrasta da leitura, em Portugal. Não esteja à espera de um discurso nostálgico a elogiar o tempo da minha juventude porque eu vou dizer-lhe o contrário. Se não fosse a minha família – o meu pai, a minha mãe, as minhas tias, os meus avós – e se não fosse um ou dois professores cujos nomes mais de 50 anos depois eu recordo, a escola não me tinha ajudado. A escola do meu tempo não incitava à leitura. Os que gostavam de ler era por outras razões, não era por causa da escola.

E a escola de hoje?
Passaram 50 anos e, por razões diferentes, a escola de hoje destrói a leitura. Seja com a análise estruturalista e linguística dos textos, seja pela ideia de que a escola tem de ser mais acção e tem de ser mais projecto e mais mil coisas que fazem a nova escola. A leitura na escola é a última das preocupações.

[Sobre o Magalhães]
Da maneira como o Governo aposta na informática, sem qualquer espécie de visão crítica das coisas, se gastasse um quinto do que gasta, em tempo e em recursos, com a leitura, talvez houvesse em Portugal um bocadinho mais de progresso. O Magalhães, nesse sentido, é o maior assassino na leitura em Portugal. Chegou-se ao ponto de criticar aquilo a que chamaram ‘cultura livresca’. O que é terrível. É a condenação do livro. Quando o livro é a melhor maneira de transmitir cultura. Ainda é a melhor maneira. A coroa de todo este novo aparelho ideológico que está a governar a escola portuguesa – e noutras partes do mundo – é o Magalhães. Ele foi transformado numa espécie de bezerro de ouro da nova ciência e de uma nova cultura, que, em certo sentido, é a destruição da leitura.

TRABALHO E TRIPALIU


Em contagem decrescente para Bolonha e com uma carga de trabalhos que não diminui ao mesmo ritmo a que as horas passam, tenho descurado um pouco a jardinagem. Isso aborrece-me. Gosto de cultivar a constância e a disciplina neste blogue, não por furor maníaco mas apenas porque isso me ajuda a estar ligada à terra, e eu sou um animal de terra (que se sente bem na água). Também gosto de trabalhar, mas nestas alturas lembro-me sempre de que a palavra “trabalho” vem de tripaliu, um antigo instrumento de tortura formado por três paus. Portanto, há qualquer coisa de contra-natura no acto de trabalhar. Fraco consolo.

Ilustração de Assunção de Melo.

segunda-feira, 9 de março de 2009

ILUSTRAÇÕES DE INÊS DE OLIVEIRA


Não sei se o primeiro livro que me veio parar às mãos terá sido A Montanha da Lua ou A Sopa de Pedra, ambos publicados em 2004. Inês de Oliveira fez parte, então, dos novos ilustradores “revelados” pela Campo das Letras, editora que acabou de fechar as portas. A propósito de A Montanha da Lua, escrevi, na página de livros da edição de Janeiro de 2005 da Agenda Cultural da Câmara Municipal de Lisboa: “Quanto ao trabalho de Inês de Oliveira (Porto, 1979), a fazer lembrar, por vezes, as aguarelas da genial Lisbeth Zwerger, é uma belíssima leitura das personagens, num registo ilustrativo que oscila entre o clássico e a transfiguração poética. Um nome a seguir com atenção.” Quatro anos depois, Inês de Oliveira continua a ser uma das minhas ilustradoras portuguesas preferidas, ganhando em maturidade e autonomia face à sua figura tutelar. Um bom exemplo é a leitura feita sobre O Grande Voo do Pardal, um texto de Lídia Jorge publicado pela Dom Quixote em 2007. Esse e outros originais encontram-se, desde este fim-de-semana, em exposição na livraria infantil Papa-Livros, no Porto (Rua D. Manuel II, ed. 81, Cristal Park, loja 44). Para ver de segunda a sábado, das 10h00 às 19h00, até 31 de Março.

A SEMENTE INTERMINÁVEL


Em Cascais, na Eco-Cabana do Parque Marechal Carmona, uma exposição dedicada à land art reúne obras de Alberto Carneiro, Hamish Fulton e Susana Neves. Depois dos gatos, um olhar fotográfico de pormenor sobre a realidade vegetal, intitulado “A semente interminável”. Para ver até 29 de Abril, todos os dias, das 10h00 às 19h00. Parabéns, Susana.

