Gostava mesmo de saber como é ter apenas meio dia de vida. Como é que olhas para este mundo onde acabaste de aterrar? O que vês? O que sentes? De que te lembras? Que tens para nos contar? Estou muito, muito curiosa para saber de ti. Estava a ver que não ficava para tia.
Nasceste em Coimbra, à meia-noite e um minuto, um Escorpião a
caminhar para Sagitário, o que promete qualquer coisa. Não sei bem o quê, mas
será com certeza qualquer coisa intensa, autêntica, aventureira e um bocado cabeçuda (não te
preocupes, vem de família). De qualquer modo, não estás aqui para agradar aos
outros, se isso significar seres desonesto contigo. «Don’t be a people
pleaser», dizem os ingleses, que também inventaram o «fair-play». Isso é
importante. Aceitas um chá? Daqui a uns anos, quero dizer.
Olha, nem sempre precisamos de tomar partido. Podes ser
religioso sem professar uma religião; podes ter fortes convicções políticas e ideológicas, sendo
apartidário; podes praticar yoga e cometer uns exageros (já sabes que o corpo é
que paga, mas pronto). Acima de tudo, não deixes de viver, caramba. Usa
a cabeça e o coração para perceber qual é a acção mais correcta para
determinada circunstância. Sê um diplomata, mas dá um estalo se for preciso,
desde que o outro lado também se possa defender (não vale bater em crianças nem
em animais). Quando fizeres asneira, pede desculpa. Diz sempre «obrigado» e
«bom dia»; duas vezes, até, porque algumas pessoas são meio surdas, coitadas. Pratica
um desporto de que gostes, futebol ou tiro com arco, ou outros, consoante te
sintas mais sociável ou mais introspectivo.
Não deixes que ninguém te rebaixe, te humilhe, te despreze,
te trate com indiferença. Não tenhas medo de ninguém. Olha para os dois lados
quando atravessares a rua. Acredita que o melhor investimento é sempre em ti, e
isso não é egoísmo: se souberes multiplicar, vais ter mais para dividir.
Qualquer forma de arte é boa para isso. Como os teus pais são artistas, muitos
tesouros vão passar à tua frente e vais morder o mundo com os seis sentidos (o
sexto é a intuição). Também podes ter de aprender a viver na corda-bamba,
independentemente do talento que possas ter. Mas nunca estarás sozinho. Nunca.
Vais querer sempre fazer as coisas à tua maneira, por isso
não vale a pena convencer-te de nada. Muito rapidamente, mais rapidamente do
que outras pessoas, vais perceber que todos os gurus têm pés de barro e que os
espíritos-livres não te vão querer vender teorias nem receitas. Vais ouvir muitas
mentiras: por exemplo, que «o mundo é uma selva», que «as mulheres são chatas»,
que «os homens são todos iguais», que «quem vai ao mar perde o lugar» e outras
coisas bem piores e mais destrutivas. Espero que estejas sempre do lado dos que
lutam e não se rendem à ignorância e à maldade. É a única coisa que te peço.
Também ficava contente se gostasses dos meus livros, mas isso logo se vê.
Um beijo,
C.
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