quinta-feira, 31 de outubro de 2013

WENDY NO DIVÃ: LOBO MAU



Em vésperas da chegada da revista LER de Novembro, aqui fica a segunda personagem «psicanalizada» na secção «Wendy no divã»: 

 
LOBO MAU Perseguido, escarnecido, quase sempre derrotado pela astúcia, o Lobo Mau continua a ser o vilão de serviço das histórias. Há quem o queira converter ao vegetarianismo. Má ideia.

Ao contrário do Barba Azul, um serial killer sanguinário e sem perdão possível, o Lobo Mau não é um psicopata puro, apesar da reputação de gangster da floresta, esquivo e intratável, sempre pronto a ferrar o dente em carne alheia. Porquinhos, cabritinhos, meninas impúberes ou velhinhas duras de roer, tanto faz. A fome do lobo é mítica, ancestral, ligada ao instinto primordial da sobrevivência. Para aplacá-la, até o lobo mais viril será capaz de travestir-se de avozinha ou de mergulhar a patorra em farinha, revelando uma propensão esquizóide para o disfarce, à maneira do atormentado Norman Bates de Psycho. Desfavorecido pela sorte, falta-lhe a sofisticação e a inteligência de um psicopata como Hannibal Lecter, outro parente próximo de Barba Azul. Desgraçadamente, é também a pouca sorte que o humaniza aos nossos olhos – e nenhum outro animal se prestou a encarnar os medos próprios do homem como o fez o lobo, esse solitário caçador.

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

RATOS E HOMENS



Esta proposta de lei pretensamente defensora do bem estar dos animais não é apenas má por ser cega, confusa e redutora. É má na sua essência, no seu núcleo moral, na sua rasura da humanidade. Primeiro, porque significa uma ingerência do Estado na intimidade das pessoas. Segundo, porque não penaliza os verdadeiros criminosos que maltratam e abandonam. Terceiro, porque facilita o regime de vigilância e denúncia do vizinho, gerando ainda mais «mal estar social», como um ouvinte referiu há pouco no Fórum da TSF. Toda a gente tem o direito de dormir sem cães a ladrarem a meio da noite? Com certeza. Mas não é assim que se resolve um problema complexo. Antes de mais, é preciso pensar, ouvir, voltar a pensar, ouvir mais, ponderar, e só depois decidir. Mas este governo recusa-se a pensar. Tudo isto fez-me lembrar esse extraordinário filme sobre Hannah Arendt e a sua reflexão filosófica sobre a banalidade do mal. Transformando os animais em coisas descartáveis, retira-se-lhes o direito à vida. Limitando as pessoas na sua bondade e solidariedade, retira-se-lhes o direito a serem humanas. E assim regride a civilização.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

AINDA BEM QUE NÃO EXISTEM UNICÓRNIOS



Gostava de ver uma proposta de lei (uma, vá lá) que fosse pelas pessoas e pelos animais, não contra. Poder incluir facturas de veterinário no IRS, por exemplo. Esta ideia peregrina, vinda agora do Ministério da Agricultura, de limitar o número de animais domésticos por domicílio – dois cães ou quatro gatos – e ainda facilitar o regime das queixinhas pidescas da vizinhança não lembra ao diabo, ó Cristas. Os índices de abandono de animais já são a vergonha que se sabe – e não é este tipo de deliberações que vai melhorar alguma coisa. É preciso ver caso a caso. Excluindo os exemplos patológicos de gente que acumula cães e gatos em casa ou os maltrata por sadismo – e que devia ser rapidamente internada – não vejo por que razão o Estado deva decidir quantos animais é que uma pessoa pode ter. Isto ainda não é a China, ou é? Segundo a notícia do Público, a excepção (há sempre excepções...) faz-se para os criadores de «raças nacionais puras registadas», que podem ter os cães que quiserem. São questões de pedigree. Só o «tio» Victor Veiga, consultor jurídico do Clube Português de Canicultura, é que acha a nova lei muito boa e considera que «quem quer ter mais cães arranja maneira de ter uma casinha na província». Então não arranja? Eu até já lhes perdi a conta.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

DOS JORNAIS, 4


«A família é uma instituição horrível. Conservadora no pior sentido do termo. Herdamos dos nossos pais ou transmitimos aos nossos filhos os nossos genes, os nossos gostos, os nossos gestos. Dou-me conta de que estou a cruzar as pernas como o meu pai... Quer coisa mais conservadora do que esta? Romper com isto é difícil. A minha profissão tem o sucesso que tem porque as famílias são feitas para criar problemas.»

