domingo, 27 de junho de 2010

VIEW-MASTER: A REALIDADE AGORA A CORES




"Não há turistas mal comportados nas Cataratas do Niágara. Como figurantes na maqueta de um mundo perfeito, vivem suspensos no interior dos discos do View-Master, com os seus binóculos e oleados pretos, imunes ao vento e aos salpicos de água, sempre rodando no sentido dos ponteiros do relógio. Se quiséssemos, poderiam rodar até à eternidade, sem nunca tirar os olhos da paisagem.

O View-Master foi uma das atracções da Feira Internacional de Nova Iorque, em 1939, a par da Magna Carta e do ar condicionado. Patenteada no ano seguinte, a invenção partiu do engenho de dois norte-americanos, Gruber e Graves, apostados em recuperar o princípio dos visores estereoscópicos do século XIX: duas imagens bidimensionais que, sobrepostas, dão a ilusão de profundidade. O uso do filme Kodachrome, outra invenção recente do tempo de Gruber e Graves, completou a magia. Com as suas cores saturadas e formato 16 mm, também usado pelo cinema, a realidade nunca foi tão luminosa como através do View-Master. Até os oleados pretos dos visitantes das Cataratas do Niágara adquirem um brilho especial.

Para as gerações de miúdos que nele tiveram um dos seus brinquedos preferidos – o equivalente em sofisticação às actuais consolas de videojogos –, saber que o View-Master surgiu para mostrar o Grand Canyon ou as Grutas de Carslbad é uma relativa decepção. Além de gadget turístico, também foi usado para fins militares, uma ideia aviltante, mesmo sabendo que estávamos na época em que até o mais inocente objecto era olhado como potencial contribuinte para o esforço de guerra.

Mas pouco importa. O View-Master continua a ser o cinema portátil a que tivemos direito, o único onde nunca pagámos bilhete. Fomos os projeccionistas amadores das histórias de Peter Pan, Cinderela, Mickey Mouse e Os 101 Dálmatas, entre tantas outras. Tivemos um vislumbre da Estátua da Liberdade e do Outono no Vermont, sem saber onde era o Vermont. Conhecemos a vida selvagem de África, acompanhando as imagens com legendas típicas dos interlúdios do cinema mudo: «O leão é naturalmente preguiçoso.» Ou: «Jovens elefantes tomando banho.»

Com o View-Master, nunca foi preciso acumular pontos para subir de nível. O jogo era outro. O jogo era só nosso."

(Texto integral da versão publicada no número de 13 de Junho da Notícias Magazine, revista de domingo do DN e JN, na secção "Nostalgia". Imagens originais de view-master digitalizadas com a cortesia do jardineiro honorário deste blogue, Guto Ferreira.)

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