sábado, 25 de julho de 2009

A ARTE DE CONTAR HISTÓRIAS VERDADEIRAS


A propósito do post anterior – e sem querer intrometer-me na bibliografia recomendada por Paulo Moura – reproduzo aqui um texto publicado na secção “Histórias & Apontamentos” da LER, em Setembro de 2008: Telling True Stories, uma excelente colectânea de pequenos textos ensaísticos sobre jornalismo literário e escrita de não-ficção.

“Em 1973, no ano em que publicou uma antologia sobre o assunto, Tom Wolfe fez voto de silêncio e jurou que nunca mais haveria de discutir os quês e os porquês do chamado «novo jornalismo». Questão de técnica literária, argumentava, contra os que pretendiam alimentar um monstro teórico de formas imprecisas. Técnica um: preferir a construção por cenas à narrativa cronológica. Dois: abusar dos diálogos. Três: anotar os pormenores reveladores de estatuto social, desde o vocabulário à mobília de casa. Quatro: adoptar o ponto de vista da primeira pessoa. Estes e outros métodos deram substância, nos anos 1960 e 70, ao estilo jornalístico de Wolfe – e também de Truman Capote, Norman Mailer, Gay Talese e Joan Didion, entre outros –, fazendo escola em revistas como a Esquire, Rolling Stone ou The New Yorker. Mais de trinta anos depois, o autor de A Fogueira das Vaidades permitiu-se fazer um breve flashback, agora que o debate está esquecido («quer dizer, durante quantas décadas se pode continuar a discutir algo que se autodenomina “novo”?»), embora o essencial continue vivo. Com a chancela da Universidade de Harvard, Telling True Stories está aí para o confirmar.

Chame-se novo jornalismo, jornalismo literário, jornalismo narrativo, não-ficção criativa, romance de não-ficção ou outros termos de difícil tradução para português, estamos sempre a falar da arte de contar histórias verdadeiras. Histórias que podem ter por título «Frank Sinatra Has A Cold» («Frank Sinatra Está Constipado»), como quis Gay Talese, enviado a Los Angeles pela Esquire no Inverno de 1965. Subitamente indisponível e mal-humorado, Sinatra esquivou-se à entrevista agendada; o resultado foi um perfil excepcional e uma peça jornalística de antologia. «A curiosidade é o princípio» e não se aprende nas faculdades, garante Gay Talese, um dos pesos-pesados que figuram em Telling True Stories. Ao todo, são 99 pequenos ensaios seleccionados dos últimos cinco anos de conferências sobre jornalismo narrativo promovidas pela Nieman Foundation, agregada à Universidade de Harvard. Recomendado como «um guia para escritores de não-ficção», contém uma série de pensamentos inteligentes sobre um género de jornalismo que, parafraseando o título desta secção da LER, procura transformar bons apontamentos em grandes histórias.

Como consegui-lo, eis a questão. Em textos curtos, 51 jornalistas e escritores de não-ficção contam o que aprenderam com a sua experiência. Gay Talese lembra a época em que se afastou do jornalismo diário e das suas óbvias limitações de tempo e espaço. Tom Wolfe evoca o escritor Stephen Crane como um caso pioneiro da capacidade de chegar ao «núcleo emocional da história». David Halberstan recomenda ler bons romances policiais para saber construir a estrutura narrativa de uma reportagem. Nora Ephron diz o que pode haver em comum entre jornalistas e guionistas. Tom French explica o ritmo de uma sequência de texto. Roy Peter Clark assinala os dois princípios éticos que presidem à separação entre factos e ficção: «Não acrescentes. Não enganes».

Para além de pequenas divergências (usar gravador ou gravar mentalmente o que se ouve?), o que sobressai destes textos é a forte ligação dos jornalistas à sua prática profissional. Se são «as emoções, não os factos, que chamam os leitores», como escreve Tom Wolfe, encontrar o «núcleo emocional das histórias» é a questão fundamental para jornalistas e editores, numa época em que se discute o futuro dos jornais e revistas. O resto é técnica. Pesquisar, reportar, pensar, escrever, reescrever. No fundo, a lição de Telling True Stories é simples: não há bom jornalismo sem esforço.”

(Telling True Stories, AA.VV., Plume, 2007)

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