(Carlos Amaral Dias, psicanalista, em entrevista de Anabela Mota Ribeiro para o P2.)

[Sim, a família é uma instituição que cria mais problemas do que resolve. Valha-nos a possibilidade de, com alguma sorte e decisões acertadas (?), podermos ser melhores do que os nossos pais, como os nossos filhos poderão ser melhores do que nós e por aí fora. Mas se a instituição "família" se mantém, isto é como curar mordedura de cão com pêlo de cão. Ou não?]

DOS JORNAIS, 3



"Estamos naquela situação em que as mudanças estão mesmo a acontecer debaixo dos nossos olhos, mas não as estamos a ver ainda. É preciso que a política tenha essa perceção, a capacidade de ver o que ainda não está visível mas já está a acontecer na sociedade, nomeadamente na mobilização das novas gerações."

(...)

"Tenho essa utopia de que chegaremos a um ciclo em que não será possível continuar com esta espécie de desregulação do mundo económico, de um consumo desenfreado. Vamos ter de aprender a viver com menos, o que não quer dizer viver pior. Se soubermos estar atentos aos fenómenos sociais e ter uma consciência social, podemos encontrar outras formas de organização. Elas já estão a existir na sociedade."

(Excertos da entrevista à TSF da António Sampaio da Nóvoa, professor universitário e ex-reitor da Universidade de Lisboa, publicada no Diário de Notícias do último domingo. Tê-lo como próximo Presidente da República - hipótese que não descarta - poderia significar a interrupção desta safra inquinada de políticos que nos andam a governar do alto da sua arrogância, burrice e má-criação. Também tenho essa utopia.) 

domingo, 27 de outubro de 2013

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

É MANDÁ-LOS PASSEAR


Anthony Browne (Inglaterra, 1946) é um daqueles autores que têm a capacidade de reunir consenso entre crianças e adultos. Narrador de histórias familiares e bem-humoradas, quase sempre com o seu quê de inquietante (Pela Floresta ou As Preocupações do Billy, entre outros), Browne é um ilustrador que também escreve, dotando os seus livros de uma grande coesão interna e sentido autoral. Foi, recorde-se, Prémio Andersen de ilustração em 2000. Em Um Passeio pelo Parque, um «clássico» de 1977, mostra o quanto é hábil na criação de intertextualidades, recorrendo ao seu imaginário fortemente surreal, devedor da influência de Magritte, e às múltiplas referências culturais e artísticas que introduz de forma inteligente. Sempre crítico da rigidez do mundo dos crescidos (veja-se o impagável Os Três Porquinhos), incide aqui, mais uma vez, sobre os temas da comunicação e dos afectos, apresentando-nos ao encontro (no parque, precisamente) entre dois adultos e duas crianças, acompanhados dos respectivos cães. É Anthony Browne no seu melhor. A edição, as usual, é da Kalandraka.

HABERMAS NA GULBENKIAN


O senhor Habermas, um clássico terrorífico dos meus tempos de faculdade, vai proferir a conferência de abertura do encontro internacional dedicado ao tema «Os Livros e a Leitura: desafios da era digital». Segunda-feira, todo o dia, na Gulbenkian, com entrada livre. Programa aqui.

NOVO BLOG: FÁBULAS DE LEITURA

Há um novo lugar na blogosfera dedicado aos livros e à leitura, com destaque para a literatura juvenil: chama-se Fábulas de Leitura. Bonito e criterioso nas escolhas. Recomenda-se.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

