quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

CELEBRIDADES E BESTAS CÉLERES


Escrever livros para crianças tornou-se uma actividade integrada no star system, encarada com a mesma benevolência que antes se reservava à passagem devastadora de uma banda rock pela suite de um hotel de luxo. Em ambos os casos, é uma questão de fazer as contas. Outros campos do sistema literário têm fronteiras mais rígidas; mas a literatura infantil, à semelhança dos hotéis e aeroportos, ainda é vista como um não-lugar nesse sistema, um território devassado por onde meio mundo passa e outro tanto faz a sua perninha. Tudo bem. Também não defendo a Arábia Saudita como paradigma da liberdade de expressão. Convém apenas lembrar que as crianças não estão no mesmo pé de igualdade que os adultos; e, em especial, dos adultos cuja intenção é escrever livros para elas. Entre outras coisas, porque não possuem as mesmas capacidades cognitivas e emocionais, as mesmas competências leitoras, a mesma experiência de vida que lhes dá a possibilidade de distinguir o muito bom do puro trash. Dizer que são as crianças, em última instância, a determinar a qualidade dos livros que lhes são dirigidos é de uma desonestidade intelectual a toda a prova, quando é óbvio que essa «decisão» só se faz a posteriori; isto é, com o livro nas mãos, sob a influência dos adultos, da televisão, do marketing e de outros factores externos. Dito de forma mais simples: as crianças não são tontas, mas são facilmente manipuláveis (salvo as que entram nos filmes do John Carpenter) e raramente são os primeiros decisores. Quem frequenta os espaços infantis das livrarias sabe que assim é. Quando a oferta é qualitativamente pobre e os livros não são vistos como imprescindíveis, sobretudo em tempos de crise, o poder de escolha diminui. Novamente, é tudo uma questão de fazer as contas.

(Texto publicado na coluna de opinião “Boca do Lobo” da última LER, secção “Leituras Miúdas”.)

1 comentário:

Anónimo disse...

Pois o mesmo digo dos ilustradores: aparecem aos magotes ilustradores sem formação, "jeitosos paraquedistas" com formações em áreas como Economia, Ciências, etc etc que vêm buscar a já parca fatia de bolo dos ilustradores com formação em pintura e design, apenas para "ganhar uns cobres"...cada macaco no seu galho, pois do mesmo modo que um ilustrador com formação não se pode aventurar em áreas como a economia assim ao calhas, também o economista não deveria de um dia para o outro ser ilustrador....Pedro Seromenho diz-vos alguma coisa?? Não há nenhuma entidade que regule estas situações???