segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

A ÚLTIMA ESTAÇÃO


Vinte anos antes da imprensa económica ter cunhado o termo PIGS, acrónimo dos países manhosos da União Europeia – Portugal, Itália, Grécia e Espanha –, os portadores do Inter-Rail já sabiam que o comboio andava a duas velocidades. A escolha representava um golpe nessa fome de justiça poética que é suposto ter aos 18 ou 20 anos. A escolha era implacável. Viajar para os lados dos «pigs» da época, rumo ao Leste ou Sul da Europa, implicava criar intimidade com assentos de napa pegajosos, abrir latas de pasta de carne de origem incerta e ser enganado por taxistas de bigode que nunca falavam outra língua a não ser a sua, um arrazoado de aldrabices pegadas. Mas havia o clima, para ajudar. Evitar os «pigs» e viajar para o Norte da Europa, pelo contrário, prometia paisagens imaculadas, mapas gratuitos nas estações, casas de banho onde era possível a higiene completa (um pé no lavatório, depois outro), rostos glabros de aparência saudável e comida crua a preços exorbitantes. Mas havia o clima.
Tudo isso acabou há muito. De uma forma geral, viajar é, agora, uma banalidade perigosa. A CP eliminou o sistema de divisão por castas geográficas e aumentou o limite de idade. Teoricamente, pode-se fazer o Inter-Rail até estar a cair da tripeça. Por outro lado, a mesma CP garante que o Inter-Rail é «uma peça incontornável no currículo de um jovem», como se tal o livrasse de ficar três horas à espera de uma consulta no centro de saúde mais próximo. Decidam-se, por favor. Há um tempo para tudo, incluindo o tempo do Inter-Rail. Quem fez, fez muito bem. Mas na altura certa.


(Crónica publicada na edição de 16 de Janeiro da Notícias Magazine, revista de domingo do Diário de Notícias e Jornal de Notícias, na secção "Nostalgia".)

1 comentário:

vera nc disse...

ahaha que crónica adorável ! :-)