BOB E JAMES, DOIS GATOS VADIOS



James Bowen tocava na rua para fazer umas massas e andava num programa de reabilitação de metadona quando um certo gato cor-de-laranja começou a segui-lo para todo o lado. Quem gosta de gatos sabe que isto não é muito normal, mas que sabemos nós dos animais (e, enfim, que sabemos nós das pessoas)? Bob, o gato, tornou-se inseparável de James, que contou a história num livro e comoveu milhares de pessoas por todo o mundo. Já terá vendido um milhão de exemplares? Não sei. Apesar do best-seller, James e Bob continuam a fazer vida de rua e a vender a The Big Issue, revista dos sem-abrigo equivalente à nossa Cais. O gato tem muito melhor aspecto do que ele; lógico, nunca usou drogas. Ambos parecem espíritos livres genuínos e talvez seja por isso que se entendem. James fala em karma e vidas passadas, o que pode soar a «JuJu Magic» para muitas pessoas; talvez as mesmas que, no video, criticam o facto de Bob usar trela, por razões de segurança, mas que se cortam imediatamente a largar uns trocos para comprar a revista. Os cépticos questionadores e preguiçosos do costume. Nunca li o livro, mas tenho curiosidade. Dia 1 de Novembro chega às livrarias a continuação da história destes dois gatos vadios, publicada em português pela Porto Editora. Uma história real, certamente mais interessante do que muita ficção pateta.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

PÓS-GRADUAÇÃO EM LITERATURA INFANTO-JUVENIL


Roubei o cartaz ao blogue O Bicho dos Livros para lembrar que a Escola Superior de Educação Jean Piaget, em Almada, ainda está a aceitar inscrições para a Pós-Graduação em Literatura Infanto-Juvenil, em horário pós-laboral e com duração de um semestre. Encontram o link com o plano de estudos aqui.

Informações e inscrições:
dir.ese.almada@almada.ipiaget.org
Secretariado: Isabel Cruz
Tel. 21 294 62 60

ou

Doutora Paula Pina
ppina@almada.piaget.org
Tel. 21 294 62 50 (ext. 300, gabinete B8)

[Adenda: informação recém-chegada à minha caixa de e-mail acrescenta que o prazo para pagamento das inscrições termina no final deste mês.] 

BIBLIOTECAS, 2



A Biblioteca Municipal de São Lázaro, na freguesia da Pena, foi fundada em 1883, o que a torna a biblioteca pública mais antiga de Lisboa. Quem conhece sabe que aquela preciosa sala vintage acolhe uma não menos preciosa colecção de livros infantis e juvenis, verdadeiro suco da barbatana para investigadores e não só. Caso de Raquel Patriarca, cuja recente tese de doutoramento tem por título «O livro infanto-juvenil em Portugal entre 1870 e 1940». Nas comemoraçõeas dos 130 anos da biblioteca haverá oportunidade de ouvi-la falar mais uma vez sobre este tema (assisti à primeira e tenciono repetir). Vai ser às 17h00. No mesmo dia, mas às 15h00, tem lugar o lançamento do novo audiolivro da BOCA dedicado aos contos dos Irmãos Grimm, de que já falei aqui. António Fontinha e Maria Morais são dois dos contadores presentes. Uma tarde que promete!

BIBLIOTECAS, 1


No próximo sábado, 26 de Outubro, às 15h30, a ilustradora Catarina Sobral vai orientar uma oficina para crianças dos 7 aos 11 anos, versando uma técnica pouco utilizada: a linoleogravura. O local escolhido é a Biblioteca Municipal dos Coruchéus, em Alvalade (Lisboa). O linóleo é uma pasta fácil de trabalhar, esculpindo e escavando, e apela à habilidade motora e aos cinco sentidos (dá até vontade de comer). Maria João Worm ganhou o Prémio Nacional de Ilustração 2011 recorrendo à mesma técnica com Os Animais Domésticos. As inscrições podem ser feitas através do email da Orfeu Negro, onde Catarina Sobral tem os seus dois livros publicados: Greve e Achimpa.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

DOS JORNAIS, 2


«Todos precisamos de perdão. O perdão instala um corte positivo, interrompe a baba inútil da tristeza, essa maceração que nos faz infelizes e nos leva a esmagar os outros de infelicidade. Tão facilmente ficamos atolados em becos cegos, em círculos sem saída, reféns de uma amargura que cada vez vai sendo mais pesada e contamina inexoravelmente a vida. O ato de perdão é uma declaração unilateral de esperança.»

(crónica de José Tolentino Mendonça no último Expresso, para acompanhar com Tom Jobim.)

