quarta-feira, 11 de maio de 2016

CLARA FERREIRA ALVES, 2


Mas ganhava-se bem nos jornais nessa época.
Não, não se ganhava nada bem. Há um período nos anos 90 em que se ganhava melhor mas eu complementava com a televisão. Só nos jornais propriamente ditos não. Nunca ninguém ficou rico a escrever num jornal. Claro que hoje há uma chacina das pessoas e na altura não havia esta austeridade. Mas hoje também há muita gente a escrever, muita oferta, muitos estagiários, muita mão de obra barata que na altura não havia. Havia mais triagem. A vida que levávamos implicava ter dinheiro, havia um desejo primordial de ganhar dinheiro, que também era importante. É que o jornalismo dava dinheiro e a literatura não dava. Os primeiros anos do Saramago dificilmente se pode dizer que tenham sido anos de prosperidade. O Zé Cardoso Pires vivia ultramodestamente. Tive essa conversa com ele várias vezes. Eu perguntava-lhe como é que ele conseguia viver só a escrever livros, e ainda por cima era muito lento... Foram 10 anos para escrever o Alexandra Alpha, era um escritor bissexto. Ele aguentava-se no limite da pobreza. A Edite, a mulher, trabalhava, e tinham uma vida ultrafrugal. Ele não viajava, não jantava fora todas as noites. O Alexandre O’Neill ganhava dinheiro na publicidade. O Fernando Assis Pacheco, que era um extraordinário escritor e poeta, estava na redação a fechar o jornal, outros davam aulas, tinham que trabalhar. Hoje é mais fácil um autor viver dos livros do que na altura. A Agustina uma vez disse-me isso no Frágil (o que é que a Agustina estava a fazer no Frágil, não sei, alguém a levou para lá), estava numa esquininha, com aquela curiosidade dela e eu perguntei-lhe o que é que era preciso para escrever um romance, para me tornar escritora a tempo inteiro, e ela disse a frase da minha vida: «Arranje um marido rico.» Lapidar.

Não tinha medo de falhar?
Não. Tinha medo de ficar sem dinheiro. Coisa que ainda tenho. Nunca tive medo de falhar. Vou-lhe dizer uma coisa muito sinceramente: o medo de falhar é aquilo com que vive todo o jornalista. Quando já tem a reportagem toda feita na cabeça, com as notinhas todas, uma reportagem de guerra, por exemplo, que é muito intensa e é sob pressão, e você já tem tudo, as 10 histórias incríveis que lhe contaram, e tem a deadline, e todo o jornalista que tem a pressão da escrita, desde os tempos da tarimba de que lhe falei, em que me incutiram o terror da prosa mal feita ·– nessa altura tem o medo de falhar. E é o medo que alimenta o jornalista, o medo de no fim, depois daquele trabalho todo, aquilo seja uma merda.

[Clara Ferreira Alves, in LER nº 141. Entrevista conduzida por Bruno Vieira Amaral. Fotografias de Pedro Loureiro.]

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