A VIDA SECRETA DOS OBJECTOS


The Lying Carpet
David Lucas
Andersen Press

Um belo e estranho livro cuja ambiguidade começa no título e no duplo sentido de "lying", remetendo quer para a ideia de mentira quer de quietude. Com texto e ilustrações de David Lucas, The Lying Carpet conta a história de dois objectos presentes no salão de uma casa nobre inglesa: a estátua alegórica de uma criança a ler (Hope) e um tapete de pele de tigre, provável troféu de uma caçada na Índia. Provável porque, neste cenário de um tempo suspenso no maravilhoso, tudo se joga entre a verdade e a mentira; o tigre representando a voz adulta, literalmente esvaziada de felicidade, e a menina o impulso evolutivo de todas as crianças. Ela quer saber por que razão está ali e que destino vai ter; ele mente "porque a verdade é tão difícil de acreditar". O diálogo estabelecido entre ambos, sempre a derrapar nos equívocos da linguagem, é matéria para grandes interrogações. David Lucas, um dos dez melhores ilustradores ingleses eleitos pela campanha The Big Picture, conta esta parábola numa paleta de variações cinzentas entre o preto e o fundo creme das páginas, como um conto de fadas vindo das sombras do mundo.

(Texto publicado na LER nº78)

quinta-feira, 5 de março de 2009

FUTURO SECRETÁRIO-GERAL DA ONU


Foi uma surpresa daquelas. Quase cem miúdos da EB 1/Jardim de Infância de Alvalade, no Alentejo, entraram pela sala munidos de óculos feitos de propósito para a ocasião, com a ajuda das professoras. Uns de papel metalizado, outros de papel pintado, outros de objectos reciclados, como tampas de garrafas de plástico ou de champô – alguns, feitos em casa com a ajuda dos pais. A criatividade é um bem inesgotável e, às vezes, contagioso. Ao chegar à Biblioteca Municipal de Santiago do Cacém, recebi logo os óculos-régua desenhados pelo Miguel, que tem seis anos e já vê mais longe do que muitos adultos. “Óculos para eu medir o mundo”, escreveu ele. A incluir no álbum das profissões do futuro, aqui e aqui.

quarta-feira, 4 de março de 2009

UMA HISTÓRIA CADA VEZ MAIS BREVE


A pensar nos comentadores profissionais do Público online que acham que a caça é um desporto saudável e necessário ao equilíbrio da Natureza, sugiro, como TPC, a leitura de Bill Bryson em versão para crianças (para facilitar a compreensão). Podem começar por aqui, páginas 156 e 157:

“A América do Norte e do Sul perderam em conjunto cerca de três quartos dos seus grandes animais desde que o Homem, o Caçador chegou munido das suas lanças com pontas de pedra. A Europa e a Ásia, onde os animais tinham tido mais tempo para se acautelarem com os humanos, perderam entre um terço a metade da sua grande fauna. A Austrália perdeu 95 por cento.”

Ou então por aqui:

“Isto significa que os seres humanos são nocivos para os outros seres vivos? A triste verdade é que podemos bem sê-lo. A taxa de extinção natural ao longo da história biológica da Terra tem sido, em média, de uma espécie por cada quatro anos. Segundo alguns peritos, a extinção provocada pelo Homem pode estar agora a alcançar 120 000 vezes esse valor.”

HOJE NO BLOGTAILORS

A partir de hoje, também contribuo para as crónicas de opinião em boa hora iniciadas pelo Blogtailors. “Pequenos leitores e capas duras de roer” é a primeira.

terça-feira, 3 de março de 2009

A SOMBRA DO CAÇADOR


Adenda ao post anterior: no que toca a caçadores, prefiro este.

OS MACHOS

Esta notícia do Público online mal teve tempo de pousar, empurrada por tantos acontecimentos de última hora. Com indícios de ter sido perseguido, foi abatido por caçadores (ou um caçador, pouco importa) o único macho do casal de águias-imperiais que estava a nidificar na região do vale do Guadiana. Algo semelhante aconteceu recentemente no Gerês, em consequência dos incêndios.

