Em O Senhor Pina (Assírio & Alvim) Álvaro Magalhães assumiu a delicadíssima tarefa de fazer literatura e prestar homenagem a Manuel António Pina, que nos deixou a 19 de Outubro de 2012. Como arriscar este feito sem soar programático e, ao mesmo tempo, incorrer nas armadilhas do tom elegíaco, onde o sentimentalismo espreita a cada esquina? Talvez a resposta esteja na fala do urso Puff: «Sei como as coisas são quando não estamos a olhar para elas.»
Dir-se-ia que Álvaro Magalhães não andou à
procura do melhor ângulo para capturar um retrato do escritor e amigo de longa
data. Apenas deixou que ele lá estivesse, ganhando outra vida por intermédio
das palavras. Ao longo de 89 páginas de puro deleite, as duas vozes misturam-se,
o que nada deve ao sobrenatural – é até muito natural. Sendo inconfundível, a
escrita de ambos partilha da mesma lisura e profundidade poética que só se
atinge depois de largar muito lastro mental. Aliada à vocação dos brincadores, essa capacidade de «dizer,
dizendo-o» evidencia-se claramente nos livros para os mais novos – e que nos
perdoe Manuel António Pina o uso do «para», ele que desconfiava das funções.
Os gatos, as cigarrilhas, o casaco de
bombazina verde, o urso Puff, o fascínio pela ciência, os amigos, a família, a
poesia, os livros, o Porto, o futebol, o amor aos animais, a informalidade, os
atrasos proverbiais e a agenda sempre sobrecarregada pelo vício de dizer que
sim à vida, todas essas coisas entram em O
Senhor Pina. Discretamente ilustradas por Luiz Darocha, amigo comum de
ambos, são 16 pequenas histórias que nos recordam um pouco do que sabíamos
sobre ele; ou nem por isso. «Isto é verdade e não. E é tudo imaginação.» O
Pina, um senhor.
(Texto publicado na revista LER nº 128. Manuel António Pina faria hoje 70 anos. Sobre a homenagem que decorre hoje no Porto e, em especial, na Biblioteca Almeida Garrett, local escolhido para o lançamento deste livro maravilhoso, é favor consultar o blogue Letra Pequena.)
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