INSENSATEZ - TOM JOBIM



A insensatez
Que você fez
coração mais sem cuidado
Fez chorar de dor
o seu amor um amor
tão delicado
Ah porque você
foi fraco assim
assim tão desalmado
Ah, meu coração
quem nunca amou
não merece ser amado
Vai meu coração
ouve a razão
usa só sinceridade
Quem semeia vento,
diz a razão,
colhe sempre tempestade
Vai meu coração
pede perdão
perdão apaixonado
Vai porque quem não
pede perdão
não é nunca perdoado

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

'ONDE MORAM AS CASAS' NO CATA-LIVROS


Da capa à contracapa, Onde Moram as Casas pode agora ser lido e visto no site Cata-Livros. Também já tinha sido feito um trabalho magnífico com o Ainda Falta Muito? e A Lebre de Chumbo. Obrigada a toda a equipa!

PHILIP PULLMAN RESPONDE


«(...) Não me parece que nos nossos dias haja quem acredite nas musas, mas compreendo porque é que as pessoas costumavam acreditar. As ideias vêm-nos misteriosamente; não podemos garantir que teremos uma boa ideia só por dizermos que somos escritores. As ideias parece virem de algum lado, do escuro, por nenhuma razão em particular.

Mas ajuda estar-se preparado. Quando as pessoas me perguntam de onde tiro as minhas ideias, por vezes digo: "Não sei de onde vêm, mas sei para onde vão: vão para a minha secretária, e se ela não estiver lá elas vão-se embora." Por outras palavras, quer estejamos à secretária quer estejamos noutro sítio qualquer, temos de estar preparados para reconhecer uma boa ideia e fazer alguma coisa dela. (...)»

(Philip Pullman, escritor inglês, autor da trilogia Mundos Paralelos (His Dark Materials), respondendo à pergunta «Como é que os escritores pensam nas suas ideias?», no livro Grandes Perguntas de Gente Miúda com Respostas Simples de Gente Graúda, editado recentemente pela Presença. Já agora, «as ideias parece virem» ou «as ideias parecem vir»?)

domingo, 20 de outubro de 2013

DOS JORNAIS, 1


É pena que o Público não tenha posto online (acessível a todos) esta reportagem de Andreia Sanches, publicada na edição de ontem. «Não quero ser como os meus pais» é um título que sobressalta, quando sabemos que as crianças crescem imitando os comportamentos dos adultos. Que um adolescente de 15 anos diga isto, referindo-se a um núcleo familiar «normal», é revelador de uma desesperada lucidez que a escola devia ter capacidade de perceber. Mas, claro, não há psicólogos que cheguem nem se considera prioritário saber o que vai na cabeça das pessoas, ainda que não faltem psicólogos no desemprego e o suicídio seja a segunda causa de morte em Portugal. Alguns excertos significativos:

«Todos os dias, o casal sai de manhã e faz o que milhares de outros fazem: regressa a casa pelo congestionado IC19. Chegam a casa à noite, conta Pedro Proença, o advogado de defesa. Não é a vida que o adolescente ambiciona para o seu futuro.»

«Nunca houve propriamente discussões com a família. Mas o jovem, filho único, aluno do ensino secundário, de um curso de Economia, foi-se isolando dos pais. A sua rotina era esta: casa-escola-casa-jogos-de-computador. E livros. Lê bastante.»

«Disse-me [ao advogado de defesa]: 'Não quero ser igual aos meus pais'. Não se identifica com alguns valores, ter uma vida monocromática, sair de manhã para ir ganhar dinheiro, voltar à noite exausto, prescindir de uma existência mais interessante e de uma relação afectiva com os filhos.»

«Ao advogado, o rapaz disse que há muito se sentia triste. Queixou-se do curso de Economia. "Disse-me: 'Quando vejo o que o Governo faz com o país, começo a odiar a área que escolhi'."


(Detachment, o filme de Tony Kaye, tem tudo, mas tudo a ver com isto. Na imagem, liceu de Columbine, nos EUA, onde a 20 de Abril de 1999 dois estudantes mataram 13 pessoas e se suicidaram em seguida.)

