terça-feira, 6 de maio de 2014

THE WARRIOR'S REMINDER



Gosto mais de falar para adolescentes e adultos do que para crianças, é um facto. As crianças são a minha «zona de conforto», mas obrigam-me a um ajuste cognitivo de linguagem que, nos livros, é muito mais livre. Quando me perguntam, por exemplo, «o que me inspira para escrever», dou por mim a falar da natureza e do mundo em geral, quando só me apetece dizer que o fundamental é a nossa vida interior, consciente e inconsciente, porque é nessa torrente que mergulhamos quando nos comprometemos verdadeiramente com a arte. Portanto, quando não digo isto e digo outra coisa simpática, soa-me sempre como uma espécie de mentira; ainda que seja uma «mentira positiva», como diz o meu tio Ruben. Ora, estou cansada de mentiras e deste embuste institucionalizado. Na véspera de visitar o INETE, uma escola profissional em Lisboa onde se completa o ensino secundário, tinha preparado uma espécie de aula em power-point sobre o que é isso de escrever. À última hora, mudei tudo. Peguei nos meus livros e numa série de objectos pessoais, desde um disco de vinil a uma pequena estatueta africana que me assombrou a infância, e fui ter com eles. Ouviram-me durante hora e meia, com uma atenção tão generosa quanto curiosa. Passei-lhes um poema da Erykha Badu que me acompanha há anos, The Warrior's Reminder, e que um aluno chamado André quis ler alto para todos nós, espontaneamente, num inglês perfeito. Passei-lhes o que sentia, sem preocupações de «fazer bonito». Porque tão importante como «escrever contra a mentira» é falar contra a mentira.

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