terça-feira, 4 de maio de 2010

O DIREITO DE NÃO LER


O que faz um leitor são também as suas circunstâncias. Há uma diferença intransponível entre ler de livre vontade e ler por imposição alheia. Este domingo, ao falar dos livros que marcaram a minha infância, citei o Romance da Raposa, de Aquilino Ribeiro, como o único livro que me obrigaram a ler, estragando o ritual das idas pontuais à Livraria Victor, em Braga, no final dos anos 1970. A dado ponto, vendo-me entretida com a leitura dos imprescindíveis “patinhos”, o meu pai fartou-se das delongas à volta de mestre Aquilino e preveniu-me: “Olha que eu não te compro mais livros até leres o Romance da Raposa.” Foi a via imediata para a embirração com a Salta-Pocinhas, o pai raposo, a mãe raposa e restante bicharada. De orelha murcha, abati-me sobre as páginas, cumprindo o mais depressa possível a minha via sacra e saltando tudo o que não percebia, incluindo “os arganazes roazes” e “a papalva que se esconde com a alva”. Bem gostaria de me ter revoltado e proclamado os direitos do leitor, de Daniel Pennac, mas na altura não havia cá essas modernices.

Curiosamente, o Romance da Raposa foi o livro mais marcante, de forma oposta à minha, da escritora e jornalista Alice Vieira, que também contou a sua experiência no debate. Não deixa de ser mais uma coisa que temos em comum.

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