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

FAQ: FREQUENTES ATITUDES QUADRADAS

 
Frequentes Atitudes Quadradas quando se trata de escolher livros para crianças: 


- Ler o livro apenas com o cérebro de um adulto.
- Pensar que os livros servem só para educar e ensinar.
- Pensar que as crianças
não percebem.
- Pensar que quanto mais infantis e
fofinhas são as ilustrações, melhor.
- Pensar que as ilustrações não acrescentam nada ao texto.
- Pensar que os livros com pouco texto (ou sem texto) têm menos valor e que não vale a pena dar dinheiro por eles.
- Dizer à criança
escolhe um livro até cinco euros.
- Dizer à criança
esse não, que não é para a tua idade.
- Dizer à criança
mas tu não sabes ler, para que queres esse livro?!
- Insistir em escolher o livro quando quer ser ela a fazê-lo.
- Escolher um livro à pressa.
- Escolher livros assinados por
celebridades que nunca deram provas de saber escrever.


(Agora que chega ao fim mais uma edição do Curso de Livro Infantil Booktailors, vou deixar aqui no Jardim Assombrado alguns tópicos abordados, a começar por aquilo que designei de FAQ - Frequentes Atitudes Quadradas. Obrigada a todos os que divulgaram na blogosfera, passa-palavra e Facebook. Para o ano há mais... espero!)

OS LIVROS SÃO



A meio de outra manhã de outro dia qualquer, aí por volta das onze horas, o Puff apareceu sem ter entrado no escritório do senhor Pina.
«Viva! O que estás a fazer?»
«Estou a escrever um livro para a Sara e para a Ana. O Inventão
«Ah e é um livro para crianças, então?»
«Quando for lido por uma criança é um livro para crianças. Quando for lido por um adulto é um livro para adultos. Os livros não são “para”, os livros são.»


(Álvaro Magalhães, O Senhor Pina, ed. Assírio & Alvim)

terça-feira, 15 de outubro de 2013

ESCREVER PARA NÃO TER DE MENTIR



Face à plausível inutilidade da literatura e da arte em geral, também me pergunto porque escrevo, quando poderia certamente fazer coisas melhores. Uma vez, na Feira do Livro de Lisboa, ouvi Lídia Jorge afirmar que «essa é a única pergunta a que não se pode responder com sinceridade» [porque escreve?]. «Precisaria de uma vida inteira para responder», disse Phillip Roth a este respeito. Não serve de grande consolo, nem chega para nos libertar da sensação de fraude que, a espaços, desperta o inimigo que ri dentro de nós. Escrever para quê, para quem?

Se calhar, escrevo para não ter de mentir. Porque aparentada com a maldade, a mentira é abominável, seja aquela que destrói um povo e um país (todas as ditaduras o exemplificam), sejam as mentiras que contamos aos outros e a nós próprios, acossados pelo medo atávico do incompreensível. Porque incapazes de lidar com as consequências da verdade, todos mentimos; faz parte da tendência do género humano para a devassidão. Não há remédio, muito menos remédio santo.

Sendo uma possibilidade de interpretar e reorganizar o mundo à nossa volta, incluindo o mundo que nos acontece, a escrita e a arte surgem como libertação temporária do mal absoluto, que é sempre frio e estéril. Para destruir o ser humano, basta atirá-lo para uma grande desolação interior. Contar-lhe uma mentira e negar-lhe a possibilidade de contrapor com as armas que tiver à mão: a palavra, a espada, o riso ou outras. Para uma luta justa.

Talvez isto seja também uma mentira, mas creio que, se não pudesse escrever, mentiria muito mais. 

(Imagem retirada daqui.)

DA TRILOGIA CANINA


Depois de Arturo, com texto de Davide Cali e fotografia de Ninamasina, a Bruaá anuncia a chegada às livrarias de Um Nome Para o Cão, de Ivan Chermayeff. O apelido soa familiar? É que Ivan é irmão de Peter Chermayeff, arquitecto que concebeu o projecto do Oceanário de Lisboa. Este é o primeiro de três títulos do autor que a Bruaá vai publicar. Para completar a «trilogia canina», já está na calha outro livro, desta vez de um «artista português». Cão será, perdão, quem será?

