terça-feira, 12 de setembro de 2017

OS LIVROS, OS LOBOS E OS MEDOS



Há algum livro, entre os doze que já editou, pelo qual sinta uma predileção especial? Parece-me que estou a perguntar à mãe qual o filho de que mais gosta, mas pronto… Fale-nos de três.
Mas há, claro que há. O livro do qual ainda não me desvinculei é o Irmão Lobo. Continua a viver em mim, tanto que me pede uma continuação. E vai acontecer. Eu nunca forço nada na escrita; não ando à procura de ideias mas mantenho-me atenta e disponível. E se as ideias ficam lá, durante algum tempo, dou-lhes atenção. Se elas se evaporam, deixo de pensar nisso. O Irmão Lobo foi importante porque me fez sair de uma zona de conforto; pode ser uma banalidade dizer isto, mas foi assim. Ao escrever, pela primeira vez, um livro para adolescentes e adultos, desviei-me do meu registo habitual, o álbum para crianças. O Irmão Lobo está dentro de mim e continuará a correr ao meu lado.
E sente esse retorno?
Um dos maiores retornos é saber que o livro foi traduzido na Colômbia, no México, na Alemanha, na Sérvia, em Itália. Este circular de um livro pelo mundo é muito bom, muito gratificante. Tal como dar conta de que a sua autenticidade atingiu o leitor.
E o segundo?
Também gosto muito do Onde Moram as Casas. Dos meus álbuns, é um dos mais arriscados. Apesar de a ilustração ser bastante figurativa, entendo ser uma proposta diferente.
Por não ter personagens?
Sim. As casas são as personagens e isso, só por si, torna-o original, creio eu. Mas recordo sempre o momento em que o terminei e o entreguei ao meu antigo editor na Caminho – o José Oliveira, uma pessoa marcante no meu percurso inicial – e notei que a primeira reação dele ao texto foi de estranheza. Eu estava segura da minha originalidade e, quando o ouvi dizer que talvez não fosse para crianças, fiquei desolada! Porque ao lado do escritor caminha sempre esta sombra do fracasso, da dúvida, da possibilidade concreta de morrer na pobreza… (risos) Não se ria, é verdade…
É um riso incongruente, por entender que é uma possibilidade bem real…
É o nosso medo mais atávico. Temos muitos exemplos ao longo da história. Herman Melville morreu sem ser reconhecido, e, noutro extremo, Truman Capote foi esmagado pelo sucesso de A Sangue Frio. Escrever exige-nos uma grande exposição, um abrir de entranhas, um caminhar numa linha muito ténue entre o poder e a extrema vulnerabilidade. O poder de tocar os outros e a vulnerabilidade de nos derrotarmos. Esta profissão é de uma tremenda imprevisibilidade. E precisamos de lidar com isso todos os dias.

(Excerto da entrevista à revista Focus Social, conduzida por Marta Vaz. Fotografia de Egídio Santos, na praia de Matosinhos. Pode ser lida na íntegra aqui.)

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