segunda-feira, 19 de setembro de 2016

AUDÁCIA E SANGUE-FRIO


Sempre que me pedem uma lista dos livros da minha infância, este não pode faltar: Sandokan - Os Mistérios da Floresta Negra, de Emilio Salgari, uma edição Europa-América traduzida por J. Ferreira a partir do texto integral da terceira edição italiana (publicada em 1903, segundo a nota do editor Francisco Lyon de Castro). Reeencontrei-o há pouco numa feira do livro, a bom preço e em óptimo estado. Fiquei muito admirada quando o li pela primeira vez e não achei o nome de Sandokan nem de Lady Marianne, mas de uma outra dupla romântica e fatal: Tremal-Naik e Ada Corishant, «a virgem do Pagode». Este epíteto causava-me uma grande perplexidade, confesso. «Pagode», ou «estar no pagode», é uma expressão muito usada no Norte, referindo-se às crianças quando estão na brincadeira. Agora, «virgem do Pagode» era muito à frente para os meus escassos oito ou nove anos; só muito mais tarde percebi o que queria dizer. Desta leitura tão marcante resultou também a curiosidade pela deusa Kali e pelas misteriosas Sunderbunds; o arrepio de palavras tão estranhas como «bangaló», «sipaios», «faquir» «brâmanes», «rupias», «tugues», «inexoráveis» e tantas outras; e ainda um fascínio por braceletes como os que envolvem os braços da suavíssima Ada. Ofereçam-me braceletes e juro que me atiro aos tigres com audácia e sangue-frio.

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