NOVIDADES CÍRCULO DE LEITORES



Mil páginas que reunem num só volume a tradução integral dos contos dos Irmãos Grimm e o oitavo título da colecção Grandes Exploradores, dedicado a Marco Polo (Viagem ao Império do Meio).

domingo, 13 de outubro de 2013

NÃO SEI QUE TÍTULO HEI-DE PÔR PARA DIZER QUE ESTE FILME TEM MESMO DE SER VISTO


Detachment ou Indiferença: não sei se passou nos cinemas portugueses. Ia dizer que todos os professores e pais deviam ver este filme, mas rectifico: todos devíamos ver este filme. Não é para quem sonha com utopias; é para quem sabe que não está sozinho nesta luta e que a mudança na forma como entendemos a educação e o progresso é inevitável. Precisamos de mais consciência, mais compromisso, mais coragem e carácter. Precisamos de pessoas que se importem e que recusem essa arma equipada com silenciador que dá pelo nome de "indiferença". Logo que possam, ampliem o ecrã do computador e vejam o filme no You Tube, inteiro e legendado em português (aqui). Professor numa escola secundária, Adrien Brody faz o melhor papel da vida dele, pelo menos desde O Pianista; de resto, toda a direcção de actores é brilhante. A linguagem não é meiga e algumas cenas idem, mas não se assustem. Depois digam-me se não valeu a pena.

sábado, 12 de outubro de 2013

'IRMÃO LOBO' EM BLUE MOOD


«A história que conta prende-nos a atenção e chocalha-nos a consciência. E a forma como é contada carrega um equilíbrio admirável entre aquilo que são as confusões e o ensimesmamento próprios da juventude e a ausência de paternalismo e discurso pedagógico.» Raquel Patriarca, investigadora na área da literatura para crianças, escreveu sobre o Irmão Lobo no blogue Bankbluebook.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

NOVO LIVRO DE AFONSO CRUZ


Logo à noite, na Papa-Livros. Se estivesse no Porto, não faltava. Assim mesmo.

COMO VIVEM OS ANIMAIS



Gosto muito, mas mesmo muito desta colecção de novelty books: livros com pop-ups, abas para levantar, tiras para puxar e outros «segredos» que interagem com o leitor. A capa reproduzida acima pertence à edição inglesa da Templar Publishing, mas já está disponível em português (Como Vivem os Animais, Editorial Presença) e esperemos que cheguem os outros. Da mesma dupla de autoras anglo-saxónicas, Christiane Dorion e Beverley Young, foi também publicado Como Funciona o Mundo, que recebeu vários prémios (e, diga-se a verdade, é mais imaginativo e mais bem feito...). Quando escrevi o Irmão Lobo peguei nele muitas vezes para observar em três dimensões o movimento das placas tectónicas, uma metáfora da desagregação familiar que atravessa todo o livro. Se não sabiam, ficam a saber.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

O FILHO DA LAVADEIRA


No dia em que se anuncia o Nobel da Literatura, nada me parece mais importante do que conhecer o discurso de Luiz Ruffato (Minas Gerais, 1961) para a inauguração da Feira do Livro de Frankfurt. Não apenas este excerto, mas todo o texto que reivindica claramente um papel actuante e engagé, sem que tal descambe na interpretação panfletária e maniqueísta do mundo. De resto, basta ler o escritor, publicado em Portugal pela Quetzal e Tinta-da-China.

«Eu acredito, talvez até ingenuamente, no papel transformador da literatura. Filho de uma lavadeira analfabeta e um pipoqueiro semianalfabeto, eu mesmo pipoqueiro, caixeiro de botequim, balconista de armarinho, operário têxtil, torneiro-mecânico, gerente de lanchonete, tive meu destino modificado pelo contato, embora fortuito, com os livros. E se a leitura de um livro pode alterar o rumo da vida de uma pessoa, e sendo a sociedade feita de pessoas, então a literatura pode mudar a sociedade. Em nossos tempos, de exacerbado apego ao narcisismo e extremado culto ao individualismo, aquele que nos é estranho, e que por isso deveria nos despertar o fascínio pelo reconhecimento mútuo, mais que nunca tem sido visto como o que nos ameaça. Voltamos as costas ao outro --seja ele o imigrante, o pobre, o negro, o indígena, a mulher, o homossexual-- como tentativa de nos preservar, esquecendo que assim implodimos a nossa própria condição de existir. Sucumbimos à solidão e ao egoísmo e nos negamos a nós mesmos. Para me contrapor a isso escrevo: quero afetar o leitor, modificá-lo, para transformar o mundo. Trata-se de uma utopia, eu sei, mas me alimento de utopias. Porque penso que o destino último de todo ser humano deveria ser unicamente esse, o de alcançar a felicidade na Terra. Aqui e agora.»