Estando os assuntos relativos aos animais fora da agenda dos media – porque incomodam sem venderem e sem moverem influências, basicamente –, não deixa de ser significativo o elevado número de comentários que sempre suscitam. Estão em larga maioria as pessoas que manifestam a sua indignação, felizmente, mas há sempre uns energúmenos cujo único neurónio não consegue abarcar mais do que um problema ao mesmo tempo. Costumam insurgir-se contra o bando de líricos vegetarianos que se preocupa com os animais, quando há tanta gente a ser assaltada, violada, a morrer de fome ou de cancro. Aposto que são esses os primeiros a não mexer uma palha para ajudar nada nem ninguém, sempre com aquele outro argumento imbatível: “Para quê? Isso não vai mudar nada!”. Sinceramente, metem-me nojo.

HOJE NA CASA FERNANDO PESSOA


Se não estivesse atolada em trabalho, iria mais logo à Casa Fernando Pessoa ouvir Alice Vieira.

segunda-feira, 2 de março de 2009

O ORNITORRINCO DE BRAGA


Como todos os animais dotados de ambiguidade, o ornitorrinco é um bicho fascinante, patusco exemplar do experimentalismo zoológico. Ao descobrir, por acaso, o blogue O Significado das Coisas, lembrei-me do “meu” ornitorrinco, avistado nas águas do Rio Homem, por ocasião de 1977/78. Nessa altura, o rio afluente do Cávado era a praia mais próxima dos habitantes de Braga, uma alternativa de fim-de-semana aos piqueniques no Sameiro ou Bom Jesus. Os incipientes mergulhos que por lá dei têm mais valor do que quaisquer férias nas Seychelles, garantidamente. Um dia, vi um bicho estranho a infiltrar-se pelo meio das rochas. Poderia ser um peixe, não obstasse a pelagem escura e as patas salientes, ratinheiras. Gerou-se uma especulação familiar sobre a natureza da criatura. “Será um ornitorrinco?”, disse eu, a folhear de cabeça a última colecção de cromos. O meu pai preferiu manter o mistério: “Se calhar, é”. E assim, durante anos, guardei a memória fugitiva, mas de uma destreza invejável, do ornitorrinco português, que representou no meu imaginário o mesmo papel que um certo Pai Natal.

domingo, 1 de março de 2009

CÃO DE ÁGUA DE MATOSINHOS


A Orquestra de Jazz de Matosinhos foi tocar a Nova Iorque com um saxofonista muito importante. É bom. Não sei se justifica a capa do último Actual, porque não percebo nada de jazz e ir tocar a Nova Iorque pode ser mais fácil do que ir a Faro, além de consentâneo com uma profissão que tem o seu lado "on the road". Sem dúvida que é mais meritório do que o anunciado e já famoso cão de água português na Casa Branca. Mas eu que não alimento quaisquer sentimentos patrióticos nem bairristas, fiquei encanitada ao ler que esta é “uma formação oriunda de uma pequena cidade dos arredores do Porto”. Ora bem: Matosinhos não é uma “pequena cidade” e o Porto não é para aqui chamado, Ok? E não é por ter nascido lá que digo isto. É o meu lado cão de água a emergir à superfície.

PORQUE HOJE É DOMINGO


(…)

Eu devia estar feliz pelo Senhor
Ter me concedido o domingo
Pra ir com a família ao Jardim Zoológico
Dar pipoca aos macacos

Ah! Mas que sujeito chato sou eu
Que não acha nada engraçado
Macaco, praia, carro, jornal, tobogã
Eu acho tudo isso um saco

É você olhar no espelho
Se sentir um grandessíssimo idiota
Saber que é humano, ridículo, limitado
Que só usa dez por cento de sua
Cabeça animal

E você ainda acredita que é um doutor, padre ou policial
Que está contribuindo com sua parte
Para nosso belo quadro social

(…)

"Ouro de Tolo": grande, grande canção de Raul Seixas. Quem é que ainda não conhece isto?