terça-feira, 14 de julho de 2009

NOS 30 ANOS DA ANTÍGONA


(…)
Valerá a pena lembrar que o medo também fascina? Que uma bandeira negra ainda provoca um arrepio e que esse arrepio é bom? Nas brincadeiras de infância, quando se está do lado da transgressão, só se pode ser pirata ou índio. A própria vida de um pirata, ainda segundo Lapouge, “não é mais do que o concretizar de um sonho da infância”. Ter tudo, suprimir as regras, jogar o jogo, celebrar em irmandade, às vezes morrer. Mas, nesse caso, atira-se o corpo à água e pouco mais. Nem elegias nem cemitérios. Não será uma maneira de dizer “eu agora não morria”?

Piratas e índios encontram-se na Terra do Nunca, onde Peter Pan combate o Capitão Gancho, seu alter-ego de menino castigado. Seria injusto deixá-lo de fora deste fascínio; afinal, é um pirata tão trágico como os de carne e osso. Mais elegante do que o velho John Silver de A Ilha do Tesouro, muito mais autêntico do que o Capitão Blood incarnado por Errol Flynn, cujo fantasma também anda por aqui. Nascido gentleman, desamparado na solidão dos adultos, James Gancho morre como um pirata: a rir-se dos seus tormentos. Derrubado pelo pontapé de Peter Pan, cai na boca do crocodilo, gritando, trocista: “Más maneiras!”. E não é que tinha razão? Sacana do Gancho.


(Excerto do texto “Os Piratas – Vagabundos do Mar”, publicado na Notícias Magazine, secção “Coisas que Fascinam”, em Fevereiro de 2003. Fortemente inspirado pelo livro Os Piratas, de Gilles Lapouge, ed. Antígona, 1998)

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