ESPAÇO PUB


Em Frankfurt com a Bookoffice.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

VIVER DUAS VEZES


Christiane F. sobreviveu para ver a sua segunda biografia, que estará em destaque na Feira do Livro de Frankfurt. Tem agora 51 anos. E eu já não tenho tempo para ler o mesmo livro 13 vezes, como dantes. Ver o artigo no Le Monde ou o booktrailer (não faz mal se não entender alemão).

DEZ MANDAMENTOS DO LIVRO INFANTIL


Parafraseando Tristan Tzara e o seu Manifesto Dada: em princípio sou contra os mandamentos, mas também sou contra os princípios. Via La Double Vie de Veronique

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Ó VERÃO, VOLTA PARA TRÁS


Hortas Aromáticas, uma edição Dinalivro, apresenta-se como um livro para «os dias longos de Verão», sendo já o terceiro da dupla Fernanda Botelho/Sara Simões. Nestes dias em que o sol e o calor resolveram refrear a chegada do Outono, apetece mesmo pegar nele. Da autora do texto e do seu blogue, Malva Silvestre, já tínhamos falado aqui; faltou lembrar que Sara Simões, especialista em ilustração científica, tem também um blogue, Velhadaldeia.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

OS GRIMM NA BOCA DO LOBO


Lembram-se de ouvir as histórias dos Irmãos Grimm na TSF? Foi o ano passado, por ocasião das comemorações dos 200 anos da primeira edição alemã. Em parceria com o IELT, a editora Boca reuniu em audiolivro 35 contos, naquele que é o quinto projecto da colecção HOT - Histórias Oralmente Transmissíveis. António Fontinha, Cristina Taquelim, Maria Morais, Rodolfo Castro e Thomas Bakk, contadores de histórias da melhor cepa, dão a voz ao manifesto, enquanto a bela capa é assinada por José Feitor. A primeira apresentação pública acontece este domingo, 6 de Outubro, no Porto, durante a Festa de Outono da Fundação de Serralves. Mais tarde, a 26 de Outubro, Lisboa também terá direito ao seu quinhão de contos, desta feita na Biblioteca Municipal de São Lázaro, que está festa de 130º aniversário. Toda a informação no blogue da Boca e o «era uma vez...» da Branca de Neve para escutar aqui.  

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

LER DE OUTUBRO


Já saiu a Ler deste mês. Nas «Leituras Miúdas», falo do novo livro de Álvaro Magalhães, O Senhor Pina (Assírio & Alvim), uma pequena maravilha para nos alegrar o Outono. Na secção «Wendy no Divã», o paciente é o Lobo Mau, esse vilão sempre sedutor. Ainda as respostas do ilustrador Alex Gozblau para o «Scrapbook» e a coluna das reclamações «Efeito Sombra». Boas leituras!

terça-feira, 1 de outubro de 2013

OS LIVROS DIFÍCEIS


O Meu Pai Está Desempregado (Máquina de Voar) é um livro que arrisca e sai a ganhar. Não é fácil abordar temas difíceis sem ceder à moral do panfleto ou cair na lamechice. Imagino o quanto se retorceram os estômagos das autoras ao serem «entrevistadas» por apresentadores deste calibre, no Correio da Manhã TV. A «Tia» Maya e mais um rapaz cujo nome ignoro, graças a Deus, desconheciam o livro até ao momento em que a produção o deixou sobre a mesa e não o tinham lido, nem sequer por alto. Proferiram meia dúzia de patetices que não justificam o salário que auferem. A «Tia» Maya diz que não é fácil lidar com pais que são figuras públicas e sugere que o próximo livro da colecção O que fazem os pais? seja sobre «apresentadores». Tremo só de pensar. Jornalistas da Lusa, Carla Jorge e Irina Melo, autoras do texto (a ilustração é de Catarina Correia Marques), falaram nos poucos minutos que escaparam aos egos vorazes dos ditos apresentadores-figuras-públicas. Deixaram a ideia de que pode ser «um livro difícil de oferecer» a uma criança cujo pai ou mãe estejam desempregados. Mas isso, obviamente, não é um defeito.