sábado, 24 de janeiro de 2009

OS VELHOS


Cada vez gosto mais de velhos. Olho à minha volta e vejo um país centrado nas crianças, oscilante entre a reverência e negligência. As crianças mandam em casa e mandam nos pais; são alvo de uma “permanente coquetterie” – como diz um dos meus amigos – que mantém toda a família ocupada num desvelo de presentes, actividades extra-escolares e festas de aniversário, a que elas respondem com o seu egocentrismo e ingratidão naturais. No outro extremo estão as crianças que pura e simplesmente não existem, que são um peso e uma maçada, controladas sob a ameaça do estalo, do desprezo e do insulto. No meio desta esquizofrenia, os velhos só têm que fazer uma coisa para serem tolerados: incomodar o menos possível. Falarem pouco, sem serem surdos; andarem pelo seu pé, sem saírem de casa; morrerem depressa, sem ficarem doentes. Acham que estou a ser cruel? Telefonem para um lar ou para um hospital qualquer: alguém falará dos velhos que não foram suficientemente incómodos para não ser abandonados, ontem ou um destes dias.

(Fotografia de Rocha Peixoto, do início do século XX. Um velho do Lindoso em traje rico da primeira metade do século XIX. Edição do Museu Nogueira da Silva, Universidade do Minho)

2 comentários:

CPrice disse...

infelizmente tão verdadeiro ..

acompanho há muito a sua escrita. é grato poder dizer-lhe por aqui aquilo que certamente sabe: que escreve maravilhosamente.

Cumprimentos

Carla Maia de Almeida disse...

Cara Once, é bom conhecer aqui uma "close reader". O elogio é muito generoso. Fico sem jeito...