sexta-feira, 27 de agosto de 2010

O QUE FAZ CORRER SAMMY?



Lembro-me deste título: «O que faz correr Sammy?». Li-o quando era miúda, numa revista das Selecções do Reader’s Digest que havia em casa da minha avó, algures na indefinição dos anos 70. Intrigou-me para o resto da vida. Now, é preciso dizer que naquela altura não percebia muito bem os títulos das Selecções do Reader’s Digest – a começar por aí mesmo, nessas palavras que me faziam pensar em estômagos e esófagos e sucos digestivos, já para não falar da rubrica que dava pelo nome de «Eu sou o fígado de João», «Eu sou o pâncreas de João» e outras coisas assim viscerais; só mudava o órgão. Não compreendia como é que alguém podia ser o fígado ou o pâncreas de outra pessoa – e só mais tarde aferi os propósitos de divulgação científica dessas páginas que compuseram as minhas primeiras memórias anatómicas da leitura, feitas de árvores, baloiços e penedos cobertos de musgo.

Continuo sem saber «o que faz correr Sammy?», porque nunca li o livro de Budd Schulberg nem vi o filme homónimo. Mas sei muito bem o que me faz correr: as narrativas. «Destino: de um lugar para outro lugar, mas entre os dois é onde tudo se passa.»* Estou aqui, quero chegar ali. Devagar, depressa, devagar. Sei para onde vou, não me interessa se faz mau tempo no canal ou na ilha de Kiloran.

Correr? Correr é outra coisa. E estava capaz de falar disso, não fosse a desistência súbita – mas justificada – da malta do Correr Para Contar, que cancelou o treino de hoje à tarde no Parque das Nações, meu habitat próximo. Agora vão ter de me convencer a calçar de novo os MBT.

(* Sam Shepard, Lua Falcão, Quetzal, 1988)

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