segunda-feira, 27 de março de 2017

ONDE MORAM AS CASAS OU OS SONHOS COMUNICANTES


Uma grande amiga e uma grande jornalista, cujo nome não refiro aqui porque não sei se ela gostaria, está prestes a realizar um dos meus maiores sonhos: viver fora de Lisboa, perto da praia, numa casa térrea com espaço à volta (não, não é essa que está na fotografia... queriam!). Tem um filho adolescente que cria praticamente sozinha, a família no Norte e, como se costuma dizer, «pouca rede de apoio». São coisas que partilhamos, as duas últimas. Tem, acima de tudo, uma grande coragem, capacidade de se adaptar às circunstâncias e valores mais sólidos do que o Rochedo de Gibraltar. «É muito trabalhadeira», como se diz lá em cima. Em suma, é uma grande mulher de quem espero ser amiga até que a vida o permita (ela diz que, às vezes, parecemos os velhos d'Os Marretas, sempre a rezingar à volta das mesmas coisas - os gajos, o dinheiro, o trabalho, as chatices do jornalismo -, etc., mas eu sei que isso não é mais do que um elogio à nossa resiliência).

Agora, o curioso desta história é que, durante anos, a minha amiga nunca prestou atenção ao lugar onde vai morar agora, o lugar dos meus sonhos, ao qual se chega por uma estrada cheia de curvas, entre pinhais e cheiro a maresia. Pelo contrário, dizia-me: «Ah, mas tu fazes 50 quilómetros para cá e para lá quando tens praias mais perto de Lisboa?» Eu encolhia os ombros e respondia: «Faço. Faço porque é ali que me sinto bem durante um dia inteiro, e ao pé disso o que me importa a gasolina?» Ela suspirava: «Não te entendo.» E assim continuávamos nas nossas «marretices».

O tempo passou e a vida deu-lhe uma grande volta, e quis a sorte que ela arranjasse um emprego no lugar dos meus sonhos, para onde está prestes a ir viver junto com o filho. Não lhe saiu o euromilhões, não recebeu nenhuma herança, não encontrou o homem da vida dela, com carro e casa posta. Teve apenas um pouco de sorte e um conjunto de circunstâncias a seu favor que lhe permitiram aplicar a máxima de Arquimedes: «Dêem-me um ponto de apoio e eu levantarei o mundo.» Fico mesmo muito feliz por ela, tenho muitos defeitos mas não a inveja, seguramente. Merece tudo, esta miúda da minha idade. E acho engraçada a forma como o meu sonho contagiou a vida dela, inconscientemente.

Falta-me ainda um ponto de apoio para conseguir viver numa casa assim como a da fotografia, que simboliza quase tudo o que valorizo. Talvez morra sem nunca lá chegar, mas continuo a procurá-lo. «Enquanto há força», como diz a canção, hei de continuar a procurá-lo. E pergunto-me, em jeito de FC e parafraseando Philip K. Dick («Do androids dream of electric sheep?»). Será que, neste momento, alguém está a sonhar o sonho onde eu hei de morar, um dia? Quem sabe.    

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